Drácula, um ícone do imaginário popular, transcendeu as páginas do livro de Bram Stoker, lançado no fim do século XIX, para se tornar um fenômeno cultural presente em filmes, desenhos animados e histórias em quadrinhos. Agora, sua história ganha novos contornos com o lançamento de “D. e o Procurador”, obra escrita por Fauno Mendonça. Natural de Goiânia, o escritor explora um lado mais humano do famoso personagem vitoriano.

Neste livro, o autor leva o leitor à explorar o passado do conde antes de seu encontro com Jonathan Harker. Em sua busca para reencontrar sua amada Elisabetha, Drácula contrata o procurador Connor Burke para adquirir imóveis. Através dessa relação, os dois iniciam uma troca de cartas, mergulhando em reflexões sobre conflitos existenciais e explorando as experiências do passado.

Situado na Era Vitoriana, o romance de Fauno Mendonça se destaca não apenas pela trama envolvente, mas também pela meticulosa pesquisa realizada pelo autor para retratar o complexo contexto social, econômico e político da época. Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o autor conta como construiu a história e os personagens.

“Eu conto essa história antes do Connor ir ao encontro para comprar esses imóveis que ele precisava. Só que ele começou a descobrir quem era o Drácula e ficou com medo, pensando ‘eu não posso ficar segurando essa bomba atômica na minha mão’. O Connor , que é um personagem extremamente importante na obra, começa a fazer questionamentos em relação às virtudes e ao aspecto econômico e social da Inglaterra”, explica Fauno sobre a obra.

Antes da famosa história de Drácula, eternizada como um dos grandes arquétipos do vampirismo, o personagem contrata o procurador Connor Burke para comprar imóveis na Inglaterra e ajudá-lo a reencontrar a amada Elisabetha. Estes fatos não estão no livro de Bram Stoker – eles ocorrem no enredo inédito criado por Fauno Mendonça em D. e o Procurador. Nele, os fãs do ser imortal e até aqueles que nunca tiveram tanto contato com o clássico podem se aprofundar no passado de um dos maiores símbolos da literatura mundial.

O escritor explica que a Inglaterra e a Irlanda tinham, naquele período, uma rivalidade muito grande. “A Inglaterra estava tomando conta da Irlanda e isso causou uma grande fome. Então, todo esse aspecto histórico entre os dois países em relação ao Procurador tem uma relevância muito grande. Assim, tanto o Connor quanto o Drácula tiveram que descobrir qual era o propósito”.

A obra traz perspectivas pouco exploradas do conde da Transilvânia, como pensamentos íntimos, um antigo amor e experiências na Ordem do Dragão, instituição cristã responsável por defender os ideais religiosos e batalhar contra os turcos-otomanos. Mas, apesar de ser a figura central que movimenta os acontecimentos da trama, é o leitor que escolhe quem será o personagem principal. Isso porque Connor Burke também assume o protagonismo e vai apresentar os contextos da era vitoriana, ao passo que entra em conflito com os próprios sentimentos e pondera sobre dilemas nacionalistas.

Mais sobre a história

O procurador irlandês viaja até o castelo de Drácula para prestar contas sobre os imóveis adquiridos. Ele não sabe a verdadeira intenção do nobre misterioso, mas tornou-se seu representante oficial. Apesar de reconhecer os perigos de aceitar a ocupação, o homem permanece nesta missão e começa a desvendar enigmas no país estrangeiro. Enquanto cumpre com a promessa feita ao vampiro, imerge em uma profunda introspecção para buscar um sentido na vida e se reconectar com as origens.

“Quando o Connor encontra com o Drácula, ele percebe que não queria mais ter o vampiro como cliente. Então, ele procurou outro procurador, um mais velho, pensando que esse procurador não iria até a Pensilvânia. Só que esse procurador indicou o Jonathan Harke, que era uma pessoa jovem, com toda disposição para ir lá. Quem ler o meu livro vai compreender perfeitamente que a história narra, obviamente, dentro do mundo da ficção, de uma maneira bem atenciosa”, pontua Fauno.

A viagem aos Cárpatos se tornou menor diante de tantas notícias severas que recebera em um espaço de tempo tão curto. De qualquer forma, ele estava convicto de a vida ser impositiva e não admitir ser detida. Ela segue o fluxo do tempo, e o tempo não para. (D. e o Procurador, p. 108)

De maneira linear, o livro alterna as narrativas entre primeira e terceira pessoa: uma é utilizada para incluir as reflexões do conde, um ser orgulhoso que precisa falar sobre si mesmo; e a outra descreve as vivências do protagonista e a necessidade dele de fugir do vazio existencial. “Demonstro com maior clareza que Drácula tem um lado humano tal qual um homem comum que procura felicidade, amor e paz. Usando o Connor, mostro que todos devem ter um propósito de vida. Inclusive, o conde, por ser uma criatura antiga e mais sábia, dá ensinamentos ao procurador para ele encontrar seu caminho”, explica o escritor.

Além de aprofundar os aspectos psicológicos dos personagens, Fauno Mendonça destaca as culturas locais que atravessam da Irlanda à Romênia. Ele ainda se aprofunda nos problemas políticos, sociais e econômicos existentes na Europa no final do século XIX, ao tratar sobre os conflitos entre a Ilha da Esmeralda e a Inglaterra, que culminou na Grande Fome e na imigração de irlandeses para os Estados Unidos; a batalha da Ordem do Dragão contra o Império Otomano; e as diferenças entre a era industrial no Reino Unido em comparação com o leste europeu.

“É como se o meu livro fosse um capítulo de Drácula e o contexto pré-histórico fosse um segundo capítulo. O Drácula é uma obra espitolar, não tem narrativa, então tentei usar a linguagem daquele período e manter todo esse padrão. Falo muito sobre a importância da era vitoriana e as consequências desse período para o mundo”, finaliza Mendonça.

Com uma ficção de atmosfera gótica, o escritor narra fatos anteriores aos percalços vivenciados por Drácula com a chegada de Jonathan Harker no castelo da Transilvânia e reflete sobre as origens de personagens que não haviam sido desvendadas por Bram Stoker. Mas D. e o Procurador extrapola os limites deste mundo de terror e suspense porque adentra em dilemas atemporais das nações e destrincha as contradições inerentes dos seres humanos.

Capa do livro “D. e o Procurador”.| Foto: Divulgação

Sobre o autor

Fauno Mendonça nasceu em Goiânia, em 1968, e formou-se em Direito na década de 1990. Trabalhou por anos como advogado e atualmente atua no Poder Judiciário, em Brasília. Como escritor, publicou cinco livros: “A Busca dos Loucos”, “Ao Norte do Silêncio”, “Encontre-se”, “Bragof” e D. e o Procurador. A publicação “Encontre-se” também está disponível no formato de audiolivro.

“A literatura surgiu desde sempre em minha vida, não somente lendo os clássicos, mas, principalmente, lendo as pessoas, o mundo e suas intempéries. Aos 35 anos, escrevi meu primeiro livro: A Busca dos Loucos, tendo seu lançamento ocorrido alguns anos depois. O livro, de complexa introspecção, foi escrito fora dos padrões lineares, mas tem início, meio e fim”, explica Fauno.

Depois de mais de uma década sem produzir, o autor lançou “Encontre-se”, um livro de ensaios que oferece aos leitores a oportunidade de explorar a vida sob várias perspectivas e buscar soluções viáveis. Em 2017, o desejo de escrever “D. e o Procurador” surgiu, um livro imerso em valores nobres da existência humana, inspirado na icônica obra “Drácula” de Bram Stoker. Na obra, o autor buscou exaltar os sentimentos verdadeiros dos protagonistas.