Filme "De Volta para o Futuro" | Reprodução
Filme “De Volta para o Futuro” | Reprodução


Adalberto de Queiroz
Especial para o Jornal Opção

Um dia, quando todos tivermos voltado ao pó, alguém há de contar a história desta primeira quinzena do século XXI. Em um arquivo digital qualquer encontrarás, jovem do futuro, o nome de um poeta. Sim, aqueles degredados da República de Platão, ainda sobrevivíamos; e só o fazíamos por teimosia, na primeira parte do século. E com que dificuldade sobreviviam os bardos… espécie em extinção.

Abaixo do Equador, contar-te-á o palimpsesto digital, sim, havia poetas e, no Brasil Central, havia-os às dezenas, centenas por metro quadrado. Nem por isso, o mundo era mais humano – como sonhavam as vãs utopias. Talvez, jovem do futuro, vivas numa distopia, sujeito às leituras dirigidas dos comandantes da tua época. Não sei. Talvez, não sejas capaz de dar um passo sem que te sigam, via de controles plantados em teu corpo ou em tua mente como os cães começavam a viver em nosso tempo.

Um dia talvez alguém consiga lembrar-se de cor de um poema antigo e te dizer – pois que os poemas não têm mais lugar no mundo extraordinariamente maravilhoso do maravilhoso futuro que te veste…

“CHEIO DE VIDA agora, compacto, visível,/Eu, 40 anos de idade quando a América completa 83!/A Ti, de um século adiante ou de muitos séculos depois de agora/A Ti, não nascido agora, Procuro-Te!”

Queria poder ter assinado essa mensagem em uma garrafa cibernética para Ti, jovem do futuro incerto, não a tendo escrito, eu a reescrevo, tirado à pena do poeta norte-americano Walt Whitman.

É que talvez o planeta, cansado, tenha se esvaído. É que sem forças, meus ossos não serão o do “Santo de Lumbres” que intactos se mostram a nós neste século XXI, pois que a terra não comeu o corpo do confessor humilde como não come a alma dos que se rendem ao Sagrado…

Eis-me, pois, jovem do futuro incerto, vendo-nos hoje em uma situação de degradação moral, numa civilização que já foi considerada como aposta – “país do futuro” – tendo decaído sem subir aos píncaros da glória civilizacional. Eis-me em meio a maior savana do planeta vendo-a ser destruída pelo fogo irresponsável de 500 anos atrás… Ainda existem árvores por aí, mancebo?

Enxergo desde a janela um céu azul de agosto, vejo o vento brincar com a folhada das árvores – dois enormes tumburis, com suas orelhas-de-macaco caindo para garantir sobrevivência. É quando tento ver o teu rosto: humano, cheio de esperança e de vigor.

Toma posse de tua alma, jovem, viva a poesia e saiba que um bando de sonhadores num país nomeado à sombra de uma árvore (o pau-Brasil) lutou para que não se dissipasse o desejo e o pecado dos filhos de Eva não deteriorasse a única e a mais sublime das ideias sublimes – o Saber só tem sentido se pensado sob a certeza da imortalidade da alma. A alma dos poetas vibra com o saber do velho russo de tantos e tão sofridos romances: “Nenhum homem nem nenhuma nação podem existir sem uma ideia sublime. E no mundo existe uma única ideia sublime – nomeadamente, a ideia da imortalidade da alma do homem –, pois todas as outras ideias ‘sublimes’ de vida, que dão vida ao homem, são meras derivações desta única ideia.” (F. Dostoiévski). A Ti, futuro, procuro-Te, incessantemente.

Adalberto de Queiroz é poeta-empresário, autor de “Cadernos de Sizenando” – poemas e crônicas.