“A educação não muda o mundo. A educação muda as pessoas. As pessoas mudam o mundo.” A célebre frase, frequentemente atribuída a Paulo Freire (1921-1997), na verdade foi dita por Carlos Rodrigues Brandão, educador carioca que faleceu nesta terça-feira, aos 83 anos. Ele deixa dois filhos, três netos, uma vasta obra dedicada à educação popular e também grande legado para muitos goianos, já que atuou por décadas na Universidade Federal de Goiás (UFG) e foi professor visitante na Universidade Estadual de Goiás (UEG).

Em 2010, Brandão ganhou o título de Doutor Honoris Causa da UFG, instituição com a qual teve vínculo várias vezes, e por longos períodos, entre 1969 e 2004. Entre outras funções, foi chefe do Departamento de Sociologia e Psicologia da Faculdade de Educação, diretor do Museu Antropológico e professor titular do antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), no departamento que deu origem à Faculdade de Ciências Sociais (FCS). O Núcleo de Estudos de Religião (NER), da FCS, leva seu nome.

Brandão era amigo de Freire e a frase em questão foi retirada de um depoimento no qual ele fazia referência ao patrono da educação brasileira. A mensagem original diz: “Paulo sabia bem que, por si só, a educação não muda o mundo. A educação muda as pessoas. E são as pessoas que mudam o mundo”. Essa mensagem foi publicada no livro “Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia”.

As carreiras de Brandão e Freire se encontram em diferentes momentos. Ambos defendiam uma educação popular, pública e igualitária, voltada para a humanização e a esperança. Brandão, que se autodenominava “poeta, antropólogo, educador e militante ativista da educação popular”, mergulhou na obra de Freire e no método Paulo Freire em grande parte de seus mais de cem títulos.

Carreira

Psicólogo formado pela Universidade Católica do Rio de Janeiro, mestre em antropologia pela Universidade de Brasília, doutor em ciências sociais pela Universidade de São Paulo, fez seus estudos de pós-doutorado junto na Universidade de Perugia (Itália) e na Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Foi professor universitário, também escreveu poesia, literatura e abordou temas como cultura e educação ambiental.

“Quando saí dos colégios entrei na universidade e nunca mais saí dela. Ainda como estudante, tornei-me um militante ativista junto a movimentos sociais, atuando principalmente através da educação popular. Percorri passo a passo o que costumamos chamar de ‘carreira universitária’. Em 2017, completei 50 anos de vida de professor”, escreveu Brandão, em seu blog “A partilha da vida”.

São dele os livros “O que é Método Paulo Freire”, “O que é educação”, “O que é educação popular” e “O que é Folclore”, da Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense. Famosos nos anos 1970 e 1980, os livretos de bolso explicam, em linguagem simples e direta, diferentes áreas do conhecimento.

Ex-alunos lamentam

O vereador por Anápolis professor Marcos (PT) foi aluno de Brandão e lamentou a morte do mestre. Pelas redes sociais, o parlamentar disse que “teve a honra de conviver por mais de uma década com um dos maiores intelectuais desse país. Antropólogo, professor da Unicamp, UnB, UFG, e de tantas outras universidades pelo mundo”. Ele publicou uma carta escrita pelo professor dois dias antes de sua partida, onde relatava às dificuldades de seu tratamento.

Confira:

Gente amiga de perto e de longe:

O melhor de mim são os outros – Manoel de Barros.

Depois de responder com breves mensagens, às que algumas pessoas amigas me escreveram perguntando por meu estado de saúde, resolvi escrever uma carta coletiva (velho costume meu) com mais detalhes.

Voltei de mais uma jornada no hospital, inclusive com dias na UTI. Estou em casa agora, entre exames, consultas e fisioterapia.

A leucemia está sob controle, e os últimos hemogramas tem sido muito bons. Mas sigo com um feroz tratamento de quimioterapia de imunoterapia. Claro, aos 83 anos estou com o coração enfraquecido (só o físico) e também o pulmão.

Perdi 22 quilos, o gosto pela comida (mas não pela vida), e estou muito enfraquecido. Em casa estou entre a cadeira de rodas (como agora) e o andador. Espero voltar a caminhar com bengala logo. Uma caminhada em casa, de 20 metros me cansa mais do que quando eu (andarilho inveterado) passava dias entre trilhas.

Eu, que escalei o Dedo de Deus, participei da equipe de conquista do Paredão Baden-Powell, no Irmão Maior do Leblon, e fiz o Caminho de Santiago. Sendo eu um frequentador de acidentes graves e de cirurgias, acho que haver chegado a esta idade é uma benção, se não for um milagre. Estou velho, magro e feio. Mas vivo ainda!

Mas há um outro lado em tudo. De repente me vejo sendo cuidado.

Dependo de outras pessoas para quase tudo, desde médicos e enfermeiros, até a “gente de casa”.  Aos 83 anos me vejo como se tivesse 3 anos. E a minha gratidão a pessoas que vão da Dra. Gislaine até Maria Alice, André e Luciana, é sem limites.

Pessoas amigas seguidamente me vêm visitar, agora que minha imunidade voltou. E está sem sido uma enorme felicidade, embora eu ainda tenha dificuldades para falar.

Depois do enorme agito de 2021, com as inacabáveis lives ao redor do Centenário de Paulo Freire, eis que, doente, vivo dias extremamente tranquilos. E os aproveito para fazer o que sempre foi a minha quase maior alegria: ler e escrever.

Leio e releio livros de autores que sempre me tocaram, entre a poesia, a espiritualidade, e a antropologia. Estou lendo toda a obra (ou quase) de Pierre Teilhard de Chardin, que me acompanha desde 1962. Ouço música, desde a clássica, que sempre me acompanhou (Beetoven no centro de tudo), até modas de viola (algumas delas de amigos queridos).

E escrevo desmesuradamente. Depois da “sequencia galega” e dos livros voltados à educação popular, abri o leque dos meus desejos e imaginários, e entre a poesia e a antropologia, me vejo, aos 83 anos, como quem “alça voos do espírito”.

Alguns escritos de 2020 para cá foram incorporados a livros coletivos. Outros são “livros solo” que com alegria anuncio a vocês.

A Editora Pangéa publicou meu livro de memórias entre estudante e professor: Eu, professor – pequeno inventário de memórias.  E publicou também meu pequenino livro de poemas para jovens: Ontem, Agora, Nunca! A Editora Paladar Cultural está publicando o Artesãos do Absurdo – dilemas do humano em escaladas de alta montanha no Himalaia. E também outro livro de poesia para jovens: Céu de Passarinhos. A Editora WAK, do Rio de Janeiro (e de Copacabana, onde eu nasci), publicou O Primata que aprende – como a educação começou a acontecer no mundo, e agora está editado: Por uma Pedagogia Peregrina. E enquanto eu viver e a “mão e a cuca” funcionarem, seguirei a minha sina de leito e de escrevinhador inveterado.

Este é momento de juntar as palmas das mãos, curvar um pouco o corpo, e dizer a todas e todos vocês: GRATIDÃO!

Um abraço amigo,

Carlos Brandão

*Com informações do site porvir.org