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O nível de terror que o Isis vem fazendo parece ter saído das cartilhas dos nazistas, mas eles conseguem ser ainda piores

Grupo militante Estado Islâmico do  Iraque e do Levante disse ter estabelecido  um califado, ou Estado Islâmico, nas  áreas sob o seu controle no Iraque e na Síria | REUTERS/STRINGER
Grupo militante Estado Islâmico do
Iraque e do Levante disse ter estabelecido
um califado, ou Estado Islâmico, nas
áreas sob o seu controle no Iraque e na Síria | REUTERS/STRINGER

Há dois meses, mais de 1 milhão de barris de petróleo cru foram entre­gues no porto de Ashkelon (o maior do país) no sul de Israel. Poderia ser apenas mais um entre centenas de navios petroleiros que aportam naquele ancoradouro quase que diariamente. Mas o que chamou atenção é que o navio carregava petróleo vindo da região dominada pelos curdos no Iraque. Há alguns fatores que compõe essa relação quase silenciosa: os curdos ignoraram o boicote imposto pela Liga Árabe contra Israel, logo depois da guerra de 1948 durante a criação do Estado judeu. Um acordo comercial com Israel marca um novo momento na luta do Curdistão por sua independência. Um desejo que surgiu no fim do século XIX, mas que nunca foi implantado devido à ameaça dos países vizinhos. As terras que os curdos dizem pertencer ao futuro Estado, hoje, são controladas pela Turquia, Irã, Síria e Iraque. Somente no Iraque eles conseguiram certa autonomia, que agora está ameaçada pelo Estado Islâmico, que usa o terrorismo para ampliar as áreas dominadas, inclusive a dos curdos.

Os laços, quase invisíveis, que unem Israel e o povo curdo existem desde a década de 60 do século passado. Israel enxerga os curdos como muçulmanos seculares, que se recusam a viver sob doutrina de um Estado Islâmico. Mas apesar da simpatia que um tem pelo outro, seria ingenuidade pensar que curdos e israelenses colaboram entre si somente por amizade. Em março deste ano, o governo central do Iraque cortou todos os financiamentos que eram repassados para o governo da província curda. Por causa disso a arrecadação caiu pela metade. Até mesmo os Estados Unidos se recusaram a comprar o petróleo que vinha do Curdistão, com o intuito de apoiar o governo iraquiano e evitar ainda mais tensão na região que está prestes a “explodir”. O isolamento levou os curdos ao desespero. Eles precisavam de parceiros comerciais que pudessem comprar o seu petróleo. E foi em Israel que eles encontraram esse apoio.

Oficialmente os curdos ne­gam qualquer tipo de relação econômica com Israel. Fazem isso como precaução já que o Estado judeu não é bem-vindo em quase todos os países árabes. Por outro lado, Israel fisgou o peixe certo, na hora certa. O governo da província curda precisava de um cliente e de dinheiro e Israel, de independência para poder comprar petróleo mais barato do que o que vem do Mé­xico, Rússia, Noruega e Caza­quis­­tão. E é justamente por isso que Israel apoia e advoga por um Estado Curdo independente. À pri­meira vista a relação pode até pa­­recer um casamento de aparências, mas se deixarmos de lado os mo­tivos, os laços entre curdos e is­raelenses nunca estiveram tão estreitos.

A questão curda voltou à cena devido aos últimos acontecimentos na Síria e no Iraque, onde o grupo extremista Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isis, na sigla em inglês) já tomou parte dos territórios dos dois países e proclamou a criação de um califado. Um fator fundamental que permitiu a rápida expansão dos militantes do Isis, foi a falta de fronteiras “naturais” estabelecidas entre os dois países, o que deu passagem livre para que o racismo messiânico, re­ligioso e ultranacionalista assolasse a região. As fronteiras colonialistas, artificialmente traçadas no fim da Primeira Guerra Mundial, os laços tribais naturais, que são tradição na região há milênios, tudo isso foi ignorado pelo Isis, que afirma estar apenas começando um processo de corrosão em todo Oriente Médio. A solução para a a­me­aça sunita radical teria que co­meçar pelo Iraque, é o que dizem estudiosos do assunto. O Iraque, se não quiser desaparecer do mapa, terá de pôr de lado as linhas traçadas por franceses e ingleses em 1918 e se dispor à criação de três novos Estados, cada um com sua própria identidade religiosa: um sunita, um xiita e um curdo. Talvez essa seja a única maneira de interromper a espiral de violência provocada pelo Isis, que aos poucos vai consumindo todo a região como ácido corrosivo.

É escandaloso e terrível o que os sunitas radicais do Isis vem fazendo por aqui. O nível de terror implantado pelo grupo parece ter saído das cartilhas dos nazistas, mas eles conseguem ser ainda piores. Se não forem interrompidos, as linhas colonialistas e imaginárias traçadas há quase um século serão de fato reestabelecidas pelo grupo. O mapa do Oriente Médio vai ter de mudar se nações como a Síria, Iraque, Jordânia e até Israel quiserem continuar existindo. O “mundo sem fronteiras” que existe entre a Síria e o Iraque terá de ser cuidadosamente redesenhado. A nova cartografia da região verá o surgimento de novos Estados-nações. O Curdistão deveria ser o primeiro.