A ditadura de mais de 20 anos de Bashar al-Assad na Síria pode estar próxima do fim. Na madrugada deste domingo, 8, forças rebeldes ocuparam a capital Damasco e afirmam que o ditador fugiu para destino desconhecido. Agências internacionais como a Reuters ouviram oficiais do exército e o então primeiro-ministro, Mohammad Ghazi al-Jalali, que confirmaram a informação. 

De acordo com relatos dos rebeldes, a entrada na capital da Síria aconteceu sem muita resistência. Milhares de pessoas, a pé e em carros, ocuparam a praça principal de Damasco aos gritos de “Liberdade”. 

À imprensa internacional, al-Jalali disse que ficou em sua casa disposto a dar suporte para a continuidade do governo, apesar da ausência do líder histórico. Apesar das declarações do então primeiro-ministro, o líder rebelde Ahmed al-Sharaa afirma que al-Jalali só supervisionará as instituições públicas até que o poder seja oficialmente entregue a um novo governo. 

Al-Sharaa proibiu a aproximação dos prédios públicos no meio tempo. Membros do movimento rebelde declaram em pronunciamento na televisão a queda de Assad e a libertação de presos políticos aprisionados durante a ditadura. 

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Homs, outra região de destaque no país, foi tomada pelos rebeldes em 24 horas, fragilizando ainda mais o controle de Assad sobre o país, que é governado por sua família há mais de 50 anos. 

Habi al-Bahra, líder da oposição síria que vive na Turquia, informou à Al Jazeera que representantes dos rebeldes que tomam o controle do país irão dialogar com países árabes, europeus e com a Onu, a fim de estabelecer parâmetros para um novo regime. A Casa Branca monitora a situação “de perto”, segundo o The New York Times. Trump já expressou desejo de não se envolver no conflito.

Rebeldes marcham de todas as direções do país destruindo ícones de Assad l Foto: EPA/Via BBC.

Histórico

A família Assad tomou o poder na Síria em 1971, através de um golpe de estado com Hafez a-Assad, pai de Bashar. Hafez governou por três décadas, até sua morte, momento quando seu filho assumiu o controle do país, que governou por quase 24 anos.

Bashar não era o herdeiro natural do comando sírio, e por isso os anos iniciais de sua vida foram dedicados à medicina. Se formou médico, se especializou em oftalmologia e cursou pós-graduação em Londres. Bashar só veio a se tornar o número um na linha de sucessão após a morte de seu irmão mais velho, em 1994.  A família Assad é alauita, um ramo minoritário entre os xiitas na Síria.  

Em junho de 2000, após referendo popular, no qual recebeu mais de 97% de aprovação, Bashar foi declarado presidente pelo parlamento, aos 34 anos. Em 2007, veio a renovação de seu governo por mais sete anos, com referendo no qual teve 97,62% dos votos. Em 2014, outra renovação. Durante este referendo, entretanto, a Síria já estava em guerra civil e a votação foi realizada em áreas controladas pelo governo. 

A motivação dos rebeldes 

A capital síria, Damasco, tornou-se o epicentro de uma série de acontecimentos que podem selar o destino do regime de Bashar al-Assad.

Relatos de moradores, publicados pela imprensa internacional, apontam para a presença de forças rebeldes nos arredores da cidade, com registros de intensos tiroteios em algumas áreas. Enquanto isso, o governo sírio acusa os insurgentes de disseminarem informações falsas com o objetivo de semear pânico entre a população e aumentar a instabilidade.

Neste sábado, 7, o ministro do Interior afirmou que Damasco estaria protegida por um “cordão militar”, embora ainda não houvesse informações claras sobre o paradeiro de Assad. Durante a semana, veículos de imprensa dos Estados Unidos divulgaram que Egito e Jordânia teriam sugerido que o presidente sírio deixasse o país para evitar um desfecho mais trágico.

A ofensiva rebelde, que começou há 10 dias a partir do Norte, foi liderada pelo grupo extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), também conhecido como Organização para a Libertação do Levante. Em sua trajetória, o HTS conquistou as estratégicas cidades de Aleppo e Homs e avançou em direção ao sul, com o objetivo de cercar a capital. Paralelamente, outras frentes opositoras partiram do Sul e do Leste em uma estratégia coordenada para isolar Damasco. O HTS nasceu como uma filial da Al Qaeda, grupo responsável pelos atentados do 11 de Setembro, nos Estados Unidos.

A guerra na Síria 

Depois de anos de relativa quietude, a guerra civil na Síria, iniciada em 2011, dá sinais de um novo capítulo. O regime de Bashar al-Assad, que sobreviveu graças ao apoio militar da Rússia, do Irã e do Hezbollah, agora enfrenta um cenário adverso, com seus principais aliados em posições enfraquecidas.

A guerra, que deixou cerca de 500 mil mortos e deslocou milhões de sírios, parecia estar em um estado de estagnação nos últimos quatro anos. No entanto, as condições geopolíticas mudaram drasticamente. A Rússia está profundamente envolvida no conflito com a Ucrânia, enquanto o Irã encara um confronto crescente com Israel. O Hezbollah, peça-chave no apoio ao regime sírio, perdeu figuras de liderança este ano em ataques israelenses, comprometendo sua capacidade operacional.

Essa nova dinâmica geopolítica tem levado tanto Teerã quanto Moscou a reconsiderarem sua postura na Síria. Analistas avaliam que o desgaste enfrentado por esses países torna inviável um envolvimento militar mais intenso no conflito sírio. Para o governo ucraniano, a escalada na Síria reflete a limitação da Rússia em dividir forças entre duas frentes de batalha.

Informações recentes apontam para uma retirada gradual de tropas iranianas e do Hezbollah do território sírio, sinalizando um possível enfraquecimento do suporte militar ao regime de Assad. O ditador sírio, que há anos depende desses aliados para manter o controle, pode agora enfrentar um momento de vulnerabilidade sem precedentes.