Livro do escritor Elson de Souza resgata a vida de uma menina pobre e da mulher infeliz no casamento que conseguiu superar todas as dificuldades graças à educação

Mariza Santana

Desde que vi o livro “A Menina de Araxá”, tive vontade de seguir por suas páginas. Talvez porque o título se referia a uma garota da terra da famosa cortesã do século 19 Dona Beja (natural de Formiga-MG, mas deve sua fama a Araxá). Finalmente, não resisti a essa vontade, e a obra do escritor goiano Elson de Souza Ribeiro foi devorada (sou como traça) em poucos dias, por causa da fluidez da narrativa.

A protagonista é Eugênia, menina pobre, de uma família composta por 11 irmãos, filha de uma mulher guerreira (Dona Valeriana); e de Martins, mais preocupado com a ilusão da riqueza fácil do garimpo e com as caçadas com os amigos, do que em prover a família. Teve uma infância de dificuldades financeiras, apanhava muito da mãe que adotou uma educação rígida. Sonhava em ser livre da opressão materna e contava suas mágoas a um pé de mangueira.

Quando já estava mocinha, a família se muda para Goiânia, uma jovem capital cheia de oportunidades, afinal era fim da década de 1950. A nova cidade, princesinha do Cerrado, dava seus primeiros passos no cenário nacional. Nesse ponto a narrativa fica deliciosa, porque cita locais conhecidos da capital goiana e relata fatos recentes da história brasileira, como os tempos de chumbo da ditatura militar.

A nossa heroína Eugênia e sua família vão morar no setor Bueno, perto do Colégio Bandeirante. Na escola, ela conhece um garoto bonito, “que vestia uma blusa de couro e um topete estilo Elvis Presley”. Era Silvano, com quem depois de um rápido namoro, se casou. Mas o casamento não foi exatamente aquilo idealizado em seus sonhos românticos. E o príncipe literalmente virou um sapo, tornando o relacionamento uma união infeliz, a despeito dos três filhos.

Elson de Souza Ribeiro: escritor | Foto: Facebook

Eugênia, que deixou os estudos para se casar e era proibida pelo marido de trabalhar fora, enfrentou todas as dificuldades com coragem e temperança. E só muito mais tarde, depois de os filhos crescidos, conseguiu realizar o sonho de se formar, à custa de muito sacrifício. Tornou-se professora concursada em Goianira, para onde Silvano transferiu toda a família à revelia dela, para esconder um caso extraconjugal.

Enfim, na idade madura, Eugênia finalmente conseguiu fazer sua carreira profissional deslanchar, e ainda encontrou tempo de se dedicar ao trabalho de apoio às pessoas mais carentes de Goianira. Recheado de fotos de família, o livro é uma delícia de se ler, com diálogos curtos e a descrição de uma Goiânia em suas primeiras décadas. Conta ainda a história da construção da rodovia Transamazônica, já que Silvano e o irmão foram trabalhar na obra governamental.

A história de Eugênia, essa menina mineira pobre de Araxá que adotou Goiás como seu novo Estado, é a história de tantas outras mulheres de sua geração. Mulheres que não tiveram muitas escolhas, a não ser um casamento infeliz. Elas enfrentaram também a opressão do marido, que era o senhor absoluto da casa, e que não aceitava nenhuma contestação. Essas Eugênias seguiram  silenciosas pela vida, cuidando dos filhos e sufocando seus sonhos e expectativas.

Penso que, atualmente, o grande número de casos de feminicídio reflete a incapacidade que os homens ainda têm de aceitar essa nova mulher, que tem vontade própria e não quer mais sufocar seus sonhos em um relacionamento opressivo. Que o exemplo da resiliência de Eugênia (que é uma pessoa real; o livro traz fotos dela e dos familiares, personagens do romance) sirva para todas nós.

Mas vamos falar um pouco do autor. Elson de Souza Ribeiro nasceu em Jataí, em 1964, e mora em Goiânia. É historiador pela PUC Goiás, pós-graduado em História de Goiás pela UFG e professor na rede estadual de Educação. O livro “A Menina de Araxá” é seu primeiro romance.

Mariza Santana é crítica literária do Jornal Opção. E-mail: [email protected]