No centenário do movimento Art déco, Goiânia luta para preservar seu patrimônio abandonado

20 março 2025 às 16h11

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Arquitetura bonita, com detalhes que chamam a atenção, o estilo Art déco despertou o interesse do mundo, inclusive de Goiás, na década de 1930. Na época, o presidente Getúlio Vargas e o governador Pedro Ludovico, em Goiás, pensavam em modernizar tudo — da economia à gestão, inclusive a política e a arquitetura.
Ao andar pelas ruas do Centro de Goiânia, notadamente na Avenida Anhanguera e ruas Araguaia e Tocantins, convém ao leitor observar a arquitetura de alguns edifícios, não muito altos, com características bem definidas e belas — diferentes da atual arquitetura de bairros como Setor Bueno, Nova Suíça, Setor Marista e Setor Oeste.
Pelas mãos das novas estruturas de poder, que incluíam arquitetos e engenheiros, o Art déco aterrissou no Planalto Central como um discurso que, modernizador, ecoou no cenário urbano da novíssima capital do Estado de Goiás a partir de 1933, ano da fundação de Goiânia.
Se o novo regime precisava de uma “cara nova”, a cidade, a nova capital, também necessitava. Então, o Art déco era a nova imagem de um novo tempo. Associação entre gestão pública e arquitetura — as edificações com formas artísticas simbolizavam que os novos tempos chegavam para ficar e, por isso, precisavam ser diferentes do que existia antes. Se havia uma “revolução”, a de 1930, era preciso estendê-la a todos os campos.
Os primeiros edifícios erguidos na cidade, destinados à função de repartição pública e sede do governo estadual — na Praça Cívica, no centro da capital —, seguem o estilo Art déco, prezando pela volumetria simples e linhas harmoniosas com detalhes estéticos diferenciados.
Erguer uma capital, no “fim do mundo” — assim o país via o isolado Centro-Oeste nos anos 1930 —, fez com que a nova urbe nascesse diante de muitas dificuldades. Por isso o Art déco goiano, apesar de possuir a personalidade característica em suas primeiras construções, é considerado um tanto simplório — o que não significa “feio” —, dado o árduo percurso para que materiais como vidro e metais chegassem à região.
Na Praça Cívica, ponto nevrálgico da nova capital, foram erguidas as primeiras edificações que fazem parte do plano urbanístico de Attilio Corrêa Lima (1901-1943), o arquiteto e engenheiro que criou e inventou a nova capital do Estado de Goiás, sob as ordens do interventor Pedro Ludovico Teixeira.
Art Déco em Goiânia |Fotos: Herbert Moraes / Jornal Opção
Na Praça Cívica, foram erguidos no estilo Art déco o Palácio das Esmeraldas, a Secretaria Geral da Fazenda, o Tribunal de Justiça e o Departamento Informação, hoje Museu Zoroastro Artiaga (que está sendo reformado), além de equipamentos urbanos como o coreto, o obelisco e a torre do relógio.
Da praça, que tem função administrativa, convergem as três principais vias da cidade que nascia — a Goiás, a Tocantins e a Araguaia, todas cortando a Avenida Anhanguera. O local ficou demarcado como o núcleo de poder do Estado, além de ponto de encontro da vida dos goianienses, que é como os moradores de Goiânia são chamados.
Em 2003, quando completou setenta anos, Goiânia passou a integrar a lista de cidades que compõem o Patrimônio Cultural do Brasil. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou 22 construções em estilo Art déco, no centro histórico, como patrimônio da nação a fim de que fossem preservadas.
Apesar do tombamento, o poder público e os goianienses não souberam desenvolver, ao longo de décadas, o sentimento de pertencimento em relação ao patrimônio arquitetônico que faz Goiânia ser referência mundial em arquitetura Art déco. O movimento, por sinal, completa em novembro deste ano o seu centenário. Pouco se comenta, mas há turistas que vêm à capital para ver sua arquitetura, ainda de pé, apesar de malconservada.
Mesmo após o reconhecimento do Iphan, as construções foram se deteriorando; alguns edifícios apresentam problemas de conservação. O Museu Zoroastro Artiaga teve de fechar as portas devido às más condições de uso. Por pouco não ruiu quando suas paredes começaram a rachar do teto ao chão, abaladas pelas obra do sistema de transportes BRT, sob responsabilidade da Prefeitura de Goiânia de 2013 a 2024. Além das estruturas de prédios monumentais da Praça Cívica, como o Museu, as obras acabaram por invadir e desfigurar o traçado urbanístico do coração da capital goiana.
Quase todo o patrimônio Art déco de Goiânia continua em estado deplorável de conservação. Mesmo a Estação Ferroviária — há quase uma década passou por restauração — continua sofrendo com o desgaste do tempo. Permanece, porém, como um dos locais mais visitados da capital. É um ponto turístico chave da cidade. Por vezes, há exposição de artes plásticas no local e há, claro, pinturas permanentes de Frei Confaloni, um dos mais importantes artistas plásticos de Goiás (na verdade, nasceu na Itália, mas desenvolveu sua arte em terras goianas).

Das 22 construções tombadas pelo Iphan, os prédios que compõem a Praça Cívica estão sob responsabilidade do governo estadual. São os mais bem-conservados. Os demais estão sob tutela da Prefeitura de Goiânia. Com exceção da torre do relógio, na Avenida Goiás, que foi restaurada pela OAB de Goiás, e o colégio Liceu de Goiânia — que passa por uma reforma estrutural —, o patrimônio Art déco da cidade foi abandonado por praticamente todos os prefeitos da capital.
Há três anos, o governo de Goiás, por meio da Secretaria da Cultura, resolveu encarar o desafio de não apenas reformar, mas restaurar os prédios da Praça Cívica que estão sob sua responsabilidade. Entre eles estão a residência do governador: o Palácio das Esmeraldas, uma das mais belas edificações de Goiânia, conhecida por muitos como a Casa Verde.
Alguns prédios já ficaram prontos, como o belo Centro Cultural Marietta Telles que traz, logo na entrada, portas de vidro que são verdadeiras obras de arte inestimáveis. O edifício abriga a Secretaria da Cultura do Estado e foi lá que a eficiente e determinada secretária de Cultura, Iara Nunes, recebeu o Jornal Opção para falar das obras de restauração. A missão que foi entregue a ela, pessoalmente, pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), com a pretensão de deixar um legado cultural para Goiás quando terminar seu mandato.
Art déco: a arquitetura de luxo que se tornou popular
Movimento que transformou o design e a arquitetura, o Art déco é uma das expressões artísticas mais marcantes do século XX. Influenciou não só a arquitetura e o design como também as artes e a moda. A estética sofisticada e a geometria pra lá de charmosa conquistou admiradores por todo planeta e, até hoje, permanece como referência.
A arte decorativa ou Art déco surgiu na década de 1920 na França. O ano era 1925, e o estilo foi um marco na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, em Paris.
Em princípio, o movimento foi visto como um derivado do estilo Art nouveau, porque, logo de largada, o Art déco prezava pelo luxo, por meio do uso de materiais caros, como prata, ouro, marfim e pedras preciosas. O suficiente para “enlouquecer” artistas e designers da época que puderam aplicar e ostentar vasto material precioso em joias, na moda e móveis.
Na arquitetura, o Art déco, com suas formas geométricas, linhas elegantes e ornamentação glamurosa, entre 1925 e 1935, imperou nas principais cidades do mundo que já estavam influenciadas por outros movimentos modernos e industriais que surgiram após o fim da Primeira Guerra Mundial. O Art déco incorpora a materiais como vidro, metais e concreto outros recursos sofisticados e luxuosos — que, além de motivos decorativos, eram inspirados nas linhas da natureza implícitos por intermédio da tecnologia.
Apesar da busca pelo simples e prático, as raízes do Art déco surgiram a partir do luxo e da extravagância, mas, quando se aproximou da produção industrial e da arte e passou a fazer parte do dia a dia das pessoas, se espalhou pelo mundo com características que se firmaram na arquitetura.
