Presidente da Abrema classifica lei de Goiás que amplia prazo para extinção de lixões como “flagrantemente inconstitucional”
15 novembro 2024 às 12h40
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A Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) entrou com ação direta de inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando lei estadual que garante ampliação do prazo para os municípios goianos acabarem com lixões. Para a associação, as medidas compreensíveis com os infratores ambientais ”implicará na continuidade do funcionamento de lixões e na dificuldade de implementação de novos aterros sanitários”.
Em entrevista ao Jornal Opção, o presidente da Abrema, Pedro Maranhão, coloca a lei do governo estadual como “uma tentativa de legalizar o descumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos e do Novo Marco Legal do Saneamento”, que havia estabelecido a data de 02 de agosto deste ano como último dia para erradicação de todos os lixões do país.
Apesar da legislação estadual colocar como responsabilidade das Microrregiões de Saneamento Básico (MSBs) a gestão e manejo de resíduos sólidos, garantindo a correta destinação final em termos ambientais, ela também amplia em mais um ano o prazo para que os municípios dessas áreas “ implementem medidas alternativas aos lixões atualmente usados, de forma ilegal”.
Maranhão é categórico ao afirmar que “trata-se de uma lei flagrantemente inconstitucional, pois nenhuma regulação estadual pode ser mais branda que uma legislação federal”. Vale lembrar que, além do veto do governador (derrubado pelos parlamentares), houve apontamento da Procuradoria-Geral do Estado contra a extensão do prazo. Apesar da urgência da pauta, não há previsão para apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF.
O documento protocolado pela Abrema destaca que “no entendimento da PGE, a proposta adentra competência da União e desconsidera o princípio da separação e da harmonia entre os Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal”. Além disso, “o artigo 4º da proposta ocasionaria renúncia de receita, pois isentaria os municípios que adotassem as medidas nele previstas do pagamento das multas constantes do artigo 19 do Decreto 10.367, de 19 de dezembro de 2023. Assim, teria que haver a estimativa do impacto orçamentário-financeiro”, o que não houve.
A ADI protocolada junto ao STF tem como objetivo mostrar que a “iniciativa da ALEGO gera impactos ambientais e poluidores imediatos, multiplicadores e potencialmente irreversíveis, o que justifica uma reação urgente”. O presidente da Abrema destaca ainda que nenhum outro estado no Brasil adotou medida semelhante, o que reforça a importância da Suprema Corte coibir a legislação goiana, evitando práticas semelhantes no restante do país. “O efeito deve causar um retrocesso de 20 a 30 anos no esforço nacional de encerramento de lixões”, afirmam no documento protocolado junto ao STF.
“Desde 2 de agosto de 2024, órgãos de controle como os Ministérios Público federal e local, Tribunais de Contas e agentes de fiscalização ambiental têm tomado as medidas necessárias para forçar as prefeituras que ainda não cumpriram a lei a interromperem o crime ambiental continuado que é o despejo dos resíduos em lixões”, resumiu Maranhão.
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Entenda o caso
A lei proposta pelo deputado Wagner Camargo Neto (SD) estendeu o prazo para extinção de lixões em cidades com até 50 mil habitantes de agosto de 2024 para 30 de junho de 2025. Outras cidades têm o 31 de dezembro de 2025 como limite para a adequação à lei federal de 2010.
De acordo com a lei federal 12.305/2010, o prazo para encerrar as atividades dos lixões em Goiás havia expirado em dois de agosto, após prorrogações anteriores para 2014 e, posteriormente, para 2021.
O governador Ronaldo Caiado (UB) vetou a legislação, argumentando que ela contradiz a norma federal, entretanto, o veto foi rejeitado pelos deputados em uma votação secreta realizada no dia quatro de setembro, com 23 votos favoráveis à derrubada do veto e 4 votos contrários.
Importante destacar que em março deste ano, a Alego aprovou, por unanimidade, um projeto de lei que concede perdão de multas ambientais a municípios que não regularizaram a situação de lixões. A decisão foi tomada com 33 votos favoráveis. Existem cidades que têm prazos expirados há mais de uma década para atender às leis federais que exigem a instalação de aterros sanitários. O perdão de até 100% das multas será concedido exclusivamente aos prefeitos que aderirem ao programa estadual “Lixão Zero”.
A proposta, de autoria do líder do governo na Alego, deputado Talles Barreto (UB), justifica o perdão ao afirmar que as multas, embora necessárias para a preservação ambiental, têm imposto um ônus financeiro considerável aos municípios.
À época da isenção das multas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que Goiás possuía pelo menos 186 lixões em operação, que ainda serviam como destino inadequado e irregular para resíduos sólidos nos municípios. De acordo com o Marco Legal do Saneamento Básico, esses lixões deveriam ter sido desativados e substituídos por aterros sanitários regulamentares até agosto deste ano.
Dano ambiental
A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu, em 2010, como meta inicial para o fechamento dos lixões o ano de 2014. Este prazo não foi cumprido e o Legislativo definiu no Novo Marco Legal de Saneamento, em 2020, uma nova meta para fechamento de lixões entre os anos de 2021 e 2024. Entretanto, novamente, o Brasil não atende às expectativas e ainda possui cerca de 3 mil lixões ativos, enquanto os aterros legalizados somam 687. Para atender a demanda atual e eliminar de vez os lixões, ainda é necessário construir 448 aterros sanitários regionais. Dessa forma, ao prorrogar o encerramento dos lixões, impede-se que os aterros sanitários legalizados, que são dotados de tecnologia de ponta e capazes de proteger o meio ambiente, sejam instalados e garantam que os municípios brasileiros realizem a destinação ambientalmente adequada.
“É preciso ressaltar que a manutenção dos lixões retrata a perpetuação de uma realidade verdadeiramente criminosa em face do meio ambiente”, destacam na ADI. Na sequência, a representação legal da Abrema coloca que “fica evidente que a gestão inadequada de resíduos representa uma ameaça direta a diversos eixos sociais, como, meio ambiente, biodiversidade e saúde humana, afetando a sociedade em sua completude”.