O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai julgar reclamação disciplinar protocolada contra o juiz substituto em segundo grau do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Hamilton Gomes Carneiro. O magistrado foi acusado pela defesa da agropecuarista, Elza Jacintho Quirino, de beneficiar dois advogados que seriam amigos dele, incluindo o irmão de Elza.

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O suposto benefício mencionado pela defesa da agropecuarista envolve ações de um inventário milionário de Ignez Jacintho Quirino e Mario Quirino da Silveira. Ignez faleceu em junho de 2017, e Mario, em novembro de 2019. 

Eles deixaram espólio para os três filhos, que inclui cabeças de gado e fazendas, em Tocantins e no Mato Grosso. Filho do casal e advogado, Gilberto Jacintho Quirino é o inventariante. Elza, a irmã dele, questiona na Justiça os gastos e as prestações de contas apresentados pelo advogado.

Na reclamação disciplinar protocolada no CNJ, em 21 de março de 2024, Elza aponta que o irmão e o advogado dele, Leandro Almeida de Santana, são “amigos íntimos e de longa data” de Carneiro, juiz que decidiu favoravelmente aos dois em três ações envolvendo o espólio do casal do agro.

Como prova, a agropecuarista apresentou o currículo dos três, segundo os quais eles publicaram, juntos, trabalhos em congressos de direito. Além das publicações em conjunto, Carneiro e Santana fizeram, no mesmo período, doutorado em Função Social do Direito na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp) e mestrado em direito agrário na Universidade Federal de Goiás (UFG). 

O magistrado também nomeou o advogado para a função de administrador em pelo menos dois processos de recuperação judicial julgados por ele, em 2014 e 2016.

Sentenças favoráveis 

O juiz expediu as três sentenças favoráveis a Gilberto e Santana no período de quatro dias úteis nos quais esteve à frente da 1ª Vara de Sucessões da Comarca de Goiânia, do TJGO, entre 4 e 9 de outubro de 2023.

Carneiro homologou a partilha de bens no inventário, conforme apresentação de Gilberto, e julgou improcedentes duas ações de autoria de Elza contra o irmão.

Em um processo, a agropecuarista queria exigir a prestação de contas do irmão e, na outra ação, a mulher pedia a remoção de Gilberto como inventariante. Todos os pedidos dela foram negados por Carneiro.

A última decisão de Carneiro no caso foi a homologação do inventário que partilhou os bens do casal para os herdeiros e autorizou a restituição de R$ 2,9 milhões a Gilberto, referentes a pagamentos de despesas de interesse do espólio. Essa sentença tem 67 páginas e foi expedida às 19h53 de 9 de outubro.

O magistrado era o titular da 2ª Vara de Sucessões quando ficou responsável pela 1ª Vara de Sucessões de forma temporária, por quatro dias úteis. Ele atuava na 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais e foi transferido para a 2ª Vara de Sucessões após o TJGO aprovar o pedido de permuta, quatro meses antes das sentenças.

A agropecuarista disse ao CNJ que Carneiro decidiu favoravelmente aos amigos em três ações judiciais no momento em que a 1ª Vara de Sucessões tinha 1,4 mil processos conclusos para o juiz decidir com urgência. E o órgão do qual o magistrado era titular, a 2ª Vara de Sucessões, tinha 3 mil processos, dos quais 1,8 mil estavam com alerta de excesso de prazo, de acordo com a denunciante.

Afastamento 

A mulher pediu que o CNJ afaste o magistrado das funções, de forma liminar. Ela também solicitou que o TJGO seja oficiado para apresentar relatório sobre os processos conclusos na 1ª e na 2ª Vara de Sucessões e para informar em quantos Carneiro sentenciou ou despachou no período. O processo contra o juiz tramita em sigilo no CNJ.

O TJGO promoveu Carneiro a juiz substituto em segundo grau, pelo critério de antiguidade, durante sessão ocorrida em agosto de 2023. De acordo com a reclamação disciplinar, o magistrado fazia curso preparatório para assumir o cargo, no período da manhã, quando cuidou da 2ª Vara de Sucessões e expediu as sentenças.

Além de apresentar reclamação disciplinar contra Carneiro no CNJ, o advogado de Elza recorreu contra as sentenças do magistrado na 1ª Vara de Sucessões da Comarca de Goiânia.

Em uma das ações, Elza alegou que o irmão pediu reembolso de valores milionários sem prestar contas das receitas, das parcerias rurais por ele administradas e dos valores movimentados referentes a empresas da família.

Ela também disse que ele apresentou informações contraditórias sobre rebanhos vendidos. A agropecuarista apontou supostas irregularidades na cessão de direitos hereditários da Fazenda Vale da Serra, em Campos Lindos (TO), para netas do casal.

Ao indeferir o pedido de Elza, Carneiro afastou irregularidades e disse que o inventariante descreveu todas as despesas em planilha e apresentou os respectivos comprovantes de pagamentos.

Sentença reformada

Em 6 de fevereiro de 2024, o juiz de direito Eduardo Walmory Sanches reformou a sentença na ação de exigir contas, rejeitou as contas apresentadas por Gilberto e determinou que ele apresente notas fiscais, contratos de prestação de serviço e de compra e venda, além de recibos.

Segundo o magistrado, as contas não foram prestadas de forma adequada. Em outro processo, o que trata do inventário, o juiz Sanches intimou Gilberto para esclarecer a acusação da irmã de que teria obtido o desmembramento da fazenda em Campos Lindos sem autorização judicial. O magistrado determinou o cancelamento da divisão do imóvel, considerando que o processo de inventário e partilha não transitou em julgado.

Gilberto recorreu e alegou que o desmembramento da fazenda ocorreu para fins de cisão da Agropecuária Vale do Boi, de 82 mil hectares, que não pertence ao espólio e não integra a partilha. O desembargador do TJGO Wilson Safatle Faiad deferiu o pedido do advogado para suspender a decisão de primeira instância.

Ao Jornal Opção, o advogado Leonardo afirmou que as acusações são “levianas” e “mentirosas. Ele disse ainda que Elza não tem qualquer tipo de prova que confirme a versão apresentada pela defesa dela. Em nota, o TJ afirmou “não ter conhecimento dos fatos noticiados”.

A Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) informou que ressalta que não se posiciona acerca de decisões proferidas por juízes e desembargadores, “nem tampouco a respeito da forma particular de cada um atuar, uma vez que é assegurado constitucionalmente aos magistrados o direito de decidir em conformidade com a lei e conduzir os julgamentos”. O Jornal Opção não localizou a defesa dos demais envolvidos até a publicação desta reportagem.