Gerar crédito de carbono é lucrativo, mas para o Centro-Oeste o custo ainda é alto

02 outubro 2022 às 00h00

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Por décadas, a ciência vem alertando sobre os perigos de emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). A previsão, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), é de que o aumento do aquecimento do planeta chegue em torno de 1,5°C ou 2°C, nas próximas décadas. Para evitar essa catástrofe, se recomenda a redução rápida de lançamentos de poluentes na atmosfera. A meta é zerar, neutralizando, por exemplo, o dióxido de carbono ou gás carbônico (CO²) nos próximos anos, mas efetivamente, entre 2030 e 2050. Além do CO², com estimativa de perdurar na atmosfera por até mil anos, há o metano e o óxido nitroso como vilões nocivos ao ambiente. Respectivamente, os dois se mantêm por cerca de uma década e por aproximadamente 120 anos.
Nesse cenário, a impressão é que apenas as grandes companhias e indústrias são responsáveis pela emissão do CO². No entanto, cada indivíduo, cada família e cada criador de gados possuem parcelas de culpa ou, no jargão, deixam “pegadas de carbono” (que significa o volume total de GEE gerado pelas atividades econômicas e cotidianas do ser humano). Para se ter ideia, uma família de quatro membros, com gastos de energia em média de R$ 350 e o uso de dois veículos, deixa uma “pegada de carbono’ de três toneladas por ano. Como compensação ambiental, essa família precisaria plantar e cuidar de 17 a 20 árvores, que durante o crescimento realiza o sequestro de gases nocivos ao ambiente. O cálculo estimado foi realizado pelo ambientalista Lucas Pereira, da ONG Verde.
Mas, considerando, que seja difícil aos indivíduos criarem uma minifloresta para retirar o CO² da atmosfera. Ainda mais no Cerrado, que segundo o professor Altair Sales Barbosa, é quase impossível a reposição da vegetação nativa, dada a complexidade das espécies, que dependem de séculos para se desenvolverem e outras plantas forasteiras, não cumpririam o papel esperado de se manterem de pé. Diante disso, o caminho mais curto seria a conservação da vegetação nativa, que pode gerar créditos de carbono ou Redução Certificada de Emissões. Em Goiás, existe um projeto nesse sentido realizado pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e a Reservas Votorantim, que começaram a vender os primeiros títulos desse projeto, que são negociáveis no chamado mercado de créditos de carbono.

Esse setor, por exemplo, já integra o mercado financeiro. Uma empresa especializada em publicação de conteúdos financeiros para indicar onde os assinantes devem investir recursos, a Empiricus tem chamado essa iniciativa da commodity do futuro, o “ouro verde”. Segundo o especialista Matheus Spiess, o crédito de carbono é uma ativo “intangível, perene, dolarizado, reconhecido internacionalmente e digital”. Para o professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), Emiliano Lobo de Godoi, a emissão de títulos é um instrumento de pagamento por serviços ambientais. “Esse mercado é uma grande alternativa para a conservação dos recursos naturais,” salienta.
Chamado de “Legado Verdes do Cerrado”, a reserva privada de desenvolvimento sustentável da Votorantim está localizada em Niquelândia, no Norte do Estado. O projeto visa monetizar os ativos ambientais do grupo, ao reduzir a emissão de gases, acumulando com isso créditos. A partir disso, recentemente, realizou um leilão para vender 316 mil créditos de carbono. Os ativos foram acumulados no período de 2017 e 2021. De acordo com a companhia, ao todo, a área é certificada para 11,5 mil hectares de floresta, com capacidade de emissões médias anuais de 50 mil créditos de carbono. Isto é, são gases que não foram lançados na atmosfera se a floresta tivesse sido derrubada para atender outras atividades econômicas, como o cultivo de soja ou outros grãos, predominantes no Cerrado.
Esses projetos atendem aos conceitos de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) e conservação e aumento dos estoques de carbono florestal e o manejo sustentável das florestas (REDD+). Incentivos desenvolvidos no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A meta é recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de Redução de Emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal. No caso goiano, os projetos de REDD foram feitos em área de excedente florestal conservado, com produção agropecuária adjacente. Pela legislação atual, os produtores rurais precisam manter 20% da área de vegetação nativa como reserva legal. O que excede isso, em teoria, pode ser dedicado a projetos de carbono. O diretor da Reservas Votorantim, David Canassa, cita que foram dois anos de estudos, até se conseguir adaptar o conceito para o Cerrado. De acordo com ele, a metodologia antes só era aplicada na Amazônia.
“Esse mercado é uma grande alternativa para a conservação dos recursos naturais,”
Professor Emiliano Lobo de Godoi
Isso porque, em teoria, as metodologias de desmatamento evitadas são aplicáveis a quaisquer regiões. Todavia, há as particularidades técnicas que envolvem a diferença entre as vegetações nativas de cada região. Na prática, o REDD no Cerrado teve desafios mais práticos, como os custos de transação sendo mais caros. Presidente do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, Marco Antonio Fujihara, esclarece que as ferramentas de medição de áreas ainda são caras. “Os custos tendem a cair, conforme for aumentando a demanda”, diz, acrescentando que esse assunto ainda é muito novo. Por outro lado, Canassa destaca que na Amazônia os custos são diluídos, devido os territórios serem gigantescos, em relação ao que se tem conservado no Cerrado. Dessa maneira, os volumes de créditos gerados por hectare naquelas florestas são muito maiores, cerca de 350 toneladas de carbono por hectare, o dobro da produtividade do Cerrado.
Com 40% da floresta Amazônica ainda de pé, o Brasil passou a figurar como líder para negociações de créditos de carbono no mercado internacional e no próprio mercado interno. Porém, ainda é necessário que haja regulamentação, as poucas iniciativas surgem do mercado voluntário em franca expansão. A partir dele, que companhias estão buscando reduzir as emissões de gases de efeito estufa, antes mesmo de serem obrigadas por uma legislação.
Sustentada por decreto presidencial, que pode ser revogado a qualquer momento, a regulação de mercado de créditos de carbono no Brasil foca apenas na exportação desses créditos para países e empresas que dependam da compensação de emissões para cumprir os compromissos de neutralidade de carbono ou outros gases de efeito estufa (GEE). O mais comum são os ativos de empresas que conseguiram diminuir as emissões de gases, podendo vender esses créditos para outras companhias e países que não conseguiram alcançar as metas de reduções. Para Fujihara, o decreto em si não busca regularizar o mercado, que faz isso de maneira livre, por meio da oferta e da demanda, mas que tudo isso ainda é novidade.

O texto cita que as regras instituem o crédito de metano, unidades de estoque de carbono e cria Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare). Essas medidas atendem o Artigo 6º do Acordo do Clima de Paris, de 2015, que estabelece a elaboração de planos setoriais. O decreto possibilita registrar as chamadas pegadas de carbono dos produtos, processos e atividades. Nesse sentido, será possível totalizar a quantidade de emissões de gases de efeito estufa que são emitidos de maneira direta ou indireta por produtos ou serviços ao longo do ciclo de vida.
Dentre as permissões, o decreto permite a comercialização dos créditos de carbono de vegetação nativa, o que pode resultar na geração de 280 milhões de hectares em propriedades rurais. Isso, sendo considerado o carbono do solo, fixado no processo produtivo. Além do carbono azul, que se encontra em áreas marinhas e fluviais. Outra iniciativa da publicação do Palácio do Planalto estabeleceu os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare). Esses planos deverão estabelecer metas gradativas de redução de emissões e remoções por sumidouros de GEE no país. As propostas deveriam ser feitas pelos ministérios do Meio Ambiente, da Economia ou por outras pastas setoriais relacionadas.
Em julho deste ano, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (ABIR) chegaram a assinar um Protocolo de Intenções para pôr em prática as medidas do decreto. O compromisso assinado destacava a colaboração para criar o Plano Setorial de Mitigação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), por meio de suporte técnico setorial, elaboração de estudos e diagnósticos para diminuir o impacto ambiental na cadeia do setor de bebidas. Para tanto, foi estipulado prazo de 24 meses de vigência, podendo ser prorrogado por igual período.
Já em maio, durante o Congresso Mercado Global de Carbono – Descarbonização e Investimentos Verdes, realizado no Rio de Janeiro, o MMA já havia assinado o Protocolo de Intenções com outras entidades para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. Na ocasião, assinaram o acordo, a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), a Associação União da Agroindústria Canavieira e de Bioenergia do Brasil (Unica), a Associação Brasileira De Energia Eólica (Abeeólica), a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e a Associação Brasileira do Alumínio (Abal).
Para regular via legislação aprovada no Congresso Nacional e sancionada, está em tramitação o Projeto de Lei (PL), nº 528/21. Essa iniciativa visa instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), para regular a compra e venda de créditos de carbono no País. Desde o ano passado, o texto está parado na Câmara dos Deputados. De acordo com o texto, a companhia que emitir gases abaixo da meta estipulada gera créditos de carbono, no entanto, essa prática precisará estar atrelada a projetos de redução ou remoção de GEE da atmosfera. Os exemplos são de projetos de reflorestamento, por exemplo. Essa redução será quantificada (em toneladas de gases) e convertida em títulos, conforme regras previstas na proposta. Esses títulos gerados serão negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias de redução de emissão de GEE, definidas por leis ou tratados internacionais.
Atualmente, o mercado global de crédito de carbono movimenta US$ 1 bilhão em transações. Os cálculos são do último ano e foram realizados pela consultoria McKinsey. Apenas no país, o valor girou em torno de US$ 25 milhões, o que equivale a 17 milhões de toneladas de carbono capturado e convertido em crédito. Embora o potencial seja de 1,5 bilhões, com estimativas de receitas de US$ 50 bilhões, ou seja, 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Cabe ressaltar que o crédito de carbono representa uma tonelada de CO² não emitida na atmosfera. Indagado pelo Jornal Opção o Brasil está atrasado em relação aos outros países, Fujihara acredita que não, pois há muito para ser esclarecido sobre esse assunto.
Sem uma regulamentação específica para tal, as negociações no país são realizadas por um mercado voluntário. Isto é, os créditos são auditados por entidades independentes. Porém, ao não se definir metas para as empresas reduzirem a emissão de gases de efeito estufa, há emissão de créditos de carbono abaixo da capacidade nacional, gerando menos dinheiro e menos responsabilidades na proteção ambiental. Em países onde já há regulação, o proprietário de um crédito pode emitir uma tonelada de carbono ou concentrações equivalentes de outros GEEs. Esse direito de emissão é precificado e comercializado. Caso emite poluentes abaixo da meta, pode revender como crédito. Os certificados são obtidos como “recompensa” por atitudes positivas, como substituir combustíveis fósseis por energias renováveis, implantação de projetos de reflorestamento ou de manutenção da floresta em pé.
Países que não conseguem cumprir os objetivos podem comprar créditos das nações que neutralizam as emissões de gases. Assim também se aplica às empresas. Por causa do custo extra da compra, cria-se um incentivo para as companhias reduzirem as emissões ou investirem em projetos que geram créditos. Na teoria, caso todos se adequem à iniciativa, as emissões de CO² caem. É nessa questão que entra o Brasil, principal país com maior reserva florestal do mundo. Dados do relatório da consultoria McKinsey, publicado pelo Prática ESG (Environmental, social and Governance, em tradução livre do inglês para governança ambiental, social e corporativa) até 2030, a demanda por créditos voluntários no Brasil pode atingir de US$ 1,4 bilhão a US$ 2,3 bilhões. No momento, o país emite abaixo de 1% desse potencial previsto.
Eco-92

Entretanto, é necessário retornar para quando essa revolução começou, para buscar equilibrar o impacto ambiental, sem radicalizar, tentando frear as atividades de indústrias, empresas e famílias. Coordenada pela ONU, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, reunindo chefes de estado de vários países, inicialmente discutiu iniciativas para neutralizar a emissão de CO². Cinco anos depois, os países se comprometeram em um tratado internacional, chamado de Protocolo de Kyoto.
Esse documento resultou em compromissos mais rígidos para a redução da emissão de gases que produzem o efeito estufa, considerado a principal causa do atual aquecimento global. Para tanto, se pensaram em metas que países poderiam emitir de dióxido de carbono e outros gases no planeta. Grosso modo, ao conseguir emitir gases abaixo da meta, configura que o país deixou de poluir o meio ambiente e conseguiu, com isso, créditos, assim também, vale para empresas. Além disso, os créditos de carbonos podem ser gerados via conservação do próprio meio ambiente, que através das florestas, por exemplo, realizando o ‘sequestro’ de gases, o chamado “ouro verde”.
Em 2005, a própria ONU deu início a regulamentação do mercado de crédito de carbono de maneira global. No entanto, isso não avançou muito. “O mercado regulado pela ONU foi um fracasso miseravelmente na sua missão”, recorda Matheus Spiess. Junto a isso, surgiram as crises que assolaram as principais economias. A primeira delas foi registrada nos Estados Unidos, em 2008, que ficou conhecida como ‘subprime’. Logo na sequência, em 2012, houve a crise do Euro, afetando o continente europeu. Não obstante, no decorrer desse período, em 2010, o mundo como um todo chegou a lançar na atmosfera aproximadamente 28 bilhões de toneladas, conseguindo compensar 11 bilhões desse total. Uma década depois, em 2020, com a industrialização avançada da China e da Índia, a quantidade de gases nocivos ao meio ambiente saltou para 55 bilhões, mas apenas 11 bilhões seguiram sendo neutralizados. O tema retornou com mais força na COP26, Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, realizada em novembro do ano passado.