Um bom momento para ser um ditador

19 novembro 2016 às 10h51

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Presidente turco espera ter uma boa convivência com Donald Trump, que já o elogiou publicamente

Poucos dias depois da tentativa frustrada de golpe na Turquia, em julho, o então candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, expressou (como sempre) uma inesperada reação sobre a forma como o presidente turco Recep Taypé Erdogan conseguiu conter a revolta. “Dou muito crédito a ele por ter virado o jogo”, disse Trump na época em uma entrevista ao jornal americano “The New York Times”.
O elogio foi como um bálsamo para Erdogan, que até hoje é severamente criticado pela União Europeia e os Estados Unidos pela repressão que culminou com a prisão de milhares de pessoas, entre elas seus rivais políticos e jornalistas. Na mesma entrevista Trump falou também sobre o desrespeito aos direitos humanos na Turquia, e acabou fazendo uma comparação com a atual situação nos Estados Unidos: “Eu acho que agora, quando falamos de liberdade civil, nosso país tem um monte de problemas nesse campo, o que torna muito complicado o nosso envolvimento em assuntos parecidos, de outros países, quando não consguimos sequer lidar com os mesmos problemas em nosso quintal”, disse Donald Trump na mesma entrevista. “Temos problemas sérios por aqui quando vemos policiais sendo assassinados em nossas ruas.”
A fala do então candidato é muito parecida com o discurso de Erdogan quando tratou do mesmo assunto na Turquia. Até mesmo as críticas feitas à União Europeia e à administração americana de Barack Obama.
O “NY Times”, na mesma entrevista, pergunta a Trump se ele vai agir como o ex-presidente George W. Bush, que tinha a intenção de espalhar a democracia e os valores americanos aos países que viviam ditaduras. Trump respondeu: “Nós precisamos de aliados, não queremos ensinar ou doutrinar o que outro faz dentro de suas fronteiras”. E repetiu: “precisamos de aliados”.
Depois de ler a entrevista, a satisfação de Erdogan só não foi completa, porque Trump soltou essa; “Sou um grande fã das forças curdas”. Os curdos, que estão na luta contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, são os maiores inimigos do presidente turco. Há anos que os dois lados lutam numa guerra interna que já matou milhares.
Por fim, ao final da entrevista Donald Trump ainda alfinetou “A Turquia pode fazer muito nessa guerra contra o Estado Islâmico, e eu espero que quando eu for eleito, nossos governos possam realizar muito mais, juntos”, numa referência à negligência turca em permitir, através de suas fronteiras, que o ISIS se estabelecesse na Síria.
Com a eleição de Donald Trump, o presidente turco enviou uma carta de congratulações onde enfatizou a importância da vitória do republicano: “Esta é uma nova página nas relações entre a Turquia e os Estados Unidos. Espero que a partir de agora possamos promover juntos os direitos básicos e liberdades de nossas nações”.
É claro que na Casa Branca, assessores de Barack Obama, senão até o próprio, levantaram as sombrancelhas espantados e chocados com as palavras de Erdogan, considerando que os democratas, inclusive Hilary Clinton, enxergam o presidente turco como um campeão da opressão aos direitos humanos. O que de fato ele é. A relação de Erdogan com Obama, ao longo dos últimos oito anos, foi uma montanha russa de emoções recheada com muita raiva e ódio, principalmente depois de sofrer a tentativa de golpe. Erdogan passou a suspeitar que os Estados Unidos apoiaram o clérigo Fetulah Gulen, que vive exilado em Miami, e segundo o governo turco é autor intelectual da revolta. Erdogan pediu que Obama deportasse Fetulah para que o clérigo fosse julgado e preso na Turquia. Mas o presidente americano não atendeu ao pedido do colega, e até hoje nem mandou uma resposta. O presidente turco acredita que tanto Obama quanto Hilary Clinton receberam contribuições generosas que vieram das fundações de Fetulah Gulen. A partir de 20 de janeiro do ano que vem, quando Trump toma posse, a Turquia acredita que o pedido será atendido.
Recep Erdogan considera Donald Trump um parceiro ideológico. Ideal para sustentar seu discurso ultranacionalista, apesar das posições do novo presidente americano sobre os muçulmanos e o Islã. O presidente turco defenderá até o fim, a honra e os valores dos muçulmanos, mas a possibilidade de ter um aliado tão forte, que pensa como ele sobre a necessidade de remodelar a democracia, é muito mais importante nesse momento do que a angústia dos seus irmãos de fé.