Centro precisa de um candidato como Joe Biden para derrotar os “radicais” Lula e Bolsonaro
11 abril 2021 às 00h00
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Desgaste do presidente é responsável pela ascensão de sua contradição, o líder do PT. Mas o centro pode tirar um deles do páreo
“Fracassar em algum momento da vida é inevitável, mas desistir é imperdoável.” Joe Biden
Numa entrevista à revista “Veja”, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco — que surpreende pelo equilíbrio —, diz que está cedo para discutir a eleição de 2022. De fato, dada a pandemia do novo coronavírus, o país deve mesmo priorizar o debate sobre como salvar vidas. Mas não é assim que funciona o mundo real. As pessoas fazem uma coisa e não deixam de fazer outra. Portanto, se alguém disser que está cedo para discutir 2022, sobretudo por causa da Covid-19, desconfie: todos os políticos estão discutindo 2022 e, se brincar, até 2026.
Entre as reportagens mais lidas dos jornais e revistas estão aquelas que apresentam resultados de pesquisas de intenção de voto — os levantamentos quantitativos. Noutras palavras, os leitores-eleitores, assim como os políticos, estão atentos ao pensamento médio, o que é definido pelas pesquisas, dos brasileiros.
As pesquisas de intenção de voto para a disputa do governo de Goiás circulam, por enquanto, nos bastidores. Repórteres do Jornal Opção tiveram acesso a duas, feitas este ano. Ambas mostram o governador Ronaldo Caiado, do partido Democratas, bem na frente, descolado dos demais “postulantes”. É o favorito absoluto e os dados indicam que os eleitores não percebem que há um candidato para polarizar. Curiosamente, o segundo e o terceiro colocados numa delas, os senadores Jorge Kajuru, do Cidadania, e Vanderlan Cardoso, do PSD, não pretendem ser candidatos. O quarto colocado é o ex-deputado federal Daniel Vilela, presidente do MDB. Gustavo Mendanha, do MDB, Kátia Maria, do PT, Marconi Perillo (o mais rejeitado), do PSDB, e Jânio Darrot, do Patriota, disputam a lanterninha. Mas uma pesquisa qualitativa sugere que Gustavo Mendanha, prefeito de Aparecida de Goiânia, tem potencial de crescimento. Há uma expectativa em torno dele.
Jair Bolsonaro e Lula da Silva
Se as pesquisas em Goiás são para “consumo interno”, até porque, a rigor, só há um candidato definidíssimo — Ronaldo Caiado (uma qualitativa sugere que “seu” leitor tende a não mudar o voto, ou seja, vai continuar com ele. Vale sublinhar que sua força advém do fato de ser considerado “decente” e de se “preocupar com gente” —, as pesquisas sobre o quadro nacional estão sendo divulgadas por jornais e revistas. São, em geral, do instituto Paraná Pesquisas e da aliança XP-Ipespe.
Neste momento, há um empate técnico entre o presidente Jair Bolsonaro, sem partido, e Lula da Silva, do PT. O dado a reter, a partir da última pesquisa XP-Ipespe, é que o petista está em ascensão e o chefe do Executivo federal está estagnado. A rigor, os dois têm forte capital eleitoral.
O encontro de Bolsonaro com um grupo de empresários recentemente diz respeito à governabilidade, à questão da vacinação e à recuperação da economia (sobre o ministro Paulo disse: “Estou casado com Guedes. Se ele for embora, vou pedir pensão alimentícia”). Mas o presidente, ao conversar com a turma do PIB, também foi empurrado por outra motivação.
Na disputa de 2018, irritados com o governo de Dilma Rousseff, que provocou uma grave crise econômica, os empresários pularam para a arca eleitoral de Bolsonaro — o que fez a diferença na campanha. Agora, ante nova crise e com a possibilidade de Estados Unidos e Europa fecharem as portas para o Brasil — por causa da questão ambiental (o país se tornou um pária global) —, os empresários, parte significativa deles, aceitam até mesmo a volta de Lula da Silva, ainda que tenham mais interesse em apostar num candidato de centro, como Luciano Huck, Luiza Trajano, João Doria (ou Eduardo Leite), Luiz Henrique Mandetta ou, até, Ciro Gomes (que tem voto na esquerda. O paulista do Ceará poderia se tornar uma espécie de Lula da Silva, o de 2002).
Por mais desastrada que seja sua condução do combate à pandemia da Covid, Bolsonaro é um político experiente. Por isso sabe que está perdendo votos num eleitorado que era “seu” — o empresariado. Sozinhos, os empresários não definem uma eleição, mas influenciam a sociedade, criando um efeito piramidal, de cima pra baixo.
As classes médias — que em geral são definidas como “moralistas” e “ressentidas” com os políticos tradicionais — aos poucos estão perdendo o encanto com Bolsonaro. Eleitores das classes médias sugerem que não vão votar em ninguém, mas acabam votando naqueles candidatos que são mais críveis quando dizem que vão combater a corrupção e melhorar o poder de consumo da sociedade.
Parte significativa do antipetismo — e do anti-Lula da Silva — deriva das classes médias, e não do povão (que se considera beneficiário dos programas sociais dos governos do PT). Bolsonaro corre o risco, portanto, de perder o apoio dos empresários — muitos já querem distância de seu governo — e das classes médias.
A tendência é que Bolsonaro e Lula da Silva tenham, cada um, 30% dos votos. Entretanto, no segundo turno, vão precisar de um plus. Quer dizer, têm de conquistar um eleitorado que “não” é deles. Se persistir radicalizado, falando para seu nicho — os eleitores ditos bolsonaristas —, Bolsonaro não “acessará” o eleitorado que “não” é de ninguém. Tal eleitorado pode fazer uma escolha racional, pensando no bem das pessoas e do país.
Para tal eleitorado, Bolsonaro não tem um discurso adequado. Ao procurar os empresários, chegando a garantir que Paulo Guedes está forte — o que não parece —, o presidente sugere que começa a fazer política para além do “gueto radical”.
É imperativo sublinhar que Lula da Silva, embora não tenha o poder de quem tem a caneta — ainda com 35% de tinta —, chegou “primeiro”. Numa retomada do projeto de 2002 — o que atraiu o empresário José Alencar, da Coteminas —, o petista está buscando apoio do eleitorado de centro. Por dois motivos. Primeiro, para impedir a ascensão de um candidato de centro. Segundo, para fisgar um eleitorado que, no geral, não está satisfeito com Bolsonaro e está, digamos, “solto”.
Diferença entre Lula e Marconi Perillo
Um político que passou ou passa por grande desgaste, como Marconi Perillo e Lula da Silva, tem chance de voltar ao centro do palco?
A recuperação da imagem de um político não depende tão-somente de si próprio, de como os eleitores vão passar a avaliá-lo. Sobretudo, a recuperação depende de outros políticos. Portanto, há uma diferença entre Marconi Perillo e Lula da Silva.
A ascensão de Marconi Perillo, de imediato, depende do desgaste da imagem de Ronaldo Caiado como gestor e, daí, como político. Ocorre que o governador continua bem avaliado. O eleitorado o percebe como “fator de estabilidade”, crucial numa crise como a atual, e o aponta como “decente”, o que é a questão seminal que aglutina eleitores de várias posições políticas e ideológicas. (Vale sublinhar: uma pesquisa qualitativa sugere que os eleitores avaliam que políticos que investem mais em obras do que em melhorar a qualidade de vida das pessoas — os serviços de natureza pública — são mais propensos à corrupção.)
Então, a avaliação positiva de Ronaldo Caiado reforça a avaliação negativa de Marconi Perillo (cujo discurso básico é sobre “obras”). Um possível retorno do tucano-chefe vai depender, no futuro, do desgaste político e administrativo de seus oponentes.
Com Lula da Silva, ocorre o oposto. O desgaste de Bolsonaro é o grande “eleitor” do petista. Paradoxalmente, é o político de direita que está contribuindo para ressuscitar o político de esquerda. Há também a possibilidade de Bolsonaro “manchar”, de maneira indelével, a imagem de toda a direita ou as direitas. Hoje, a direita é vista como “bárbara”, como “mensageira da morte”. Há uma direita melhor, sem dúvida, mas, no lugar de fazer a crítica de Bolsonaro, procura defendê-lo naquilo que é indefensável. O defende unicamente porque é contra a esquerda.
A intelligentsia red do PT deve ficar atenta a uma questão. Se o desgaste de Bolsonaro diminuir — por exemplo, se a vacinação for ampliada e a economia voltar a crescer (o consumo costuma elevar a popularidade de gestores) —, a popularidade de Lula da Silva pode cair.
Há dois “problemas” a discutir. Se Bolsonaro retomar eleitores de Lula da Silva, contribuindo para seu esvaziamento, há a possibilidade de um candidato de centro ascender. Se Lula da Silva “sugar” mais eleitores do presidente, o centro também pode “ressurgir”.
Por isso não se pode garantir, a partir dos dados de hoje, que Lula da Silva e Bolsonaro vão, necessariamente, disputar o segundo turno em 2022. Um deles pode ficar fora da finalíssima.
O “problema” é que não tem nenhum postulante tão conhecido quanto Lula da Silva e Bolsonaro. Daí a polarização. O que o centro deve fazer?
Huck, Ciro, Mandetta, Leite e Doria
Pesquisas sugerem que os eleitores prestam atenção em dois ou, no máximo, três candidatos. Os demais passam “batidos” — não são avaliados. A tendência é que se preste atenção nos mais radicalizados — naqueles que parecem “exigir” o outro. Fica-se com a impressão de que, para os eleitores, a disputa política é como uma luta de boxe ou de MMA, quer dizer, entre duas pessoas. Os demais são coadjuvantes.
Há vários pré-candidatos de centro — Luiz Henrique Mandetta (há quem diga que parece o genro ideal, mas sem força vital para enfrentar pesos-pesados como Lula da Silva e Bolsonaro), Ciro Gomes, Eduardo Leite, João Doria e Luciano Huck —, mas nenhum deles se destaca, ao menos no momento.
Luciano Huck é visto como um político não-político que pode agradar todos os setores da sociedade. Luiza Trajano seria uma vice ideal. Entretanto, se a chapa tem um não-político, é preciso ter um político profissional para fazer as costuras entre possíveis aliados. A vantagem dele é ser conhecido de todo mundo. Seria um nome mais fácil de ser trabalhado, numa campanha de 45 dias. Pois o candidato que quiser se tornar conhecido em pouco mais de um mês terá dificuldade para ser aprovado pelos eleitores.
Ciro Gomes é político, mas, com seu jeitão de Bolsonaro da esquerda, também passa a impressão de não ser político. Se conquistar o apoio do centro, formatando uma aliança com Luciano Huck ou com Eduardo Leite (ou João Doria), talvez tenha alguma chance de se aproximar de Lula da Silva e Bolsonaro — os Lewis Hamilton do momento — e até ganhar a eleição. Suas vantagens é que tem presença no eleitorado da esquerda não-petista e é conhecido.
O fato de criticar tanto Lula da Silva quanto Bolsonaro sinaliza que Ciro Gomes está tentando se colocar como a principal alternativa à direita bárbara e à esquerda que se corrompeu. Se seu discurso pegar, pode se tornar o grande nome da esquerda mais centrista.
Os governadores tucanos Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, e João Doria, de São Paulo, têm potencial. Mas ainda estão distantes dos eleitores patropi. Eduardo Leite tem boa estampa, fala bem e talvez seja mais palatável do que o gestor paulista. João Doria precisa ser menos “almofadinha”.
A hora do Joe Biden tropical
A direita tem outro nome, além de Bolsonaro. Trata-se de Sergio Moro. Mas parte das elites, inclusive com apoio no Supremo Tribunal Federal, decidiu “liquidá-lo”. Porque, como magistrado e com o apoio de procuradores da República, na Operação Lava Jato, investiu, com rara coragem, competência e método, contra a secular rede de impunidade dos muito ricos. Agora querem “exemplá-lo” para que outros juízes e procuradores não sigam pelo mesmo caminho. Os donos do poder, diria Raymundo Faoro, se “derrotarem” Sergio Moro, e tudo indica que vão derrotá-lo, poderão dizer: “Vencemos mais uma vez”. A vitória contra o ex-ministro deriva do poder dos que entendem o que o escritor siciliano Tomasi di Lampedusa pôs na boca de um personagem, Tancredi, no romance “O Gattopardo” (página 57, na ótima tradução de Marina Colasanti): “Se nós não estivermos presentes, eles aprontam a república. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. No Brasil criou-se a ilusão da mudança, com o “fim” da impunidade dos poderosos, mas, quando a mudança parecia consolidada, o establishment, inclusive com o apoio de parte da imprensa e da esquerda, começou a desmoralizá-la.
O livro “Joe Biden” (Agir, 249 páginas), do jornalista Evan Osnos, contém um subtítulo tão longo e tedioso quanto o presidente dos Estados Unidos: “A vida, as ideias e os desafios do presidente da nação mais poderosa do mundo”. Por que Biden venceu? Parece fácil de responder: porque os americanos não queriam mais um presidente tão reaça quanto Donald Trump. Explica tudo? Não. Um ex-auxiliar de Barack Obama disse: “Este país precisa baixar a bola e ter um presidente tedioso”.
Há, pois, um Biden para o Brasil? Há. Trata-se de Fernando Henrique Cardoso, que fará 90 anos em julho e não tem mais como disputar eleição para presidente. Mas o país precisa de um político com sua serenidade para enfrentar tanto Bolsonaro quanto Lula da Silva.
Os americanos, mais do que derrotar Donald Trump — por sinal, muito bem votado —, queriam um presidente que, embora com quase 80 anos, fosse capaz de promover uma recuperação moral dos Estados Unidos. O país só não se tornou um pária internacional porque é o mais rico do mundo e, por isso, quase todos dependem, em alguma medida, dele. Internamente, com as manifestações antirracistas, o republicano não percebeu, mas o democrata captou a mensagem. Por trás da crise gerada pelas mortes de negros, sob o poder abusivo da polícia, havia uma crise mais profunda. De alguma maneira, Biden se tornou um porta-voz dos novos desejos coletivos, quer dizer, da recuperação moral do país de William Faulkner e Joyce Carol Oates.
O Brasil talvez precise de um Biden, mas ele não ainda não nasceu. Mas há tempo para gerá-lo. Ciro Gomes tem condições de “baixar a bola” — de segurar a língua, verdadeira víbora — e se tornar mais palatável? Talvez sim. Talvez não. Ser “franciscano” não combina com sua personalidade de “templário”.
Há um “eleitorado” que terá peso na disputa eleitoral. São os prováveis 500 mil mortos — já morreram 350 mil pessoas. Mesmo sem poder votar, “podem” derrotar Bolsonaro.