Antes do show em Goiânia, Rodrigo Lima, vocalista da banda Dead Fish, falou sobre música, política, fãs e o momento de reformas no Congresso

“Eu não espero nada, cara. Eu espero que a gente viva todo dia de forma intensa e de acordo com as nossas ideias” | Foto: Fernanda Leonor

Menos de uma hora antes de a banda capixaba Dead Fish subir ao palco do Diablo Pub para encerrar o GO Art na noite do domingo 9 de abril, o vocalista Rodrigo Lima, de 44 anos, conversava com o guitarrista Ricardo Mastria, de 31 anos, no sofá do camarim. No celular, Ricardo mostrava para Rodrigo um vídeo do trio goiano Overfuzz. “Esse no baixo é o vocalista dos Hellbenders?”, pergunta Rodrigo.

A entrevista, que durou pouco mais de 20 minutos, aconteceu três dias antes de ser divulgada a chamada lista do fim do mundo, do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), com pedidos de abertura de inquérito baseados nas delações dos executivos da Odebrecht. Entre eles estão oito ministros do governo de Michel Temer (PMDB), 24 senadores e 39 deputados federais, governadores, prefeitos e outros nomes.

Seis dias depois da entrevista, o presidente Temer, na TV Band, confirmou que se o PT não tivesse votado contra o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), no processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Casa, Dilma Rousseff (PT) ainda seria a presidente da República.

“Ninguém vai ter mais aposentadoria, ninguém vai ter direito mais a fazer nada na rua porque eles querem limitar tudo. Eles querem limitar a internet. Foi isso que a classe média bunda sujaça quis e é isso que a gente vai ter que lutar contra agora”, comenta Rodrigo.

Postura progressista

Para o vocalista do Dead Fish, o momento da esquerda brasileira é o de buscar atitudes mais progressistas para marcar posição e tentar fazer parte do processo. “Eu acho que a esquerda tem que estar inserida num sistema, que está apodrecido, justamente para que ela crie um novo. Porque ficar à parte sempre a gente vai ser tratado como minoria.”

Sobre as discussões intermináveis nas redes sociais da banda, Rodrigo diz que prefere não acompanhar e nem se incomoda com fãs que demoraram para perceber que o Dead Fish é uma banda de esquerda. “Eu não posso me pautar pela burrice alheia. Eu acho importante a gente estar pontuando e perdendo fãs”, declara.

O que Rodrigo define como vida cotidiana tem servido de inspiração para o material novo do Dead Fish, que não tem dada definida para ser lançado. O vocalista descreve um pouco a visão que tem do momento: “Uma baita tragédia com um povo ainda apático. A galera das panelas quieta esperando que o massacre volte. E o massacre delas mesmas, né? Porque todo mundo vai ser atingido por isso”.

Show

Cerca de dez minutos depois da entrevista, o Dead Fish começou seu show com Autonomia, A Urgência e Tão Iguais. Caminhando para o fim da turnê de 25 anos da banda, Rodrigo comenta no palco que havia acabado de falar sobre pós-verdade momentos antes da apresentação e emenda a música Selfegofactóide.

A sequência seguinte veio com Shark Attack, Just Skate e Molotov, quando o vocalista precisou driblar no palco um garoto que insistia em tentar cantar as músicas no microfone de Rodrigo junto com a banda. Em Nous Sommes Les Paraibes, ele diz que a reação esperada de progresso deve ser para frente e não com retrocessos.

O público puxa a saudação “ei, Dead Fish, vai tomar no cu” e Rodrigo brinca: “vai devagar que eu já operei”. Aí foram tocadas Zero e Um, Queda Livre e Perfect Party. Antes de Venceremos, o vocalista declara que o punk está morto desde os anos 1970.

“Já está no ar o melhor clipe do ano”, anuncia a vez de Sausalito no show, que teve o videoclipe lançado dois dias antes da apresentação. Paz Verde conta com a participação do público, que recebe o microfone de Rodrigo no trecho “Talvez se não tivéssemos sido colonizados/e se tivessem deixado o índio em paz/Mas depois desta retórica suja, sectária e desumana/Foi você que nos ensinou/A comprar, a vender e a lucrar”.

Crítica

Rodrigo escolhe um alvo para a canção Contra Todos. “A CBF é um lixo. O futebol brasileiro é patético. Por todas as ligas independentes desse País.” Em seguida vem Asfalto e a lembrança sobre a história iniciada em 1991: “O próximo som é sobre estar na estrada há 26 anos e a vontade de sempre estar nela”.

Obrigação, Procrastinando e Diesel aparecem no show antes de Proprietários do Terceiro Mundo e Mulheres Negras, quando Rodrigo puxa uma mulher da plateia e a deixa cantar a música. Em Vitória, o pedido é para ver “todo mundo chorando” ao cantar o refrão em coro. O encerramento acontece na trinca Afasia, Bem-Vindo ao Clube e Sonho Médio. A banda se despede do público com “vamos trabalhar mais um pouco porque na hora que estiver desempregado a gente dá um rolê”.

Entrevista | Rodrigo Lima

Capixaba, Rodrigo diz que nasceu em uma realidade na qual ele poderia ter sido um “advogado bigodudo gordo rico tomando antidepressivo” | Foto: Fernanda Leonor

Rodrigo, vou aproveitar que você estava vendo o vídeo do Overfuzz. Você ainda não conhecia a banda?

Não. Não conhecia. Achei até que fosse o vocalista do Hellbenders no baixo.

É o irmão dele. O que você achou do pouco que você ouviu?

Goiânia pra caralho. Muito Goiânia.

E o que você caracteriza como muito Goiânia?

Barulhento. Sujo. Não me liguei nas ideias, assim, mas é muito uma característica local. E eu acho isso sensacional.

A última vez que a gente conversou foi no início de 2015, vocês estavam próximos do lançamento do Vitória, aqui mesmo na Diablo. Vocês já tinham soltado a música 912 Passos e tocaram poucas do último disco. Agora vocês completam 26 anos e ainda estão fazendo a turnê de 25 anos. O que a banda está trabalhando?

A gente está fechando a turnê de 25 anos e a partir do meio do ano já vem outra coisa. Cara, muitos projetos. Saiu o videoclipe, vai sair o DVD, vai sair o documentário e a gente quer uma demo para o álbum novo. Mas essa demo a gente vai fazer com muita calma. A gente quer coisas novas. A gente tem pensado em melodias diferentes e tudo o mais. Esses são os projetos. E eu gostaria de tocar no exterior esse ano ainda, mas não sei se vai rolar.

Você teve a oportunidade de ir para São Francisco (Califórnia) gravar o videoclipe de Sausalito. Qual era a ideia do videoclipe e como foi a experiência?

A ideia do clipe é uma coisa que aconteceu comigo lá, que eu passei mal depois de comer uma mariola de maconha, sacou? E eu não uso droga. E a letra é sobre isso. Surgiu a oportunidade com o Derick Borba (diretor), que tem um irmão que mora lá. Aí eu fui e gravei a ideia. Só que o clipe não mostra a ideia, deu mais a ideia do diretor, que é bem legal também.

Dentre esses materiais novos, você disse que quer produzir com calma uma demo. Tem aquela história do início dos anos 2000 daquele disco O Homem Nu que nunca saiu.

Isso foi em 2001.

Essa é uma história que vai descartada mesmo?

Para sempre. Quando eu morrer alguém lança. É porque é um álbum ruim. Malfeito.

O Homem Nu é uma música que tem boa qualidade, tanto que ela saiu no disco Faces do Terceiro Mundo.

Sim. Sim.

Mas o resto do disco…

O resto do disco é muito ruim. Muito tosco. Muito a banda brigada. Não vale a pena.

Hoje vocês estão em uma formação que trabalha junta desde 2013. O Marcão entrou em 2009 e o Rick em 2013. Vocês já têm três para quatro anos juntos com essa formação. Já está tudo resolvido? Ainda tem algum problema entre vocês?

Estamos numa estabilidade que eu acho que nunca tive dentro da banda. Principalmente musicalmente. E dentro de camarim. Não sei se você pode perceber. Todo mundo conversa. É um clima que eu não vivi durante um bom tempo na minha banda.

Você já teve fase na banda que você não tinha essa tranquilidade nem em camarim?

Não. Nem em camarim.

Nessa fase de produzir uma demo com material novo com tranquilidade, sem pressa de ter que lançar alguma coisa, como é que o momento político brasileiro te influencia?

É a vida cotidiana de todo mundo, né? Ninguém vai ter mais aposentadoria, ninguém vai ter direito mais a fazer nada na rua porque eles querem limitar tudo. Eles querem limitar a internet. Foi isso que a classe média bunda sujaça quis e é isso que a gente vai ter que lutar contra agora. É da vida de todo mundo hoje. Afeta a todos, sabe?

Essa é a visão que você tem do reflexo do impeachment.

Impeachment não. Golpe.

Como que você vê esses 11 desde a mudança de governo? Qual pode ser o reflexo das reformas que estão em discussão?

Uma baita tragédia com um povo ainda apático. A galera das panelas quieta esperando que o massacre volte. E o massacre delas mesmas, né? Porque todo mundo vai ser atingido por isso. E uma classe trabalhadora que eu acho que ainda está muito desarticulada também por conta dos outros governos. Também por conta do próprio PT que esfacelou um pouco as bases.

Ficou uma imagem no imaginário coletivo de que esquerda seria a representação do que foi o PT nesses quatro governos.

Isso é coisa de Veja. Coisa de jornalista fascista.

E agora a gente vê a possibilidade de o ex-presidente Lula ser candidato novamente. Como você vê isso?

Eu voto nele. Tem 18 anos que eu não exerço esse direito. Não exercia. Mas agora é uma necessidade republicana vota no Lula.

Seria uma resistência?

Votar no Lula em 2018 é uma necessidade republicana. Independente do que eu pense dele.

Como você enxerga a questão dos panelaços, que você citou? O panelaço nas janelas foi uma tentativa de buscar na cultura dos protestos realizados na Argentina, com panelaços na rua, mas de uma forma meio tosca?

Não. De uma forma completamente equivocada. As pessoas batiam panela na rua na Argentina. Aqui não. Aqui as pessoas viam o Jornal Nacional, ouviam a ordem do William Bonner, iam lá e faziam. É covarde, é hipócrita, é mentiroso, é fascista, é racista. É isso que eu penso dos panelaços brasileiros. É bunda mole, é bunda suja.

Ao mesmo tempo, entre as minorias representativas, a gente percebe um fortalecimento do empoderamento feminino com muitos grupos surgindo ou ganhando espaço, inclusive na música, com o selo GRL PWR.

A minha esposa, que tem uma tendência mais anarquista, ela fala que em momentos desses extremos é que a criatividade flui, é que a criatividade explode. E uma coisa que me irrita profundamente quando ela fala é que a esquerda no poder é a direita, se torna a direita. Me irrita. Eu fico meio puto com isso. Ela tem uma postura um pouco mais anarquista talvez. Mas a gente precisa entender a república também com parâmetros progressistas.

Esses movimentos de “minorias” (aspas) têm que estar no poder também. Não podem estar só reclamando nas ruas, só sendo minorias. Mas parte da república. Não que eu acredite que as repúblicas hoje tenham um molde perfeito. As repúblicas não funcionaram no mundo. A gente está percebendo isso com o que está acontecendo mundo afora. Neofascistas, neoconservadores e neoneoliberais tomando o poder porque sabem usar a máquina melhor.

Ao contrário da minha querida esposa que acha que a esquerda sempre tem que estar na oposição, eu acho que a esquerda tem que estar inserida num sistema, que está apodrecido, justamente para que ela crie um novo. Porque ficar à parte sempre a gente vai ser tratado como minoria.

A última vez que a gente conversou você disse que não tinha esperança nenhuma de melhora no mundo, que se via muito pessimista com o que você acompanhava. A situação agora tem piorado, mas você tem alguma esperança de que a gente possa ter alguma alternativa?

Eu não espero nada, cara. Eu espero que a gente viva todo dia de forma intensa e de acordo com as nossas ideias. Se vai ter um resultado ou não, não é relevante agora. É lutar. É pontuar. É ter uma postura. É ter atitude. Se essa postura vai nos levar a alguma coisa boa, alguma coisa ruim, não sabemos, mas temos que ter uma postura e temos que acreditar que nossas posições são progressistas, são para nos tornarmos melhores. Não para nos tornarmos essa política de curral que a gente tem há 517 anos no Brasil. A gente não pode negar isso.

O disco Vitória começa com a música Selfegofactóide. A gente vive esse momento de pós-verdade com pessoas se munem de informações que muitas vezes são falsas, mas que satisfazem grande parcela da sociedade por alimentar emocionalmente aquilo que eles já pensam sobre determinado assunto. Nesse processo, há uma negação da verdade. Como é para você viver em uma sociedade que prefere ignorar a verdade dos fatos por considerar que são realidades muito pesadas para a vida das pessoas?

É trágico, né? É de uma expectativa de futuro muito nebuloso, de muito extremo e de muita violência. De muita pós-verdade, muito rivotril, muito calmante, muito Red Bull, essas coisas. É um estado de torpor que parece realidade. Aí a gente teria que entrar nas novas mídias, na realidade virtual e nessa coisa. Eu acho que o Noam Chomsky é muito atual para explicar tudo isso. Eu não sou um otimista, nunca fui. Mas o que eu acabei de falar para uma pessoa agora é que a América do Sul e o Brasil em especial, lá na frente, vão ter uma história diferente de tudo que está acontecendo aí.

Eu li muitas coisas do Umberto Eco antes de ele morrer. Ele era um grande crítico da internet. Ele era um grande crítico da pós-verdade. E ele falava que alguns mundos acabaram. O mundo está em uma super depressão. É uma depressão raivosa. As repúblicas deram errado, os sistemas financeiros não funcionam para todos e tal, e todo mundo sabe disso.

O Noam Chomsky fala muito que o capital especulativo teria acabado com a produção.

Exatamente. Existe uma visão nebulosa de curto e médio prazo de uma grande destruição, de uma grande ruptura. Eu mesmo acabei de falar aqui que eu tenho muitos ex-amigos. Eu venho da classe média, de média para alta, capixaba, que é bunda sujaça, que é gente muito mentirosa, fascista e colonizada. Eu vivi no meio deles ali. Às vezes eu até me assusto, porque eu sou tão diverso.

A principal imagem política que a gente tem atualmente do Espírito Santo no Congresso, principalmente pelo destaque no processo de destituição da ex-presidente Dilma Rousseff, é a do senador Magno Malta (PR), que é um pastor e que conquistou muita gente com um discurso de jogar para a plateia.

Mas isso ele aprendeu com a religião, com um pentecostalismo que soube usar e sabe usar a mídia de massa para faturar. Só que isso é pequeno. Isso dura uns 40 anos. Essa mentira rui muito rápido. No Brasil talvez rua um pouco menos porque a gente está menos disposto a bater de frente com o tio, com o irmão, com o amigo de colégio. Nós somos um pouco diferentes do resto da América do Sul porque a gente ainda tem essa coisa. Mas é o que eu te falei. O momento é de definitivamente marcar posição.

Mudando um pouco de assunto para a gente não ficar aqui a noite inteira falando de política…

E esse não é um assunto fácil. Eu não sei dar resposta fácil.

E a gente pode conversar muito tempo sobre ele. Um dia antes dessa entrevista, o João Gordo disse que não vê esperança no rock e que o rock morreu. Você está há 26 anos vivendo disso e vê que espaço na indústria fonográfica brasileira o rock não tem de fato.

Eu concordo com o Gordo. Eu concordo bastante. Mas eu concordo também que quantas vezes o blues, o jazz e essas coisas já foram e voltaram, submergiram e emergiram. Talvez o rock tenha morrido como fenômeno das massas. Ou talvez ele tenha se transmutado.

O rock não representa a juventude mais?

Não. Representa nicho.

O rock nos anos 1980 pegou o início da reabertura.

Eu tenho um amigo comunista que falou uma coisa muito curiosa. Ele é um comunista de raiz. Ele falou que o rock nunca foi um movimento das massas no Brasil. Sempre foi um movimento de uma elite e de classe média. De Renato Russo a Lobão, de Blitz a RPM. O rock não representou as classes trabalhadoras, sempre representou uma atitude de classe média que foi passada para as massas.

Ela não foi criada como nos negros da América do Sul, como na revolução dos anos 1960 dos moleques na América. O rock sempre foi uma coisa de cima para baixo. É um grande momento agora de o rock entrar num nicho de base e, como em Goiânia, expandir, entendeu?

Você viveu o que a gente pode chamar de terceira ou quarta fase do rock no mercado que foi…

A última fase.

Se a gente considerar a Jovem Guarda, depois os anos 1980, o rock dos anos 1990 com Raimundos, Charlie Brown Jr, Planet Hemp e todo o pop rock, e depois a ascensão do hardcore melódico ao meio comercial. O que aconteceu ali que de repente a coisa se esvaziou?

Isso foi muito pontual, né? Isso foi muito pontual. Quando você fala do hardcore melódico você fala do CPM 22 e o emo?

Foi no mesmo período que o COM 22 surgiu no meio comercial com o Rick Bonadio.

O Rick Bonadio trabalhou fora dessa coisa de história. Ele não trabalhou dentro de um contexto histórico.

Houve um movimento dos festivais de hardcore nas cidades paulistas, com uma grande parcela dos jovens ouvindo hardcore.

Isso aconteceu no mundo. Não foi só no Brasil. Isso é uma coisa do mundo. Aconteceu muito no mundo e foi muito pontual. Foi muito mais fugaz do que qualquer outra coisa. Mais do que uma Jovem Guarda por exemplo. Eu ainda não consigo explicar muito isso porque eu sempre me senti envolvido com o punk e com o hardcore, que para mim é uma coisa mais atemporal.

O que te inspira produtivamente hoje?

Eu a minha vida inteira ouvi e li pessoas que tinham uma postura de pontuar para que a gente consiga fugir dessa normalidade que querem tornar esse golpe ou que querem tornar a vida cotidiana. Aquilo que eu te falei. Eu venho de uma classe média média, eu podia ser um advogado bigodudo gordo rico tomando antidepressivo. E eu não sou. Mas o que me fez ser assim foi ter começado com 12 anos no skate.

Foi eu ter conhecido gente de todas as classes no final dos anos 1980 vivendo toda aquela violência de fim de ditadura, de começo de Constituição. É praticamente meu modus operandi desde a minha adolescência. É assim que eu acho que eu tenho que viver, sabe? Dando uma informação, dando um aspecto, um ponto de vista que é diverso de tudo isso que eu vejo aí, de tudo isso que eu vivi na minha classe social.

Rodrigo durante show em Goiânia no Diablo Pub | Foto: Fernanda Leonor

Você se vê ideologicamente diferente de quando o Dead Fish começou em 1991 para hoje com 44 anos?

Muito. Bastante muito.

E o que mudou?

Eu cheguei a ser nacionalista. Eu lembro que meu pai, que foi um comunista nos anos 1960 no Rio, que se tornou um cara da direita. Eu passei daquele garoto inocente que usava fitinha. Você lembra disso, quando o (Lincoln) Ueda ganhou o campeonato mundial (de skate) em Munster (Alemanha), que tinha uma fitinha da bandeira do Brasil? Eu tinha muito orgulho daqueles moleques do terceiro mundo e daquela bandeirinha lá com 12 anos. Eu me sentia muito orgulhoso de falar “é o Brasil”.

Eu acho que hoje penso muito mais globalmente. Eu acho que hoje penso muito mais o mundo progressista, não o País como progressista, entendeu? Eu saí de um nacionalismo, entrei num anarquismo na verdade estético, que é o skate, que não entende tanto de anarquia, mas que é anarquista. E entrei numa coisa ideológica do punk, do hardcore, mas já com uma postura mais de fazer campanha para o Lula em 1989 com 17 anos, de brigar com os meus amigos. E depois um niilismo do Afasia, uma coisa nada funciona, mas eu vou continuar aqui. Depois situacionismo, anarco-comunismo, eu fui crescendo e ficando mais velho.

E hoje eu acho que a gente tem que ter uma postura de progressista, apesar de a gente ter muitas diferenças dentro da esquerda e do progressismo, a gente tem que estar nesse momento tendo pontos em comum, dialogando mais do que brigando.

https://www.facebook.com/deadfishoficial/photos/a.165940263465669.40803.157220537670975/870603856332636/?type=3&theater

Você costuma acompanhar muito as redes sociais da banda? Facebook e Instagram?

Nada.

Alguém já te passou alguma informação de como estão as discussões e comentários nas postagens desde que vocês se posicionaram como uma banda de esquerda ou quando foram contra do processo que culminou na destituição da Dilma do cargo de presidente? São discussões intermináveis sobre o Dead Fish ser ou não comunista de butique.

Eu não posso me pautar pela burrice alheia. Eu acho importante a gente estar pontuando e perdendo fãs.

Seria um fã que ouviu a banda durante muito tempo, mas que nunca prestou atenção nas letras?

Tem um amigo meu que não gosta da minha banda, que é um grande amigo inclusive, que ele fala assim: “Vocês são uma puta banda com os piores fãs”. Eu até concordo em partes. Mas tem muita gente ali nas sutilezas, nas entrelinhas, que está ouvindo, que está prestando atenção. E é o momento de a gente se posicionar.

Antigamente a gente vivia um governo que supostamente era de esquerda, que eu não concordava que fosse a esquerda, que a gente tinha que ver coisas que a gente também não acreditava. E a gente brigava com essas pessoas. Hoje não. Hoje eu não vou fazer uma crítica a uma pessoa que eu até não concordava em um passado recente justamente pelo momento atual.

Como homem de frente de uma das bandas de hardcore que resistiu há mais de duas décadas e meia, atrai muito menino que vem ver o show e tenta se espelhar em você ou no que você passa pelas letras. E essa parte do público fica curiosa em saber o que você lê ou está ouvindo. O que você tem ouvido e conhece de banda goiana e que indicaria?

Os Hellbenders eu ouço sempre, quase diariamente. Eu gosto dos meninos do melódico, ali do hardcore e do punk, que são os Lattere, o Atomic Winter que ela está até usando a camisa e essa galera. Eu conheço uma galera das antigas. Conheci uma molecada que hoje deve ter os seus 30 anos ou está chegando nos 30 e eu entendo bem da história do que está rolando.

Eu não me vejo, como é que as pessoas falam, como um influenciador. Até porque eu tenho um pouco de horror a essa coisa de ser um modelo. Elas vêm porque eu falo, vêm porque quando me perguntam eu digo.

Para encerrar, a pergunta mais boba de todas: o que é para você tocar em Goiânia?

É tradicional. É eterno. Somos eternos aqui nessa cidade. Venho aqui desde o final dos anos 1990.