Há quem pense que a degradação da capacidade militar para interromper a campanha feroz já é suficiente

Combatentes do Estado Islâmico em Raqqa, a cidade síria que é a "capital" do seu califado  | Foto: Reuters
Combatentes do Estado Islâmico em Raqqa, a cidade síria que é a “capital” do seu califado | Foto: Reuters

Enquanto o pedido do presidente Barack Oba­ma ao Congresso americano para iniciar uma guerra contra o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) ainda está sendo discutido, muitos países que formam a coalizão internacional, liderada pelos Estados Unidos, questionam se o próximo passo contra os jihadistas será decisivo ou apenas mais uma tentativa de interromper o avanço dos radicais.

Massoud Barzani, presidente da região Curda do Iraque está certo de que sim. Em entrevista para a rede americana CNN, ele disse que os curdos estão prontos para a batalha final contra o Estado Islâmico.

Barzani tem bons motivos para o otimismo. As forças curdas do Iraque, juntamente com os curdos da Síria, conseguiram expulsar militantes do EI da cidade Kobani, depois de meses de batalhas. A retomada não poderia ter ocorrido sem a ajuda dos ataques aéreos da coalizão. Mas os curdos foram além e logo em seguida eles ainda reconquistaram dezenas de vilarejos próximos à Kobani, que também tinham sido invadidos pelo grupo terrorista.

A liberação de Kobani também é creditada à coalizão internacional, que, desde que foi formada, teve poucos motivos para comemorar. Mas, mesmo sendo um marco, Kobani não é tudo, e a vitória por ali, todos sabem que não é suficiente para interromper o EI, sequer expulsá-lo das terras invadidas no Iraque e na Síria. A coalizão agora enfrenta dois problemas pela frente: a falta de estratégia para atingir o objetivo final e um racha entre as forças que estão lutando contra o EI.

Na semana passada, o comitê de defesa do parlamento britânico publicou um relatório que mostra a divisão que se formou entre as forças curdas e tropas iraquianas. Segundo o comitê, dos mais de 150 mil soldados Peshmerga (como as forças curdas são chamadas), somente 40 mil estão sob o controle do governo curdo no Iraque. Os outros 110 mil recebem ordens de grupos diversos como o Partido Democrata Curdo ou o Jalal Talabani, que é ligado à União Patriota do Curdistão. Pelo menos 30 mil são considerados “soldados fantasmas”, que são aqueles que só existem enquanto alguém paga pelo serviço. Além das divisões evidentes e aprofundadas pela lealdade tribal, o armamento utilizado pelos curdos é obsoleto e insuficiente. E são justamente as disputas internas que têm dificultado a coordenação nos campos de batalha e alimentado muito mais questões que envolvem ambições políticas do que um efeito real nos fronts.

O relatório britânico também dá uma ideia da situação quase caótica do exército iraquiano que ainda se recupera da deserção em massa de junho do ano passado, que acabou permitindo a invasão do EI no país. O novo primeiro -ministro do Iraque, Haidar Al- Abadi, iniciou o mandato dispensando 36 comandantes de alta patente, mas a disputa entre o seu governo e os curdos sobre a divisão dos lucros na exploração dos campos de petróleo e o pagamento dos salários das tropas Peshmergas ainda nem foram discutidos, apesar de já haver um acordo assinado sobre os dois temas. Por causa disso, por enquanto, as forças curdas se dispõem a lutar somente nas áreas que dominam. Regiões do Iraque, como a província de Anbar a oeste de Bagdá, não contam com o suporte dos curdos. No oeste do país, a situação é ainda pior. Lá, segundo o parlamento britânico, não existe nenhum tipo de cooperação entre as tribos sunitas, muito menos nas cidades onde já foram criadas outras milícias para combater o EI.

Para tentar resolver o problema, o governo central do Iraque aprovou uma lei para a criação de uma Guarda Nacional, a fim de unificar todas as millícias, que a partir de agora, deverão seguir apenas uma ordem. Mas ninguém sabe se a nova lei será respeitada. Muitos ministros se opuseram à unificação das milícias alegando que isso poderia dar a chance de que novos grupos como o EI se formem a partir disso, complicando ainda mais a situação.

Enquanto isso, dezenas de milícias xiitas também atuam no Iraque com o mesmo objetivo: des­truir o EI. Só que todas são independentes e leais a diferentes organizações po­­líticas ou líderes locais, mas ne­nhuma coopera com os sunitas e muito menos com os curdos.

Além das disputas internas, a questão iraquiana no campo internacional também é alvo de discórdias. Os Emirados Árabes já anunciaram que vão interromper a participação nos bombardeios até que a coalizão internacional estabeleça um plano real de resgate de pilotos que tiverem seus aviões abatidos. A decisão foi tomada logo depois da divulgação das imagens chocantes do piloto jordaniano Muath al-Kasaesbeh sendo queimado vivo. Os Estados Unidos atenderam prontamente o pedido dos Emirados e dispuseram dezenas de helicópteros de resgate no aeroporto de Erbil, a capital curda no Iraque. Antes disso a equipe de resgate mais próxima ficava no Kuwait, que, pela distância, poderia colocar a vida dos pilotos em risco.

Enquanto problemas técnicos como o resgate de pilotos são resolvidos rapidamente, no Parlamento britânico a questão colocada é a seguinte: Qual é o objetivo dessa guerra? Eliminar do mapa o EI ou apenas contê-lo? Há ressalvas em todas as respostas relacionadas a essas perguntas. Muitos parlamentares pensam que a degradação da ca­pa­cidade militar do EI a fim de interromper sua campanha feroz já é suficiente. Os britânicos, apesar de todo o aparato bélico que possuem, até agora tiveram uma tímida participação nos bombardeios da coalizão, que representam apenas 6% da ofensiva.

Por enquanto, ainda não há respostas para essas e outras perguntas que também estão sendo feitas em Washington. Quase cinco meses depois do início dos ataques da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos contra o EI, Obama agora quer a autorização do Congresso para ir à guerra contra o grupo. Mas os parâmetros do conflito apresentados pela Casa Branca no entanto são alarmantes, porque não limita os campos de batalha somente ao Iraque e a Síria, onde o EI quer formar um califado. Obama também quer permissão para atacar pessoas ou forças ligadas ao Estado Islâmico em qualquer parte do planeta, e é justamente esse pedido excessivo que poderá minar as intenções do presidente americano.

Os republicanos, que hoje controlam o Con­gresso, certamente compactuam com o pedido presidencial muito mais do que os congressistas democratas, mas não vão dar a chance e nem dispor tanto poder nas mãos de um outro democrata, especialmente sendo ele, Barack Obama. l