Em uma casa simples localizada no Setor Universitário, em Goiânia, dezenas de pessoas buscam auxílio espiritual, uma tradição que começou há mais de 50 anos com Vó Erotildes. A benzedeira nascida na Machorra, “antigo Campo da Força” na cidade de Goiás, é descendente direta de escravos e trabalhou para a família do então prefeito de Goiânia, Hélio Seixo de Brito. Responsável pelo zelo espiritual da família do político, Erotildes do Carmo, chamada pela família de Tildes, passa a ocupar um pequeno lote no Setor Universitário, e em sua casa começa a realizar rezas, benzimentos e atendimentos a partir de saberes ancestrais.

O ritual do Fecha Corpo. Foto: Lívia Barbosa/divulgação

Após sua morte, há quase 10 anos, coube a um dos médiuns da Casa, Zelismar Pereira, dar continuidade ao trabalho espiritual na Casa Espírita São Miguel Arcanjo. O nome “Casa Espírita” é comum aos terreiros de umbanda mais antigos, que eram assim designados devido à maior facilidade de aquisição de documentação, e para driblar o preconceito com as religiões afro-brasileiras. Atualmente, o padrinho Zelismar, como é conhecido, conduz os trabalhos ao lado de Maria de Lurdes, conhecida carinhosamente como madrinha Ester.

“Vamos seguir com a missão dada pela Vó até quando a espiritualidade permitir. Todos os ensinamentos, forma de atendimento, trabalhos e rituais foram ensinados por ela e nosso trabalho é preservar e ensinar esses saberes. A umbanda não tem um livro, uma bíblia por exemplo, então a oralidade e o exemplo são passados dos mais antigos para os mais novos”, explica Zelismar.

Tradição de piso de terra. Foto: Lívia Barbosa/ divulgação

A Casa preserva, entre suas muitas tradições, o piso de terra. Na verdade, trata-se de areia do mar em homenagem a Iemanjá. No altar, as sete linhas de umbanda estão presentes, com imagens de orixás e de entidades como pretos velhos, caboclos e boiadeiros. O sincretismo religioso, uma das marcas da Umbanda — religião que nasceu no Brasil — está presente a todo o momento. Nas orações feitas durante as reuniões e no altar com a imagem de Jesus Cristo e de São Miguel Arcanjo.

“A Umbanda respeita, acolhe e dialoga com todas as religiões. Nossa Casa está aberta a todas as pessoas, e o único intuito da verdadeira Umbanda é a caridade. Hoje temos visto muitas pessoas usando a fé para fins egoístas, mas acreditamos que o respeito aos saberes antigos indicam o caminho que devemos seguir, tratando das pessoas e zelando do sagrado”, defende o dirigente da Casa.

Fecha Corpo


Realizado durante a semana santa, na quinta-feira, o ritual do Fecha Corpo é seguido à risca pela Casa São Miguel Arcanjo, a exemplo de outros centros antigos. Trata-se de uma bebida preparada pelos médiuns da Casa a partir de uma lista de dezenas de ervas ditadas pela entidade Pai João, repassadas ao dirigente Zelismar. Após a reunião dos itens, os médiuns se reúnem e fazem a preparação que inclui vinho branco e pinga para a conservação das ervas.

“O Fecha Corpo é um remédio que a espiritualidade nos passa para a proteção. É uma tradição muito antiga, que sobrevive nos terreiros, e que resguarda a sabedoria do povo em utilizar as ervas. Porque não basta juntar ervas, tem que ter a sabedoria e a proteção dos antigos para que o resultado seja a proteção e abertura de caminhos de quem toma aquela colherzinha de Fecha Corpo”, explica Zelismar.

O Conselho de Umbanda do Estado de Goiás (Cuego) prepara uma grande procissão em homenagem aos Pretos Velhos, partindo da Casa São Miguel Arcanjo em direção à Praça Cívica, que será realizada no primeiro domingo de Maio. A procissão também é uma homenagem à Vó Erotildes, que realizava procissões pelo bairro. A iniciativa deve reunir terreiros de Goiânia, Aparecida e cidades da Região Metropolitana.