Aline Bouhid e Marcos Aurélio Silva

O promotor Cyro Terra Peres está há menos de um mês à frente da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ). Foi escolhido pelo governador Ronaldo Caiado para chefiar o Ministério Público de Goiás (MPGO) até 2025 pela lista tríplice enviada a partir dos votos de seus integrantes, em eleição ocorrida em 3 de fevereiro.

Na primeira entrevista ao Jornal Opção no novo cargo, ele se posiciona de forma firme sobre temas polêmicos, como a equidade de gênero nos cargos do MPGO, a adoção da lista tríplice para escolha do procurador-geral e a relação com os demais Poderes. “O Ministério Público está nessa teia de relações, não pode se fechar nem pode ser subserviente, nem perseguir interesses que não sejam o interesse público. Nos últimos tempos, houve um movimento que entendo como positivo, do governo de Goiás, em compartilhar com os demais Poderes e instituições grandes decisões do Estado”, declara.

Antes de assumir a PGJ, Cyro era subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Administrativos do MPGO desde 2019. Natural de Bebedouro (SP), ele se graduou em Direito na Universidade de São Paulo (USP) em 1994 e ingressou na instituição no ano seguinte, como promotor de Justiça substituto em Niquelândia e Rio Verde. Em 2007, assumiu a 67ª Promotoria de Justiça de Goiânia e também exerceu a função de promotor de Justiça corregedor de 2011 a 2015 e atuou na área da infância e juventude em 2016, na 75ª Promotoria. Foi também, entre 2017 e 2019, assessor jurídico-administrativo na Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais.

Marcos Aurélio Silva – Ao assumir a Procuradoria-Geral do Estado, como o sr. avalia a imagem do MPGO junto à sociedade e aos Poderes estabelecidos?

Creio que o Ministério Público ainda goza de uma grande credibilidade com a sociedade em geral, pelo trabalho que realizou nos últimos anos, por sua seriedade e independência, bem como a proximidade que sempre demonstrou com a população. Então, vejo que o MPGO ainda possui esse crédito com as pessoas, que vão até a instituição com a esperança de ter seus problemas solucionados. Nossa atuação na área criminal também é bastante respeitada, porque é uma tarefa que só nós fazemos – processar criminosos, enfrentar o crime organizado, o narcotráfico. São desafios muito grandes e que encaramos em defesa da população. Creio que isso traga muita respeitabilidade.

Queremos estar cada vez mais perto das pessoas. A pandemia provocou um isolamento social geral. Embora isso fosse necessário, traz efeitos colaterais e ficou um certo distanciamento da população, não só em relação ao MPGO, mas aos órgãos governamentais em geral. Temos de fazer esforço para colocar cada vez mais canais e estarmos cada vez mais presentes para voltar esse relacionamento direto, humano, próximo, o qual considero muito importante.

Jornalistas Marcos Aurélio Silva e Aline Bouhid entrevistam o procurador-geral de Justiça, Cyro Terra Peres | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Marcos Aurélio Silva – E como está essa relação com as outras instituições?

Temos um relacionamento harmônico, mantendo nossa autonomia e independência. Creio que evoluímos bastante aqui no Estado no sentido de uma colaboração mútua, de um entendimento prévio de questões que são de Estado, que não estão circunscritas à instituição em si. Esse diálogo é muito importante na construção de soluções. Como eu disse em meu discurso de posse, o Ministério Público quer ser sempre parte da solução e nunca do problema. Foi assim que, resguardando minha independência e autonomia, sempre agi como promotor de Justiça em 27 anos. Sempre processei quem tinha de ser processado, mas nunca fechei a porta à possibilidade de uma composição nos casos em que isso fosse possível, claro. Às vezes, a solução se apresenta mais pela interlocução entre as diversas instituições do que, por exemplo, em uma ação judicial que redundaria em um resultado anos depois, se é que redundaria. Usamos nossa posição e credibilidade para induzir a melhor solução o mais rapidamente possível. Nisso, temos tido a colaboração dos outros órgãos e instituições do Estado.

Dos seis desembargadores indicados pelo MPGO, três são mulheres

Aline Bouhid – Existe uma cobrança por parte da sociedade, dos membros do MP, pelo não cumprimento do compromisso assumido de garantia da equidade de gênero. O que o sr. justificaria em relação a esse descumprimento?

Primeiramente, gostaria de deixar bem claro que o Ministério Público é a instituição que, ao longo de toda a sua história, mais propiciou oportunidades a suas membras e servidoras, de modo que somos exemplo para as demais instituições. Já tivemos, em Goiás, três procuradoras-gerais de Justiça – basta ver que nenhum Poder teve mulheres em seu comando. Tivemos também corregedoras-gerais e hoje temos um conselho superior – que é um dos órgãos máximos da instituição – com maioria feminina. Dos seis desembargadores indicados pelo MPGO, três são mulheres. Temos ainda coordenadoras de promotorias de Justiça – e eu até ampliei esse número em minha gestão.

Digo isso porque, nesse tema em particular, nós temos é exemplo a dar e nada a reparar internamente. O que coloquei em minha campanha – e creio ter cumprido já em grande medida – é essa valorização contínua da mulher que existe dentro da instituição. Nomeei em minha equipe um grande número de mulheres que me auxiliam – são 14, mais diretamente, além de coordenadoras de promotoria no interior e núcleos de alta composição com maioria feminina. Enfim, tenho muita tranquilidade em dizer que tenho seguido essa diretriz. Só que essa diretriz não é única, é preciso observar a vocação, a relação com o procurador-geral, pois são cargos de confiança. É um critério que levei e levarei sempre com muita consideração, porque tenho muito respeito e valorizo muito minhas colegas, até porque são muito competentes. Enquanto subprocurador administrativo, eu tinha sob meu comando nove superintendências, que são o nível mais alto que um servidor da instituição pode ocupar – áreas como informática, orçamento, RH [recursos humanos] etc. –, e cinco delas tinham mulheres à frente. Sempre procurei e irei procurar enfatizar esse aspecto da igualdade.

Aline Bouhid – Então o sr. considera que há uma participação equiparada?

Não temos 50%, até porque, no MPGO, temos 39% de mulheres como integrantes. Ou seja, eu faço a escolha dentro de um universo fechado, não escolho na sociedade em geral. E há outros aspectos que, se formos medir – e é algo até pouco divulgado –, nos cargos de assessoria dos promotores e procuradores de Justiça, eu creio que o número de mulheres deve ser perto de 75%. Se você entrar nos prédios do MPGO, seja no interior ou na capital, vai ver muito mais mulheres trabalhando do que homens. Somos uma instituição que promove a valorização da mulher e as oportunidades a elas em todos os âmbitos.

Marcos Aurélio Silva – O sr. vai promover a simetria salarial dos membros do MPGO com os do TJGO (Tribunal de Justiça de Goiás)?

Nós sempre procuramos fazer com que os direitos conferidos aos membros do MPGO sejam correspondentes aos da magistratura. Ao longo dos anos, ora temos alguns direitos mais do que eles, ora circunstancialmente eles têm mais do que nós, mas ambas as carreiras procuram invocar os direitos da outra, para que haja o que chamados de simetria, porque a Constituição assim colocou, que se aplicam os direitos da magistratura ao Ministério Público. Creio que hoje temos uma similaridade bastante razoável. O que pode diferir é o pagamento de verbas antigas, retroativas, já que cada instituição tem seu planejamento e capacidade orçamentária. Não dá para olhar isoladamente para um pagamento mensal, mas os subsídios são iguais e as gratificações são similares – algumas nossas são até superiores às deles e vice-versa, isso é natural.

Há uma questão histórica de que o Poder Judiciário tem uma estrutura muito maior do que o Ministério Público. Antes do processo eletrônico, em qualquer fórum do interior tinha 1 ou 2 servidores para o MP e o juiz tinha 12 ou 15. Ou seja, a capacidade orçamentária de pagamento do Judiciário é sempre superior à nossa. A Lei de Responsabilidade Fiscal, quando foi criada em 2000, levou em consideração a realidade daquele tempo e conferiu ao Judiciário um limite máximo de gasto com pessoal de 6% da receita do Estado; para nós, eram 2% da receita, de modo que é sempre desafiador, para o procurador-geral de Justiça, manter essa simetria, porque as condições para nós são sempre mais difíceis do que para o Judiciário.

Marcos Aurélio Silva – O Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em que Goiás está enquadrado no momento, é algo que atrapalha o pagamento dos direitos dos membros e servidores do MPGO? O que pode ser feito para resolver essa questão?

O RRF limita o aumento de despesas para todos os Poderes do Estado. A Lei Complementar 159, que é federal, estabelece uma série de limitações, de modo que, de alguma forma, interfere nas escolhas, porque temos de obedecer à legislação. Estamos sob a supervisão de um conselho que é formado, inclusive, por pessoas indicadas pelo governo federal, pelo TCU [Tribunal de Contas da União], pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Então, temos de observas as normas e cumprir o plano de recuperação fiscal, que é onde colocamos as despesas que pretendíamos implantar. Claro, as regras limitam o crescimento da instituição, a criação de novos cargos e benefícios, o que torna tudo ainda mais desafiador, porque queremos que o MP cresça para atender melhor à sociedade. Não podemos ficar parados, apenas aguardando, então vamos tomando todas as medidas possíveis. De tempos em tempos, há uma repactuação do plano e deve ocorrer uma ao fim do ano. Então, nesse momento, o que podemos fazer é estabelecer margens maiores de atuação.

O MPGO não enviou nenhum projeto de lei similar ao que outras instituições enviaram [“fura teto”]

Aline Bouhid – A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) aprovou o chamado “fura teto”. O MPGO vai propor uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) para derrubar a medida, já que não há dinheiro em sobra no caixa?

Ainda não recebemos nenhum tipo de representação quanto a isso. É preciso fazer uma análise jurídica para ver se a atribuição para isso será do MPGO ou do Ministério Público Federal, por conta de essa norma, em tese, confrontar dispositivos da Constituição Federal. Quando há esse confronto direto, há uma atribuição direta do procurador-geral da República para propor a Adin. Precisa, então, ser feita essa análise, mas, deixando claro, ao contrário do que alguns órgãos de imprensa divulgaram, inadvertidamente – talvez colocando todo mundo no mesmo balaio –, o MPGO não enviou nenhum projeto de lei similar ao que todas as outras instituições enviaram. É preciso deixar bem claro isso que, nesse aspecto, não procede esse tipo de projeto, que “copia” essa providência que existe numa lei do Executivo, também do Judiciário, dos tribunais de contas e, ao que parece – não sei se já houve uma segunda votação –, agora também da Assembleia Legislativa.

Marcos Aurélio Silva – Às vezes, uma obra fica parada por anos por conta de providências requeridas por alguns dos órgãos de controle do Brasil, como o Ministério Público. O MPGO pode contribuir para que isso possa ser feito de forma mais racional, sem prejuízo maior ao erário e à própria população? É necessário atualizar as leis que tratam de licitações e outros contratos públicos, de modo que não se travem essas obras?

Acabou de entrar em pleno vigor – depois de dois anos de transição com a antiga – a nova Lei de Licitações e Contratos. Agora, passado esse período, não há opção mais, tem de ser com essa, mesmo, que traz alguns avanços no sentido de tirar certas formalidades e burocracias, que tornavam o procedimento mais lento, ainda que pela boa intenção de proteger o patrimônio público.

Só que essa nova lei não abre tantas possibilidades. Posso dizer isso porque fui subprocurador administrativo durante quatro anos e tratei com esse assunto nesse tempo. Hoje enxergo melhor que, como no nosso caso, mesmo que o poder público tenha plena honestidade e uma equipe capacitadíssima – o que muitas prefeituras certamente não têm –, recursos bem geridos e bem planejados, mesmo assim, até nós enfrentamos dificuldades na prestação de serviços e na construção de obras. É uma interface entre poder público e mercado que, às vezes, é insuperável. Ora, o contrato diz que precisa construir dentro daquele determinado prazo, mas não tem como. Se não tem como concluir, é aplicada a multa. Aplicada a multa, o próximo passo pode ser a rescisão do contrato. Nada disso faz a obra subir. O que o administrador pode fazer? Verificar, punir, mas nada muito além disso. Infelizmente, as circunstâncias econômicas no Brasil também colaboram para essa ineficiência. Notamos isso principalmente nos últimos anos, por causa da pandemia.

Na questão das obras paradas, o que interessa à população é solucionar o problema

No âmbito geral, é claro que existe corrupção, desvios, falta de planejamento e uma série de ilícitos que fogem à questão de observância da lei – é criminalidade mesmo, ato de improbidade, algo intencional. Então, temos de separar o que é com intenção, às vezes criminosa mesmo, do que se tenta fazer da maneira certa, mas as circunstâncias econômicas de instabilidade do País impedem.

O Ministério Público sempre procura atuar com uma orientação ao gestor público para ver o que é possível, quando não é caso de crime ou improbidade, para achar uma solução para destravar obras. Entramos em um projeto nesse sentido, em que vieram recursos do governo federal, para construir escolas e outras obras. O que interessa à população é solucionar o problema e, se a gente puder ajudar a solucionar isso, é o que vamos fazer. Nos últimos anos, abriu-se um grande campo para que atuemos na autocomposição, tanto na área civil como na área criminal. Isso nos deu mais ferramentas para sair daquela coisa engessada, que não resolve o problema. A punição do culpado é importante, mas precisamos atuar nas duas frentes.

No aspecto penal, estamos fazendo muitos acordos de não persecução penal, é uma legislação relativamente nova dentro da história do País nessa área. Temos um programa interessante que se chama Daamp [Destinação Articulada de Acordos do Ministério Público], pelo qual selecionamos uma série de projetos e os promotores de todo o Estado, por meio de um sistema eletrônico, podem direcionar as penas para esses projetos. Por exemplo, ajudamos a construir novas vagas de UTI para o [Hospital] Araújo Jorge. Também ajudamos asilos, reformamos instalações da Polícia Militar, do Instituto de Criminalística. Ou seja, por nossa intermediação, acabamos direcionando esse mal cometido, transmutando-o em um bem para a sociedade.

Aline Bouhid – Existe um boato de que servidores do MPGO estariam ameaçando fazer uma paralisação. Até que ponto isso procede e o que estariam reivindicando?

Os servidores do MPGO, principalmente os efetivos, juntamente com todos os servidores do Estado, de todos os Poderes, sofreram perdas pela inflação, já que não ganharam a chamada data-base durante praticamente três anos. Então, não é um problema do MPGO, mas da administração estadual como um todo, por conta de toda a situação, que inclui, obviamente, o RRF. Entendo que seja uma reivindicação justa, mas que enfrenta essas limitações legais e normativas, bem como também as condições de pagamento do Estado. Temos procurado dialogar e recebi dias atrás representantes do sindicato de nossos servidores. Queremos valorizá-los de outras formas, realizando outras atividades para ter um incremento remuneratório. Também instalamos, recentemente, o centro de treinamento dos servidores, alugamos um prédio próprio para isso e o equipamos. Estamos em negociação, com o governo do Estado, com os demais Poderes, porque agora se aproxima novamente a discussão da data-base, de modo que estamos buscando encontrar uma saída para tentar recompor parte dessa perda que os servidores tiveram no passado. A reivindicação é justa e, dentro das condições administrativas e das possibilidades do Estado, queremos avançar. É importante frisar que o índice da revisão geral anual – ou seja, a data-base – é determinado pelo governador, para todas as categorias – por isso que é geral.

Marcos Aurélio Silva – O MP de Goiás gasta R$ 10 mil reais mensais, há seis meses, com a locação de um escritório de representação em Brasília que estava sem representante nomeado. Até que o sr. nomeou o ex-procurador-geral de Justiça Aylton Vechi para o cargo, para receber R$ 10,6 mil por mês para tal função. Esse cargo foi criado pelo ex-procurador. Foi para ele mesmo?

Quase todos os Ministérios Públicos do País têm escritório de representação em Brasília. Nesse aspecto, nós fomos um dos últimos. Não é, de modo algum, uma “invenção” nossa, pelo contrário, até demoramos. Qual é a necessidade desse escritório? Temos muitos processos nos tribunais superiores – no STJ [Superior Tribunal de Justiça], no Supremo [Tribunal Federal (STF)] –, temos procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), projetos de lei no Congresso Nacional, tudo isso de interesse do MPGO e da sociedade em geral. Tanto em casos concretos que tramitam nos tribunais e que às vezes acabam gerando teses que repercutem em nossa atuação geral, precisamos de um acompanhamento mais próximo. Notamos que grandes escritórios de advocacia, ou mesmo a Defensoria Pública e outros órgãos, têm uma gestão muito mais próxima desses casos, inclusive com interlocução direta com conselheiros, ministros e parlamentares. Esse diálogo direto faz diferença, não adianta achar que só “mandar o papel” será a mesma coisa. Não é.

Conversamos também com outros procuradores-gerais de outras unidades do Ministério Público e que nos confirmaram que isso seria importante. E, voltando à questão da burocracia e das licitações, vocês não imaginam a dificuldade que é para selecionar, alugar e mobiliar um local para esse tipo de atendimento. E não fizemos a nomeação antes exatamente por isto: porque ainda estávamos equipando o escritório. Para ter ideia, pela Lei das Licitações, só depois de alugar é que se pode licitar a internet para o local – e aí se vão mais três ou quatro meses. Da mesma forma, não posso contratar recepcionista, porque tenho de dizer onde será o posto de trabalho em que ela ficará. Enfim, não podemos fazer os processos em paralelo.

Terminamos tudo agora, no início do ano. Como faltava pouco tempo para o encerramento da gestão não fazia muito sentido ele [Aylton Vechi] nomear alguém para começar essa interlocução com vários órgãos e um mês depois sair. Então, coube a mim fazer a nomeação da pessoa responsável, que é assessor direto da Procuradoria-Geral – e é por isso que ele [Aylton Vechi] foi nomeado assessor. Como tenho assessores para várias finalidades – administrativas, institucionais, jurídicas etc. –, tenho também esse cargo, cuja gratificação já existia há anos. Deixei de nomear para outro setor e nomeei para este, de modo que isso não custou nada ao MPGO.

Aylton Vechi é a pessoa ideal para atuar no escritório do MPGO em Brasília

Marcos Aurélio Silva – E por que a escolha do ex-procurador Aylton Vechi para o cargo?

A escolha dele vem, evidentemente, pela experiência, pela capacidade de interlocução, entre outras atribuições. É a pessoa que considerei ideal para que começássemos a atuar nesse escritório em Brasília com o melhor nível que pudéssemos atingir. Ao contrário do que se pode pensar, poucas pessoas que exerceram o cargo de procurador-geral de Justiça teriam a humildade de aceitar uma função de assessoria dentro do MPGO. Isso é muito incomum.

Marcos Aurélio Silva – Em várias cidades, segundo informações dos próprios membros do Ministério Público, houve deposição de coordenadores de promotorias ou a nomeação de coordenador em desrespeito ao rodízio que vigorava desde a gestão de Saulo Bezerra na Procuradoria-Geral de Justiça. Isso ocorrer, por exemplo, em Cidade Ocidental, Goiatuba, Jaraguá, Mineiros, Formosa, Itumbiara, Goianésia, Piracanjuba e Pires do Rio. A impessoalidade é cara ao Ministério Público apenas no controle de atos e nomeações realizadas por Prefeitos ou também é preocupação interna? Não há uma contradição?

Nenhuma contradição. O cargo de coordenador de promotoria é de confiança, de livre nomeação do procurador-geral de Justiça. Esses procuradores-gerais, por vezes, aceitam sugestões de membros das comarcas, sempre nesse aspecto. E também eu aceitei várias. O que não há é uma obrigatoriedade de imposição desse nome indicado, porque os coordenadores de procuradoria também funcionam como “longa manus” [o executor das ordens judiciais, ou seja, “a mão estendida do juiz na rua”] da administração do Ministério Público, de modo que haja um alinhamento no pensamento institucional. Por isso, por vezes as sugestões são aceitas naturalmente e outras vezes, não. Assim também ocorreu nas últimas gestões, não eram todas em que isso funcionava. Na última gestão [de Aylton Vechi] já havia deliberação prévia do procurador-geral. É um processo natural e tranquilo dentro da instituição. E veja como são as coisas: nessas trocas, acabei por nomear mais mulheres. Se eu não tivesse essa liberdade e fosse obedecer esse rodízio, eu não poderia ampliar, porque retiram do administrador o critério de escolha por “n” razões.

Eu não tenho dificuldade com colega nenhum e nunca tive, na minha carreira inteira. Porém, preciso desse alinhamento. Veja como é interessante: eu, segundo alguns, não estaria sendo democrático não atendendo às sugestões; porém, as pessoas que querem impor algum nome estariam sendo democráticas ao retirar minha prerrogativa. É uma inversão de valores, quase incompreensível. O que prevalece dentro do MPGO é o interesse público. Cargo de coordenador não deve servir para rodízio de gratificação. Por isso, o que fiz foi o que, naquele momento, entendi que se alinhava melhor ao projeto institucional para aquela função.

Marcos Aurélio Silva – Quem está de fora assistindo, compreende e até vai concordar com o sr. sobre essa expressão “rodízio de gratificação”. Mas essa questão não cria um clima de politização, jogando um grupo preterido contra o grupo “escolhido” dentro da instituição?

De minha parte, não politizo nenhuma decisão, até por ter consciência de que apenas estou procurador-geral durante dois anos. Como membro, durante 27 anos, sempre acatei com muita tranquilidade todas as deliberações administrativas de todas as gestões, embora sempre guardasse meu posicionamento institucional, como é natural dentro do MP, sobre por onde a gestão deveria caminhar. Isso, ao contrário do que se pensa, é uma riqueza nossa, não um problema. Outras instituições não têm isso. Nós temos um nível mais alto de debate institucional. Isso ajuda a administração, porque tem um contraponto, um pensamento diverso. Sempre gostei de participar da vida institucional do MPGO justamente por isso. Em nossa instituição, enfrentamos com muito mais tranquilidade a crítica e a proposição de caminhos novos. De minha parte, não tenho nenhuma visão nesse sentido. Pode ser que a opinião de alguns seja ainda o rescaldo do processo de escolha do procurador-geral de Justiça, o que eu respeito. Mas, encerrado o processo, temos de caminhar com união. Não podemos jamais que alguma circunstância de ordem pessoal torne isso uma questão institucional, porque não é. Estou no primeiro mês ainda de gestão, talvez alguém tenha criado outras expectativas, isso é do ser humano. Mas creio que estamos amadurecendo.

Aline Bouhid – O maior desgaste de imagem para o MPGO pode ser um vínculo mais forte com instituições as quais deveria fiscalizar. Como o sr. vê esse tipo de situação?

Marcos Aurélio Silva – É uma situação que já ocorre há algum tempo. A gente percebe que existe uma aproximação do Ministério Público com quem está no poder, nas gestões.

Eu desconfio muito de generalizações. O Ministério Público tem de manter um equilíbrio, preservando sua independência e agindo com sua convicção. Isso vale tanto para a instituição em geral como vale para cada promotor em seu município. Ele precisa manter isso com muita isenção e sensatez para analisar os fatos de acordo com a realidade. O MPGO tem de sempre buscar a verdade, é o que move nossa atuação. O Ministério Público não tem ideologia, não tem partido político. O que tem é missão e, para exercitá-la, a principal virtude é a da prudência: qual é o caminho para agirmos e quais os meios que devemos utilizar para atingir os objetivos. Essa independência é inegociável. Isso não impede, no entanto, que dialoguemos continuamente com todos os Poderes, instituições e até particulares – empresas, cidadãos etc.

Em todo conflito que entro para compor, preciso conversar com as pessoas. Seria mais fácil nos fecharmos e fazer requisições e ações judiciais. Porque conversar é mais difícil, já que é preciso se colocar dentro do problema, também. Mas é isso que queremos fazer, porque, quando entramos dentro do problema, influímos positivamente para o resolvermos. E os envolvidos nos respeitam como opinião de interesse público, de interesse da sociedade. Não vejo problema nenhum, então, de dialogar com os Poderes diversos e ter cooperação em vários assuntos. Isso não tolhe nossa ação. Muitas vezes numa comarca, o Ministério Público está processando o prefeito num dia e, no outro, tem de fazer uma reunião com esse mesmo prefeito a respeito de outra questão. Porque o prefeito é o prefeito. Se está no cargo, temos de interagir com ele pelo interesse da população, não importa se, em outra situação, ele esteja sendo investigado por supostamente ter praticado uma irregularidade. Enquanto isso, o MPGO está interagindo.

Quando o governador se dispôs a ouvir um colegiado se construíram grandes soluções

Como promotor no interior, muitas vezes eu conseguia a condenação de um réu às vezes a uma pena alta, até no tribunal do júri. Eram 12, 15 anos de cadeia, fechado. E todos os meses, como obrigação do promotor, eu tinha de visitar o presídio para ver as condições do local. Lá, encontrava essas mesmas pessoas. Nunca tive por parte de nenhum condenado qualquer reação estranha, porque olhavam para mim e pensavam “esse sujeito fez o que deveria fazer, estava lá para me acusar e me acusou”. E também, da mesma forma, pensavam que eu estava ali para ver as condições do presídio, fazendo também meu trabalho.

O Ministério Público está nessa teia de relações, não pode se fechar nem pode ser subserviente, nem perseguir interesses que não sejam o interesse público. Nos últimos tempos, houve um movimento que entendo como positivo, do governo de Goiás, em compartilhar com os demais Poderes e instituições, grandes decisões do Estado. Isso foi um movimento positivo que evitou muitos erros, porque, quando o governador se dispõe a ouvir um colegiado, são opiniões que não correspondem à dele. Isso construiu grandes soluções, principalmente em aspectos legislativos e fiscais, que na prática redundaram em muitos benefícios para a população goiana. Por isso, esse tipo de insinuação não tem correspondência com a realidade. Não há qualquer subserviência, ao contrário: essa relação nos possibilitou influir mais. Se não fôssemos chamados, influiríamos menos, a opinião de um órgão independente contaria menos. Então, se para alguém que está de fora possa passar essa impressão, posso assegurar que, de nossa parte, a independência é exercida de forma total. Jamais senti qualquer tipo de constrangimento para a atuação do Ministério Público.

A lista tríplice é uma conquista que o MPF adoraria ter

Marcos Aurélio Silva – A questão da lista tríplice para a PGR voltou à pauta, com a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que não seguirá a sugestão da classe dos procuradores do MPF. O que o sr. pensa sobre esse tema?

Precisamos aqui fazer uma diferenciação entre os Ministérios Públicos dos Estados e o Ministério Público Federal. Nesse aspecto, a legislação dos MPs estaduais é mais evoluída, já que há uma eleição oficial prevista pela lei orgânica de cada Ministério Público, como aqui em Goiás, em que se elege uma lista tríplice a ser apresentada ao governador para que ele faça a escolha. Ou seja, o governador tem a prerrogativa de escolher seu nome preferido, mas os três dessa relação apresentada pela classe. É um sistema que procura compor a expressão da vontade da classe com a deliberação de quem recebeu o mandato popular e creio que foi uma solução boa, que defendemos que permaneça.

Já em âmbito federal, isso não foi colocado na Constituição. O presidente da República pode escolher qualquer membro do MPF para ser seu PGR. Não existe lista tríplice no âmbito federal. O que passou a ocorrer foi que a associação dos procuradores [Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)], que é uma entidade privada, faz uma eleição extraoficial e tira ali três nomes daquela entidade. Então, essa associação privada leva esses nomes ao presidente e sugere que escolha um deles. É algo completamente diferente. O presidente não é obrigado a escolher nenhum dos três, pode escolher qualquer membro. E, portanto, o que haverá são circunstâncias políticas e institucionais que vão prevalecer. Mas já houve uma evolução, porque antes da Constituição o presidente poderia escolher qualquer pessoa, inclusive que não fosse procurador da República. O ministro Sepúlveda Pertence, quando ocupou o cargo durante o governo do presidente José Sarney (1985-1991), não era membro do MPF. Nossas leis estaduais melhoraram ainda mais esse princípio: tem de ser de dentro do MP e um dos três da lista que foi apresentada pela classe. A lista tríplice é uma conquista que o MPF adoraria ter, mas que não conseguiu ainda colocar na Constituição.