Paulo Lima
Especial para o Jornal Opção
A moça mal recebeu o folheto na calçada e já ia jogando fora quando percebeu algo que lhe interessava. “Odara, dona de muitos poderes, faz e desfaz qualquer trabalho. Traz seu amor de volta.” Obcecada, foi logo correndo ao local anunciado.
Era bem perto da sua casa. Estranhou nunca ter reparado naquela porta de ferro e vidro com uma plaquinha em cima com o mesmo nome descrito no papelzinho. Entrou. Uma senhora bem alta, gorda e sorriso de orelha a orelha, com roupas largas em tom azul escuro e laranja, cheias de pano solto e um turbante, a recebeu com as duas mãos estendidas, agarrando as dela logo na entrada.
― Como vai, querida? Em que posso lhe ajudar?
Meio sem graça, respondeu:
― Eu o li o seu folheto e queria muito…
― Já sei! Vem, senta aqui comigo. Procurou a pessoa certa!
Puxou a cadeira e se sentou de frente pra ela, numa mesinha redonda com uma bola de cristal no centro.
― Então… ― continuou ― Aqui diz, entre outras coisas…
A senhora atalhou:
― Traz seu amado de volta! É isso que você quer não?
Surpresa, de sua boca só saiu um “É…”.
O diálogo pegou ritmo de vez.
― Como ele se chama?
― Leo.
― Leonardo, Leonel…
― Só Leo.
― Tá. E há quanto tempo ele se foi?
― Dois anos.
― Muito tempo… Nunca mais soube dele?
― Não.
― Por que ele desapareceu de sua vida?
― Ah… Tenho certeza de que foi por causa daquela cachorra… Ai que ódio!
─ Não! Nada disso. O ódio não leva a lugar algum. Confie em mim. A gente traz o seu Leozinho de volta.
― E quanto isso vai me custar?
― Quanto você esta disposta a pagar?
― Se a senhora conseguir, eu juro que te dou 5 mil reais!
― Hmmmm…
A vigarista procurou se fazer de difícil, enquanto se controlava para não pegar logo a rua e ir pessoalmente atrás do desaparecido com uma coleira na mão. Cinco mil era uma senhora grana.
― Escuta, minha filha, eu preciso pensar… Tenho muitos poderes, mas dois anos é muito tempo. Não sei se consigo, mas por você eu vou fazer o possível. Vou começar os trabalhos ainda hoje, ok? Volte amanhã neste mesmo horário e falaremos mais sobre o seu amado. Pode ser?
Para quem esperava há tanto tempo, um dia a mais não faria tanta diferença.
― Pode, sim. Até amanhã.
Enquanto a moça ganhava a rua, a velhaca ia costurando um plano. “Essa tá a fim de gastar. Tenho que aproveitar a deixa. Amanhã, vou colocar mil e uma dificuldades, dobrar o preço e pedir 50% de entrada. Digo para retornar uma semana depois e faço como o tal do Leozinho: caio fora! O aluguel tá vencendo e esse ponto é muito ruim.”
No dia seguinte, uma garota entusiasmada chega, toca a campainha e já vai entrando.
― A senhora é realmente muito poderosa! Vim lhe pagar o que devo.
Abriu a bolsa e depositou três maços de notas de 100 e 50 sobre a mesa.
― Minhas amigas vão fazer fila na sua porta depois que souberem…
A velha tentava disfarçar simulando humildade, mas no fundo não estava entendendo bulhufas.
― Imagine só: acordei de madrugada e olha quem tava lá na minha varanda, fazendo serenata, feliz de me ver?
― O Leo, claro! ― emendou a bruxa, tirando proveito da situação.
― O próprio!
Dizem que a sorte acaba sorrindo pra todo mundo. Aconteceu com a dona poderosa. Um mês antes, a cachorra que havia tirado o Leozinho do caminho da mocinha havia morrido. Passado o luto, ele resolveu voltar para a sua ex. E graças à bruxa ― quer dizer, ao destino ― sua cliente e seu amado cãozinho estavam novamente em lua de mel.
Paulo Lima é redator publicitário desde 1988, caminhando para 26 anos de atividades ininterruptas. Contista por natureza, vocação ou sina, escreve desde mini contos a contos maiores. Nesse balaio, inclui algumas crônicas.
Muito boa revira volta.
Adorei.