Mesmo com público morno, Arnaldo Antunes faz show impecável
01 junho 2017 às 00h10

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Acompanhado dos mais do que talentosos Curumin, Chico Salem, André Lima e Betão Aguiar, músico paulistano encerra turnê do disco Já É e revisita toda sua carreira ao vivo

Quando as luzes se apagaram no Deck Parking Sul, no primeiro piso do Flamboyant Shopping Center por volta de 20h10 de terça-feira (30/5), quase todas as 3 mil cadeiras estavam ocupadas. Às 20h15 o escritor, compositor, cantor e poeta paulistano Arnaldo Antunes, de 56 anos, subiu ao palco do Flamboyant In Concert acompanhado de Chico Salem (guitarra e violão), Curumin (bateria), Betão Aguiar (baixo) e André Lima (teclado e sanfona).
Põe Fé Que Já É, canção que abre o disco Já É (2015), deu início ao show de Arnaldo Antunes. Com sua roupa preta, acompanhado de uma banda toda vestida com calças escuras e camisas azuis, o ex-Titãs e Tribalistas, começou a mostrar um repertório construído em 11 discos de estúdio desde 1993. Começava ali a última apresentação da turnê do álbum que antecede o recém-lançado DVD e CD Ao Vivo em Lisboa.
No repertório do registro gravado ao vivo na capital portuguesa, a música A Casa É Sua, do disco Iê Iê Iê (2009), aparece no final do show. Em Goiânia, ela apareceu na sequência de Põe Fé Que Já É, ainda no início da apresentação. “Espero que a gente se divirta tanto quanto vocês”, falou Antunes para um público bastante tímido nas reações.

Sentada, a plateia acompanhou a execução da animada Trato, do álbum Disco (2013), e as interpretações de Arnaldo, com gestos e danças protagonizadas por um curioso e interessante músico que pouco fazia os presentes se mexerem nas cadeiras. De Paradeiro (2001) veio Atenção, música que, em alguns versos, parecia descrever bem as reações de muita gente que assistia ao show: “Atenção/Essa vida contém cenas explícitas de tédio/Nos intervalos da emoção“.
A densa e triste Se Você Nadar (Mágoa), uma ode ao sofrimento retirada do disco Já É, mostrava em seu refrão a opção pela busca de um caminho menos lacrimoso. “Mas se você puder nadar até o outro lado/Vai ver tudo menos embaçado/Livre do rancor/Todo seu amor/Vai jorrar agora como água.” Enquanto parte do público cantava cada verso, uma quantidade quase igual de pessoas parecida entediada e começava a tirar celulares do bolso para fazer outra coisa qualquer que não fosse prestar mais atenção no show.
As Estrelas Cadentes, também do álbum Já É, era o momento de Arnaldo Antunes interpretar com gestos e expressões aquele momento da vida em que uma história de amor se acaba, mas a vida precisa continuar e um hora virá outro romance. Do mesmo disco, Óbitos foi o momento de, sem fazer qualquer discurso, o paulistano fazer seu protesto em versos: “Eles não pegam em armas/Só em canetas e papéis/Mas matam mais com suas leis/Que atiradores cruéis“.

Com sua poesia cantada e interpretada no palco, Antunes encantava quem prestava atenção no show e continuava bem acompanhado por um backing vocal cheio de feitos de Chico Salem e lembrava das “lágrimas nos funerais” com a música Óbitos. A canção Vilarejo, escrita por Arnaldo Antunes em parceria com Carlinhos Brown, Pedro Baby e Marisa Monte em 2006, foi a novidade no repertório do paulistano no show de Goiânia.
Lançada por Marisa Monte em 2006, a música Vilarejo nunca tinha sido gravada por Antunes. Até que ele resolveu cantá-la ao lado de Carminho, cantora portuguesa de fado, no Ao Vivo em Lisboa. No show, a sanfona tocada por André Lima deu ainda mais graça à boa canção do paulistano.
“Obrigado, Goiânia”, agradeceu ao público o cantor. “Vamos avante.” A bela Que Me Continua, composta com Edgard Scandurra (Ira!) e Toumani Diabaté no DVD documental Especial MTV – A Curva da Cintura (2011), também ganhou mais graça com o som da sanfona. “Se sou voraz, me sacie/Se for demais, atenue/Se fico atrás, assobie/Se estou em paz, tumultue.”
Nas graças do público

No meio do show, quando Arnaldo Antunes cantou Socorro, o público demonstrou sua primeira grande comoção durante a apresentação, com um ainda tímido, mas já possível de ouvir, coro no refrão. A faixa do disco Um Som (1998) se tornou o hino inicial da apresentação com “Qualquer coisa que se sinta/Tem tantos sentimentos/Deve ter algum que sirva“.
Quando Arnaldo Antunes destacou seu trabalho com Marisa Monte e Carlinhos Brown no disco Tribalistas (2002) com Passe Em Casa, a conexão entre artista e público pareceu decolar. Mas Invejoso, do álbum Iê Iê Iê, deixou essa relação um pouco morna, apesar de ser uma ótima canção.
A romântica Consumado, retirada do álbum Saiba (2004), reaproximou o excelente artista da plateia. “Na rádio e sem jabá/Na pista e sem cair/Um samba prá você/Um rock and roll to me.” A interessante e brega Ela É Tarja Preta, do Disco, manteve a animação do show e fez algumas cabeças balançarem.
Ponto alto

Quando Arnaldo Antunes anunciou “essa maravilha que é a Paula Toller” no microfone, a plateia parecia ter surgido de um show no qual grande parte dela não estava de corpo presente até aquele momento. Alguns levantaram das cadeiras, muitos aplausos, palmas e assobios.
A vocalista da banda Kid Abelha, que acabou no ano passado, dividiu os vocais com Antunes em Não Vou Me Adaptar, do disco Televisão (1985), dos Titãs, depois de perguntar “o que a gente vai fazer?”. A canção composta pelo paulistano nos anos 1980 revelou que muita gente estava ali para ver a carioca cantar e não Arnaldo Antunes.
E a dobradinha deu muito certo. Paula, convidada para fazer uma participação especial no show de Arnaldo, repetiu a canção dos Titãs que cantou ao lado do paulistano no programa Música Boa Ao Vivo, do canal por assinatura Multishow, em 2016. Para delírio dos fãs da carioca, ela puxou um dos sucessos da Kid Abelha, Como Eu Quero, composta por Leoni e Paula Toller para o disco Seu Espião (1984).
Só que para decepção e frustração de parte da plateia, a cantora se despediu e deixou Antunes continuar o show dele. O que fez muita gente começar a ir embora logo depois que Paula Toller deu tchau ao público.

A festa continua
O paulistano continuou a sua apresentação, para felicidade de quem foi lá para vê-lo e frustração dos desavisados que não entenderam que Paula Toller faria apenas uma participação no show de Arnaldo Antunes. Como era o último concerto da turnê Já É, Naturalmente, Naturalmente foi a escolhida para continuar a noite.
Alguns desistiram de ir embora quando ouviram os primeiros versos de Velha Infância, também da fase Tribalista de Arnaldo Antunes. Sabe quando as pessoas pagam ingresso para ver um show de uma banda cover porque têm a garantia de que conhecem as músicas que serão tocadas? Foi bem isso o que aconteceu para parte do público: só valia a pena continuar ali se a canção fosse familiar.
“Obrigado, Goiânia. Vamos fazer essa para a gente se despedir, OK?” Depois de o cantor perguntar isso ao público, os seguranças liberaram a parte na frente do palco e deixaram as pessoas se aproximarem e ficarem em pé mais perto de Arnaldo Antunes. E ele retribuiu com Inclassificáveis, gravada pelo cantor e o falecido Chico Science em 1996 no disco O Silêncio, que foi comemorada por quem permaneceu até o final do show.

A letra de Inclassificáveis parecia se encaixar perfeitamente como uma resposta ao público que resolveu ir embora: “Somos o que somos/Inclassificáveis“. Quem entendeu a proposta do show agradeceu. E ainda ganhou o brinde de um bis com Envelhecer, do disco Iê Iê Iê, e um Arnaldo dando colo a um bebê do público no palco e se emocionando em seguida com o momento vivido durante a música. “Eu quero estar no meio do ciclone/Pra poder aproveitar/E quando eu esquecer meu próprio nome/Que me chamem de velho gagá.”
Azar dos que foram embora
Muita gente que foi lá só para ver Paula Toller de perto foi embora antes de ver a cantora voltar ao palco e cantar junto com Arnaldo Antunes o rock Lugar Nenhum, de 1987, do disco dos Titãs Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. Os que ficaram viram e sentiram toda a vibração de Paula e Arnaldo no encerramento da apresentação aos berros e sorrisos nos versos “Não sou de Brasília/Não sou do Brasil/Nenhuma pátria me pariu” até quase 21h45.
Sabe o ditado “quem ri por último ri melhor”? Pois é. Só foi uma pena que a prevista O Pulso, que deveria fechar a apresentação em uma segunda volta ao palco, não ter feito parte do show. Aí sim os fãs de Arnaldo Antunes iriam ao delírio com um pedaço do disco Õ Blésq Blom (1989) dos Titãs.
E que venham mais shows do Flamboyant In Concert, com Samuel Rosa (Skank) e Lô Borges cantando Clube da Esquina no dia 27 de junho, Léo Jaime com participação de Erasmo Carlos em 29 de agosto, Renato Teixeira e Almir Sater no dia 26 de setembro e Ney Matogrosso encerrando o projeto neste ano com apresentação em 31 de outubro.