Na obra da escritora americana Cynthia Bond, a protagonista, vítima de abuso sexual, vai do limiar da insanidade à superação, graças ao apoio de um amigo de infância

Mariza Santana

Desde menino, Ephram Jennings gostava da garota Ruby Bell, sua companheira de brincadeiras de infância. Mas acontecimentos que ele desconhece e que envolviam seu pai, o Reverendo. Jennings, acabam levando a menina para longe. Vítima de abuso sexual ainda aos 6 anos de idade, e obrigada a se prostituir, Ruby só retorna à pequena cidade de Liberty, no Texas, onde só moram negros, depois de décadas de decadência e de um período vivido em Nova York.

A garota já não é nem sombra do que era antes, pois se encontra no limiar da insanidade, largada na sarjeta da cidade natal, ou então totalmente perdida na propriedade que era de seu avô. Para os moradores de Liberty, é apenas uma vadia, uma louca sem futuro, alguém para se ignorar. Ou, no caso dos homens, apenas de quem se aproveitar sexualmente.

Entretanto, já na meia-idade, Ephram vai levar um pouco de luz à vida sombria de Ruby, que é perseguida por um espírito maligno e pelos fantasmas das crianças que não teve a possibilidade de criar. O jovem, enfrentando os preconceitos da pequena cidade, e a própria resistência da irmã Célia, uma figura proeminente no círculo religioso local, busca resgatar a dignidade de Ruby, apenas com consideração e carinho, além de uma boa dose de amor incondicional.

O romance “Ruby”, da escritora norte-americana Cynthia Bond, traz literatura de qualidade, com uma linguagem fantástica em alguns momentos, árida em outros. Alguns personagens são cruéis, de uma maldade fortuita, outros são simplesmente vítimas dessa maldade. A delineação de seus perfis vai sendo feita aos poucos, e aponta para um mosaico de famílias desajustadas, onde imperava a violência doméstica.

Ruby, portanto, é aquela anti-heroína sem perspectiva, desprovida de esperança e dignidade, sem lugar no mundo. Ephram, por sua vez, é o rapaz honesto, religioso e trabalhador, de caráter impecável. Ele vai enfrentar todo o tipo de adversidade para garantir a redenção da protagonista que dá nome ao romance.

Cynthia Bond é autora de uma literatura de qualidade, com uma linguagem fantástica em alguns momentos, árida em outros | Foto: Reprodução

A obra literária de Cynthia Bond é vigorosa, mexe com os sentimentos do leitor, é capaz de retirá-lo da zona de conforto. Por isso, em certos momentos, dá vontade de abandonar a narrativa, diante de tanta maldade destilada e da falta de futuro de Ruby. Não há o que se esperar da jovem, violentada ainda na tenra idade, sem capacidade para reagir a uma vida de aflição e desespero, entorpecida pela desdita.

Mas recomendo ao leitor insistir, não apenas porque a escrita é forte, com algumas pinceladas de realismo fantástico, e as descrições das forças da natureza são sensacionais. Mas porque ela nos convida a refletir sobre os matizes do ser humano, e como a maldade pode ser capaz de destruir vidas, assim como a redenção pode ser obtida por meio do amor.

“Ruby” é o romance de estreia de Cynthia Bond, publicado em 2014 pela Editora Intrínseca. O livro ocupou, por seis semanas consecutivas, a lista dos mais vendidos do “New York Times”, o jornal mais influente dos Estados Unidos. A escritora nasceu em 1961 em Hempstead, Texas, e atualmente mora em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Formada em Jornalismo e Artes Dramáticas, Cynthia Bond fundou em 2001 o coletivo Blackbird Collective, formado apenas por escritoras. Atualmente, trabalha como consultora de escrita terapêutica no centro de tratamento para adolescentes Paradigm, em Malibu, na Califórnia (EUA). Ela é prima do falecido ativista dos direitos civis Julian Bond.

Mariza Santana é crítica do Jornal Opção. Email: [email protected]