APA dos Pireneus: Entenda as discussões da Semad sobre a elaboração do plano de manejo da área

30 agosto 2023 às 20h00

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Após mais de três décadas, o governo estadual, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad), deu início à elaboração da proposta do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) dos Pireneus. Para tanto, abriu consulta pública para a participação da comunidade local e instituições ligadas às causas ambientais. De acordo com a pasta, as audiências públicas ocorreram respectivamente em Cocalzinho de Goiás e Pirenópolis, nos dias 17 e 18 de agosto.
Contudo, os participantes denunciam que na minuta do documento foi mantido um trecho que coloca em risco todas as nascentes da APA. “É permitido o uso do solo, em imóveis rurais, decorrente de desmembramento imobiliário, para a formação de chácaras, assentamentos, ecovilas, condomínios, uso por multipropriedades, uso por multiresidências e/ou ocupações de segunda residência ou lazer, observada a legislação de regência sobre a natureza da ocupação em áreas rurais, mantendo taxa de impermeabilização máxima de 20% da área do imóvel e fração dos lotes não inferior ao módulo rural”, item da proposta.
A Semad informou que a consulta sobre as sugestões ao plano de manejo seguiu aberta até segunda-feira, 28. Nessa etapa, foram recebidas as contribuições das entidades. Assim, o movimento Observatório de Políticas Socioambientais, o mesmo que atuou contra a Lei Estadual 22.017/2023, que flexibilizou a legislação ambiental em Goiás, entrou em ação novamente. Uma carta aberta foi direcionada à secretária Andréa Vulcanis. O documento tem o apoio de doze instituições, dentre elas o Instituto Altair Sales (IAS), Associação dos servidores do Ibama e ICmbio em Goiás (Asibama Goiás) e Instituto Bernardo Elis [lista completa ao final desta reportagem].
Possíveis impactos
O educador da Rede de Educação e Informação Ambiental de Goiás (REIA-GO) e morador de Pirenópolis, Tadeu Costa, contou ao Jornal Opção que eles não são contra o plano de manejo, que já se arrasta há 30 anos sem definição, mas sim da maneira de como se conduz os encaminhamentos pela Semad para a sua conclusão. “Nós temos o levantamento aí de cerca de cento e cinco nascentes. Então isso vai afetar de uma forma ampla tanto a nossa bacia do Tocantins como a bacia do Paraná essa é uma característica que a gente tem em relação à Serra dos Pirineus dessa importância biológica que ela tem. Sem contar a quantidade de animais, de cerrado rupestre, de espécies que são endêmicas que só tem ali naquela localidade”, elenca.
Para ele, o adensamento por meio das multipropriedades, o que pode permitir a construção de condomínios, “vai afetar de uma forma muito brusca a nossa região, porque a gente sabe que no processo de urbanização traz animais domésticos como gatos e cachorros”, que caçam as espécies silvestres.
Costa esclarece que, durante as audiências, os conselhos do Parque Estadual de Pirenópolis e da APA foram ouvidos, mas na redação final do texto foram desconsideradas algumas observações. “Após esse processo, foi sistematizada uma proposta e essa proposta foi apresentada nas duas audiências públicas. Ficamos assustados e preocupados que em nenhum momento nós propusemos ter uso de multipropriedade dentro da APA. Ao contrário, a nossa visão é uma visão contrária à urbanização da Serra dos Pireneus. Aqui em Pirenópolis existe uma história dos moradores contra essa situação de urbanização da Serra dos Pirineus. Exatamente por que isso? É que o nosso Rio das Almas recebe essas águas que vêm da da Serra dos Pirineus”, acentua.
Para o advogado Bruno Marinho, o reordenamento territorial de municípios, com conversão ou transformação de áreas rurais para urbanos, apenas pode ocorrer via Lei Complementar Municipal, no caso por meio de um Plano Diretor, o que é preconizado pela Lei do Estatuto da Cidade. “Na verdade a Semad-GO busca converter áreas rurais em urbanas, passando por cima de um Plano Diretor da Cidade de Pirenópolis que está paralisado por ordem do Tribunal de Justiça de Goiás”, enfatiza.
Ele lamenta que o processo na região seja feito sem a apresentação de qualquer estudo técnico, que avalia, por exemplo, o impacto ambiental. O advogado pontua ainda que há órgãos que precisam ser ouvidos.
“O Iphan, que precisava ser ouvido, não foi. Pirenópolis e Corumbá de Goiás são cidades tombadas pelo Iphan, e a conversão de áreas rurais têm o efeito de solapar as tradições culturais dessas cidades, como a própria Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, cujas folias rurais são um dos elementos mais importantes e tradicionais dessa expressão da cultura popular”, ressalta. Nesse sentido, ele acredita que o plano de manejo pode ser usado para viabilizar a entrega de áreas destinadas à proteção da vida silvestre para a especulação imobiliária, contornando-se a ordem judicial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO).

Semad defende o processo
Por nota, a Semad esclareceu que o plano de manejo da APA dos Pireneus começou a ser elaborado em 2021. De acordo com a metodologia de elaboração, a construção dos documentos é colaborativa. “No dia 27 de julho, a Semad submeteu o texto à consulta pública, que permaneceu aberta até o dia 28 de agosto, e promoveu audiências públicas nos dias 17 e 18 de agosto, respectivamente em Cocalzinho de Goiás e Pirenópolis”, cita trecho do comunicado.
De acordo com a pasta, depois de receber as contribuições da comunidade e de entidades, “fará as correções necessárias, enviará a minuta para assinatura da secretária, Andréa Vulcanis, e em seguida para publicação no Diário Oficial”.
Decreto Estadual proíbe urbanização

O Decreto Estadual 5174/2000, que criou a APA dos Pireneus, proíbe a implantação de projetos de urbanização no local. Além disso, são restritas a realização de obras de terraplanagem, abertura de estradas e de canais e prática de atividades agrícolas, quando essas iniciativas importarem em alteração das condições ecológicas locais, principalmente das zonas de vida silvestre.
Moradores supõem que o governo estadual possa adotar a proposta apresentada para o plano de manejo como uma maneira de contornar uma decisão judicial do TJ-GO – apelação cível n° 5261714-70.2023.8.09.0126. Essa sentença assinada pelo desembargador Anderson Máximo de Holanda suspendeu a tramitação do plano diretor de Pirenópolis, por ausência de realização de estudos técnicos. Isso foi uma resposta da Justiça ao pedido de recurso apresentado pela vereadora de Pirenópolis, Ynae Siqueira Curado (UB).
Ao Jornal Opção, a Semad defende que uma parte da APA dos Pireneus, que se sobrepõe à área urbana de Pirenópolis, deve estar em harmonia com o Plano Diretor da cidade. Embora compreenda que moradores são contrários à multipropriedade, por temerem o aumento do adensamento da região, a Secretaria destaca que o plano de manejo não autoriza parcelar um imóvel rural em frações menores que o módulo rural.
Lista completa das instituições que assinam carta com observações sobre o texto prévio do plano de manejo da APA dos Pireneus:
- ARCA – Associação para a Recuperação e
- Conservação do Ambiente
- Associação SOS Rio Piracanjuba
- AVINC – A Vida No Cerrado
- Guardiões do Meia Ponte
- Instituto Bernardo Elis
- Instituto EcomAmor
- Associação Amigos das Florestas
- Asibama Goiás – Associação dos servidores do
- Ibama e ICmbio em Goiás
- Instituto Altair Sales
- Instituto Plantadores de Água
- Reserva Ecológica Porto das Antas / Sociedade Porto das Antas
- Territórios Globais – TG Soluções para o
- Desenvolvimento Sustentável
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