A queda do Airbus A321 da Rússia expõe a falta de comunicação entre os serviços de inteligência mundiais e as falhas que tornam o combate ao Estado Islâmico uma missão aparentemente impossível

Avião russo pode ter sido alvo de ataque terrorista, o que põe em xeque a propalada segurança egípcia | Russian Ministry for Emergency Situations/AP
Avião russo pode ter sido alvo de ataque terrorista, o que põe em xeque a propalada segurança egípcia | Russian Ministry for Emergency Situations/AP

Há anos, desde os tempos de Hosni Mu­ba­rak, que o governo egípcio exalta as belezas e a segurança do balneário de Sharm el Sheik, às margens do Mar Ver­melho. Localizado ao sul da península do Sinai, o lugar é considerado a “joia da coroa” da indústria do turismo no Egito, recebe milhares de pessoas o ano inteiro, e por isso a segurança contra a violência jihadista sempre foi uma preocupação a mais para as autoridades locais.

Enquanto insurgentes confrontam forças militares no norte do Sinai e impedem que turistas visitem a península, o governo egípcio, com a ajuda de países ocidentais, conseguiu manter Sharm el Sheik protegida. O balneário virou um ilha de sossego cercada de terroristas por todos os lados.

No Sinai o sol é certo todos os dias. As belas praias e o mar com a água de cor azul-turquesa atrai visitantes do mundo inteiro. Mas são os russos, em busca de um pouco de sol, que lotam a região. São eles que trouxeram um pouco de alívio para o turismo no Egito, que assim como todo país, vive um momento delicado. Agora, com a queda do avião comercial russo que decolou de Sharm el Sheik, a reputaçã do balneário e do país está ameaçada.

Ainda não se sabe o que causou a tragédia que matou 224 pessoas, mas desde que o grupo Província do Sinai, ligado ao Estado Islâmico, assumiu a autoria, as investigações preliminares levam a crer na possibilidade de que militantes conseguiram entrar no aeroporto de Sharm el Sheik e plantaram uma bomba dentro do avião.

“Nossas atividades militares contra o terrorismo representam 90% de todo o nosso trabalho no país”, disse Abdel Fatah al Sissi, presidente do Egito ao ser entrevistado pela britânica BBC durante sua rápida visita a Londres. O líder egípcio teve que voar para o Reino Unido afim de botar panos quentes sobre a decisão do primeiro-ministro David Cameron em suspender os voos para Sharm el Sheik até que os egípcios apresentem um plano de segurança decente. O que o premiê britânico quer saber de Al Sissi, e exige do país, é uma definição sobre quais são as metas para o combate ao terrorismo que estão sendo utilizadas. Mas quando o assunto é o Egito elas são complicadas. Por exemplo: o governo egípcio tem a intenção de eliminar todas as organizações terroristas que operam na Península do Sinai e em outras cidades do país? Isso inclui acabar de uma vez por todas com o movimento Irmandade Muçulmana que já é considerado um grupo terrorista no Egito? Ou as forças egípcias estão trabalhando apenas para tentar manter a ordem enquanto aguardam a poeira abaixar?

A estratégia dos militares egípcios para o combate a esses grupos terroristas que se espalharam pelo Sinai consiste em ataques aéreos e por terra; o fechamento da fronteira do Sinai com Faixa de Gaza; prevenção no controle de armamentos pela porosa fronteira com a Líbia e o Sudão, além do controle total de algumas cidades ao norte da península, onde o toque de recolher foi implantado. Ao mesmo tempo, a polícia e os serviços de inteligência operam em todo o país contra a Irman­da­de Muçulmana, e outros grupos islamitas de oposição ao governo. Milhares de policiais, soldados e serviços de inteligência fazem parte dessa força-tarefa do Egito contra o terrorismo, que já resultou na morte de centenas e na prisão de milhares de pessoas. No entanto, as ações do governo egípcio parecem insuficientes e não são capazes de combater pequenas células terroristas ou ataques individuais( lobos solitários) e até mesmo terroristas que se infiltram no país.

Mais de 50 organizações terroristas estão operando neste momento na Península do Sinai, algumas seguem a doutrina e ideologia da Al-Qaeda, mesmo que não tenham jurado lealdade à organização. Outros são afiliados a organizações radicais que estão no exterior, mas operam somente contra o governo egípcio e alvos israelenses. Ansar Beit Al Maqdis, que ano ano passado jurou fidelidade ao Estado Islâmico, e mu­dou o nome para Wyilaiat Sinai (Província do Sinai), se tornou o grupo mais poderosona penísula, provocando atentados terroristas frequentes contra forças de segurança egípcias e civis, a maioria beduínos, que para eles são suspeitos de colaborar com o governo. Esta é a organização que assumiu a responsabilidade pela queda do avião russo.

Apesar das investigações estarem em andamento, já é unânime a opinião de que o Estado Islâ­mi­co explodiu um artefato dentro da aeronave. Mas é bom lembrar que há um conflito de interresses dipomáticos em torno das causas da queda do Airbus A321 da Metrojet. Tanto os russos como os egípcios até agora apresentaram versões diferentes sobre o incidente, e são justamente eles os principais interessados em se eximir de qualquer tipo de culpa. Mas se ficar provado que foi realmente um ataque provocado pelo Estado Islâmico, não restará dúvidas de que houve uma falha na segurança do aeroporto de Sharm el Sheik. Muito mais, o lapso é também responsabilidade dos serviços de inteligência. E nesse caso o Egito não está sozinho. O fardo é de todas as agências mundo afora, entre elas as do Reino Unido, dos Estados Unidos, Rús­sia, Israel e França, juntamente com a inteligência árabe que constantemente monitoram a comunicação entre militantes do Estado Islâmico, interceptam emails, decodificam mensagens além de informações que são enviadas por espiões. E mesmo com todo esse aparato não houve nenhum tipo de aviso que pudesse ter evitado a tragédia do Sinai. Algo precisa ser revisto na relação entre os serviços de inteligência que combatem o terrorismo, ou o jogo vai ficar muito fácil para os radicais.