O projeto de lei que aplica a tese do Marco Temporal, pela qual só teriam direito à terra os povos indígenas que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, está previsto para ser julgado no Supremo tribunal Federal nesta quarta-feira, 7. A tese, que desconsidera o histórico de expulsões, remoções forçadas e violências cometidas contra essas populações.

Esta é a preocupação de Eunice Tapuia, professora mestra em Ciências Sociais e liderança indígena. Ao Jornal Opção, Eunice afirmou que os povos indígenas de todo o Brasil estão apreensivos com a tramitação do projeto de lei, que, segundo ela, não leva em conta povos expulsos de suas terras e que não estavam em seus territórios em 1988 devido a uma série de violências.

“O momento é de grande apreensão, nossos povos já passaram por muitos massacres durante toda a história e agora estão tentando nos expulsar, mais uma vez, de nossas terras. Muitos povos originários não estavam em suas terras em 1988, não porque não queriam estar lá, mas porque sofreram perseguições e foram expulsos de forma violenta”, argumenta.

Segundo a professora, a decisão pela aprovação do novo Marco Temporal é um retrocesso ao tempo colonial, onde a violência e a falta de direitos dos povos originários era algo comum. Para ela, esse debate já tinha de ter sido superado a muito tempo.

“A sociedade brasileira tem evoluído ao longo dos anos, essas questão já tinha de estar superadas, mas por que cometem as mesmas violências de 500 anos atrás? Infelizmente, a gente espera que o pior não aconteça, lideranças do brasil inteiro estão indo para Brasília, vão estar presentes, atentos a tudo e a nossa luta não vai parar”, afirma Eunice.

Mobilização

Povos indígenas de várias regiões do país estão acampados na Esplanada dos Ministérios, em uma mobilização contra o PL 490, conhecido como PL do Marco Temporal. De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), nos próximos dias, o grupo promoverá mobilizações com o tema “pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já: Não ao Marco Temporal”.

Indígenas de todo o Brasil protestam em Brasília. | Foto: Agência Brasil.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados cria um “marco temporal” para as terras consideradas “tradicionalmente ocupadas por indígenas”, exigindo a presença física dos povos originários antes da Constituição. Conforme o PL 490, a interrupção da posse indígena ocorrida antes deste marco, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada. A exceção é para caso de conflito de posse no período.

O projeto de lei também:

  • Proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas
  • Flexibiliza o uso exclusivo de terras pelas comunidades e permite à União retomar áreas reservadas em caso de alterações de traços culturais da comunidade
  • Permite contrato de cooperação entre índios e não índios para atividades econômicas
  • Possibilita contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”

O texto ainda abre caminho para a mineração em terras indígenas. Segundo o parecer do relator, o usufruto dos índios não abrange, por exemplo, o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, a garimpagem, a lavra de riquezas minerais e “áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União”

Tramitação

A discussão sobre o texto voltou ao Congresso depois que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, pautou uma ação que trata do tema a próxima quarta-feira, dia 7 de junho.

Para se antecipar a uma decisão do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prometeu à bancada ruralista colocar em plenário a votação do projeto, para que os parlamentares se pronunciem sobre o assunto.