Livro de Juan Marsé mostra romance entre migrante e rica universitária na Barcelona pós-guerra
11 julho 2021 às 00h00
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Autor catalão desenvolve com mestria o enredo dessa obra premiada, que conta ainda com prefácio escrito pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa
Mariza Santana
“Xarnego”, em catalão, é um termo pejorativo. Foi utilizado principalmente nos anos 1950/1970, na Catalunha, para se referir aos migrantes de outras regiões mais pobres da Espanha que se mudaram em busca de melhores condições de vida.
No período citado, esses novos migrantes representaram cerca de 44% do crescimento total da população catalã. Serviram como mão de obra barata no turismo, na indústria e nas obras de infraestrutura na rica região espanhola. Eles se concentraram nos bairros periféricos de Barcelona. Sofriam discriminação e eram apontados como os outros (migrantes), ou seja, como não catalães.
No premiado romance “Últimas Tardes Com Teresa” (Alfaguara, 422 páginas, tradução de Luís Carlos Cabral), do escritor catalão Juan Marsé (1933-2020), o protagonista é um “xarnego”. Manolo, codinome Pijopoarte, é um jovem de pai desconhecido que deixou seu vilarejo em Múrcia e foi morar no subúrbio de Barcelona. Sem trabalho definido, sobrevivia por meio de furtos de motocicletas, que eram vendidas para o receptador do bairro, conhecido como Cardeal.
Por mais inusitado que possa parecer, o anti-herói vai se envolver amorosamente com a rica estudante universitária Teresa, militante estudantil e pretensa revolucionária. Ela confunde o rapaz, que antes era o namorado de sua criada Maruja, com um valoroso operário do movimento esquerdista. E nem mesmo o abismo social entre ambos impede o início de um relacionamento, construído com base em mentiras e ilusões de ambas as partes.
Manolo vê na moça a possibilidade de se livrar de uma vida miserável e sem perspectiva, mas acaba se apaixonando. Teresa enxerga no intrépido rapaz o mito idealizado de um proletário engajado na luta contra as desigualdades sociais e a repressão política, na Barcelona do final dos anos 1950, no pós-guerra, em uma Espanha ainda sob o jugo totalitário do regime franquista.
O desenrolar desse relacionamento de pessoas de classes sociais tão distintas conta ainda com o olhar apurado do escritor, que descreve cada local, momento e pensamento de seus personagens, por meio de imagens vívidas e posições firmes. E não deixa de incluir, aqui e ali, sua própria visão, permeada de sarcasmo e ironia.
O leitor segue os capítulos do romance, ávido por desvendar como será o desfecho da narrativa, que não chega a ser surpreendente. Pelo contrário, é de um realismo chocante.
Além dos protagonistas Manolo e Teresa, a obra é repleta de personagens emblemáticos, como a triste criada Maruja; a desprezada garota Hortênsia, sobrinha de Cardeal; assim como os colegas de movimento estudantil de Teresa, pseudointelectuais; e os pais da jovem universitária, típicos exemplares da alta burguesia catalã.
Para quem for ler o livro, ele guarda outra preciosidade. O prefácio é escrito pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2010, autor de “A festa do bode” e “A Guerra do Fim do Mundo”, entre outros romances sensacionais.
Recomendo ao leitor que faça como eu: contrarie a ordem natural do mundo literário e deixe para ler o prefácio de Llosa no final. Dessa forma, o texto do escritor latino americano a respeito do romance do catalão será melhor apreciado. Em suma, Juan Marsé é considerado um dos maiores escritores de língua espanhola da atualidade. E o romance “As últimas tardes com Teresa” comprova o título.
Mariza Santana é crítica do Jornal Opção. E-mail: [email protected]