Em reportagem especial publicada pelo jornal O Globo neste domingo, quatro psicanalistas – de São Paulo, Rio e Salvador – deram seu diagnóstico em uma imaginária ida do Brasil ao divã neste período pós-eleições. Como resposta, os seguintes “laudos”: uma criança em meio a uma separação litigiosa dos pais; um ser cindido, em quadro de psicose, com um lado delirante e outro satisfeito com a realidade; um alguém não exatamente desprovido de memória, mas condicionado a cultivar esquecimentos; ou, por fim, um indivíduo contrapondo a fantasia do “bem total” ao “mal radical”.

Em comum todos diagnosticaram, um Brasil-paciente partido ao meio, com traumas centenários por resolver, mas também com oportunidade singular de se olhar no espelho e melhorar de fato após bons anos de “terapia”.

Veja abaixo uma parte do diagnóstico feito pelos quatro profissionais na reportagem de O Globo:

“Observo no Brasil um quadro de psicose, com um lado delirante e outro satisfeito em relação a um mesmo evento, as eleições. Em um desses lados, constata-se fenômeno muito conhecido, no qual se deposita tudo em um “mito”, um poder, um saber, uma onisciência sobrenatural que oferece um sentimento de irmandade, de pertencimento. Mas, quando esse mito cai, abre-se um vácuo, reza-se na frente de quartel em busca de um novo salvador. Se uma parte do paciente se fecha e passa a odiar a outra, o resultado será a desagregação. O amor é a chave que nos permite reduzir, enfrentar e superar nossas diferenças. Se os afetos são manipulados pela política, que os sejam através do amor.”
Vera Iaconelli, doutora em psicologia pela USP e diretora do Instituto Gerar de Psicanálise

“É central perceber onde o Brasil errou. Mas a retomada só será possível após se superar a convicção delirante de que quem errou foi o outro, posição egoica que aparece quando a raiva domina. Precisa-se passar por um período de luto, aceitar que a casa caiu para os dois lados — quem perdeu a eleição embora convicto de que iria ganhar, mas também os que viram metade do paciente optar por algo genocida, golpista, autossabotador. Esta dupla derrota pode levar o paciente a não evocar mais culpas e sim reconstruir experiências. É O Brasil tem que aprender a desejar de novo, a mirar novos horizontes, a não apenas fugir do desprazer mas ser capaz de amar novamente. Não vai ser fácil, mas só assim conseguiremos crescer.”
Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP

“O paciente não pode mais jogar as tragédias para debaixo do tapete. Precisa encarar seus traumas, o genocídio dos indígenas, o holocausto dos negros. Precisa enfrentar seu “complexo de mazombo”, deixar de ter vergonha de sua origem, superar o recalque. O Brasil é um paciente dividido. Mas está partido há tempos, o que se vê agora são sintomas. Não podemos enxergar em metade da população milhões de racistas e misóginos. Nem tirar conclusões precipitadas, mas ouvi-lo, escutá-lo por inteiro.”
Teresa Palazzo Nazar, médica psicanalista da Escola Lacaniana do RJ

“É possível que estejamos nesse momento: radicaliza-se para defender-se de uma fragilidade no pensar e no agir. A oposição é vivida como insuportável em variados ambientes: família, amigos, trabalho, escola. É necessário saber suportar e até perceber o quanto essa divisão está sendo estimulada: a do “bem radical” versus o “mal radical”. A psicanálise não apazigua, trabalha na direção do enfrentamento com a verdade singular, a de cada um, contrariando muitas vezes as expectativas. É importante considerar que a dualidade, o sistema binário, necessita caminhar em direção ao terceiro, à trindade, como apontava Santo Agostinho. O sistema binário é empobrecedor. Não creio que essa divisão se prolongue. O Brasil guarda em seu nome a força da natureza: Pau Brasil. E ela nos transmite sabedoria.”
Urania Tourinho-Peres, psicanalista doutora pela UFBA, membro da Academia de Letras da Bahia

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