O governo dos Estados Unidos optou na quinta-feira, 19, por relaxar as sanções anteriormente impostas ao setor de petróleo e gás da Venezuela, como resposta a um acordo eleitoral estabelecido para 2024 entre o governo venezuelano e a oposição do país.

Este acordo facilitará a participação de membros da oposição nas eleições do próximo ano, desafiando assim a liderança do presidente Nicolás Maduro.

As modificações incluem a emissão de uma licença geral com validade de seis meses para o setor de petróleo e gás na Venezuela, juntamente com outra licença geral que autoriza negociações com a Minerven, a estatal de mineração de ouro da Venezuela.

Adicionalmente, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos liberou a negociação secundária de determinados títulos soberanos venezuelanos, anteriormente proibida, bem como a negociação de títulos e ações da empresa petrolífera estatal PDVSA. Contudo, é importante observar que a proibição de negociação no mercado primário de títulos venezuelanos permanece em vigor.

No entanto, os EUA destacaram a disposição de ajustar ou revogar essas autorizações a qualquer momento, caso os representantes do presidente Nicolás Maduro não cumpram suas obrigações conforme estipulado no acordo com a oposição.

O cenário pode provocar não só mudanças na política venezuelana, como também no mundo. Um exemplo disso, conforme analisa o historiador e professor de geopolítica Norberto Salomão, é o preço do petróleo ofertado no mundo.

“A guerra em Gaza entre Israel e Hamas e a possibilidade de ganhar uma proporção maior, que envolva todos os países do Oriente Médio, como Irã e Síria, pode levar a uma crise do petróleo ainda maior. Se a suspensão do embargo se efetivar de fato, vai haver mais oferta de petróleo no mercado. Isso é muito importante para manter a estabilidade do preço do petróleo no mercado internacional. Desde a guerra na Ucrânia já se iniciou uma crise de fontes energéticas. Isso já abriu espaço para uma maior aproximação, de modo a que os EUA pudessem já pensar em flexibilizar os bloqueios”, analisou.

Impactos no Brasil
Com uma estabilidade maior no preço do petróleo, até uma possível queda, os impactos também podem ser positivos na política brasileira. Segundo Norberto Salomão, isso pode ser um trunfo para a economia do País. “A estabilidade do preço do petróleo no mercado internacional pode permitir que o governo Lula reestabeleça um pouco mais a economia, não tenha sobressaltos econômicos e não haja necessidade de uma nova alta nos juros do Banco Central (BC). A questão energética fala muito alto”, explicou.

No entanto, o especialista ressalta que esse cenário não reflete diretamente uma queda nos preços dos combustíveis na bomba, ou seja, ofertados ao consumidor. “Pode garantir os preços que temos no momento, com uma ou outra oscilação, para mais ou menos, que não seja tão brusca. Então, não dá para falar que o preço da gasolina no Brasil vai baixar”, alertou.

Política americana e venezuelana
Salomão ainda analisou impactos na política dos EUA, uma vez que o atual presidente, Joe Biden, já se encontra em campanha para se reeleger. “Joe Biden pode vir com um trunfo na manga, dizendo que ele viabilizou – ao flexibilizar os embargos à Venezuela e permitir o acesso de mais commodities ao mercado internacional – a redemocratização da Venezuela. É uma carta na manga”, projetou.

Para a Venezuela, o especialista em geopolítica analisou dois cenários diferentes: um positivo para o próprio país, e outro em que os interesses de Nicolás Maduro podem falar mais alto.

“A Venezuela é um importante produtor de petróleo no mundo. Para ter uma ideia, ela faz parte Opep, a Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo. A chance é muito grande [da Venezuela seguir o acordo], até porque a Venezuela passa por um processo de crise econômica e humanitária já há muito tempo. A Venezuela também pleiteia um lugarzinho ao sol no Mercosul, talvez até no Brics, com o apoio da Rússia e também da China. Então, a Venezuela teria muito a ganhar com esse processo”, explicou.

Por outro lado, Norberto Salomão ressalta que há uma possibilidade significativa do atual presidente, Nicolás Maduro, perder as eleições, o que colocaria em risco o governo seguir o acordo. “É muito provável que, se Maduro abrir para eleições realmente francas, há uma chance grande de ele perder. A incógnita é: será que ele realmente quer correr esse risco?”, analisou.

Eleições na Venezuela
O acordo eleitoral estabelece que as eleições presidenciais na Venezuela serão no segundo semestre de 2024, com a permissão para a presença de observadores internacionais para supervisionar o processo eleitoral.

Ambas as partes possuem a liberdade de selecionar seus candidatos de acordo com suas normas internas, embora o acordo não tenha revogado as restrições aplicadas a algumas figuras da oposição. Maria Corina Machado, líder das primárias, permanece impedida de assumir cargos públicos devido ao seu apoio às sanções dos EUA contra o governo de Nicolás Maduro.

A oposição argumenta que essa proibição é ilegal, enquanto o governo dos EUA comunicou a Maduro que as restrições devem ser suspensas para todos os candidatos presidenciais da oposição até o final de novembro, em troca do relaxamento das sanções.

Machado, mãe de três filhos e engenheira industrial, é filha de um conhecido empresário que trabalhou para a gigante do aço Sivensa, nacionalizada em 2010 pelo falecido presidente Hugo Chávez. Ela manifestou a intenção de privatizar a empresa estatal de petróleo PDVSA, bem como a empresa siderúrgica Sidor, caso vença as eleições no próximo ano.

Além disso, propõe reestruturar a dívida pública e buscar financiamento junto ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional. “Ela antes apoiava Juan Guaidó, que tem até um mandado de prisão contra ele. Em 2019, ele foi considerado o presidente interino da Venezuela em um governo paralelo ao do Nicolás Maduro, reconhecido pelo Donald Trump, pelo Macri na Argentina. Mas, depois, com a queda do Trump, com a queda do Bolsonaro, do Macri na Argentina, o Guaidó foi perdendo força e a própria oposição o destituiu em dezembro de 2022”, relembrou.

“Há um problema: Maria Corina recentemente foi acusada de gastar recursos que ela recebeu do governo, só que ela nega. Então, pode ser uma tramoia do governo Maduro, porque ela está em primeiro lugar como opositora. Por esses motivos, ela foi cassada e está inelegível por 15 anos, mas os Estados Unidos não querem restrição a candidatos de oposição. Cinco presos políticos, entre eles um ex-deputado, foram soltos; já é um avanço, mas têm ainda cerca de 200 presos políticos. Vamos ver como é que esse acordo vai se encaminhando”, concluiu.

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