Paris é sempre uma boa ideia
21 novembro 2015 às 12h58
COMPARTILHAR
A chamada Cidade Luz está associada ao romantismo, mas, quando se estuda a história do terrorismo, ela aparece como personagem principal
Em 11 de setembro de 2001, quando 19 terroristas atacaram os Estados Unidos, o seleto e estranho grupo de intelectuais que cercava o então presidente George W. Bush percebeu, logo de cara, que os atentados não se tratavam de casos isolados. Por trás dos aviões que viraram mísseis e destruíram as torres do World Trade Center em Nova York e uma ala do Pentágono em Washington havia muito mais do que a mente criminosa e terrorista de Osama bin Laden e sua organização. Os ataques traziam também a frustração de uma geração, que aflige todo o Oriente Médio. Um lugar incapaz de oferecer aos jovens locais liberdade, prosperidade e esperança.
Naquela época, assim que começou a caçada ao líder da Al-Qaeda, a doença que se espalhava por toda região também foi diagnosticada, mas, em vez de tratá-la com um antibiótico eficaz, os americanos e aliados preferiram receitar um “chazinho”, e o mal se intensificou. A guerra insana que ocorreu no Iraque não curou a região e o discurso da democracia que estava chegando não colou. Ao contrário, criou uma reação em cadeia catastrófica, que levou ao surgimento do Estado Islâmico.
O 11 de Setembro é a data em que tudo começou. Ganhou continuação com a guerra, depois veio a retirada, e no vácuo que surgiu, o caos se instalou, e agora retornou em forma de ódio e espírito de vingança no episódio da sexta-feira 13 de novembro de 2015, em Paris. Desde a semana passada, ficou claro o que está acontecendo por aqui. Estamos assistindo ao colapso do Oriente Médio, que durante anos foi controlado por uma ordem corrupta na qual o despotismo era uma regra, que acabou gerando desespero. E foi do desalento que emergiu a Al-Qaeda.
Para destruí-la, os gênios de Washington e “agregados” entenderam que era preciso também eliminar a velha ordem, mas se esqueceram ou não quiseram estabelecer nada que pudesse preencher o vácuo de poder, e foi justamente aí que a violência e a selvageria se instalaram. Quase 15 anos depois do 11/9, a desordem se espalhou e hoje atinge o Iraque, Síria, Iêmen, Sudão, Líbia e a Península do Sinai, no Egito. A desintegração dos Estados árabes já está causando uma disfunção regional, e colocou o Oriente Médio dentro de um furacão de nível 5: incontrolável, feroz e mortal.
Os países ocidentais se recusam a entender o que de fato se passa nesta região. Primeiro tentaram “consertar” o mundo árabe agressivamente, depois tentaram “libertá-lo”, e por fim fizeram de conta que não existia. Mas ele está aí, pra qualquer um ver, ferido, gritando e sangrando. E 2015 é o ano do julgamento, a conta chegou para o mundo árabe. Primeiro vieram os ataques de janeiro ao “Charlie Hebdo” e ao supermercado de comida kosher em Paris; depois, durante o verão, a grande onda de refugiados; e agora a sexta-feira negra que trouxe trevas à Cidade Luz.
Quem pensa que o incremento dos serviços de inteligência, segurança hermética e bombardeios aéreos intensos são suficientes para resolver o problema, na verdade, não o entende. O grande perigo que o Estado Islâmico representa não está refletido apenas em sua estrutura montada nos territórios que agora ocupa entre a Síria e o Iraque, em uma área que corresponde a toda a Grã-Bretanha, mas sim na influência que a organização representa. Os terroristas que atacaram Paris, com exceção de um, eram franceses. Uma das muitas células adormecidas, que o grupo já tem espalhadas pelo mundo, prontas pra atacar, aguardando apenas um toque no celular.
E por que Paris? O mundo inteiro ficou chocado com os atentados, talvez porque a cidade esteja associada ao romantismo e não a um local de terror. Mas quanto mais se estuda a história do terrorismo, a Cidade Luz aparece como personagem principal. Pode-se dizer que Paris talvez tenha muito mais casos sangrentos, envolvendo terrorismo, para contar do que Jerusalém e Tel Aviv juntas. A ligação é tão grande que a palavra “terrorismo” vem do francês “terreur”. O próprio Bataclan, onde 89 pessoas morreram fuziladas, já fora palco de um ataque terrorista em junho de 1893. Há tempos que o terrorismo usa a cidade como vitrine e o Estado Islâmico sabia disso.
A atriz Audrey Hepburn, no filme “Sabrina”, expressou bem o que todo o planeta pensa da capital dos franceses: “Paris é sempre uma boa ideia”. E os terroristas têm a mesma opinião.