COMPARTILHAR

O Ocidente acredita que os palestinos vão se livrar do Hamas. É uma visão equivocada, pois eles não são contra a liderança do grupo

Já são mais de 600 focos de incêndio no sul de Israel, provocados pelas pipas incendiárias. Mesmo com toda tecnologia do exército israelense, por enquanto não há solução para o que já é chamado de “terror agrícola”

Sob o céu da fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza, uma batalha vem sendo travada há três meses. De um lado, a força aérea mais poderosa do mundo. Do outro, um grupo terrorista e sua mais nova “arma secreta”: pipas incendiárias.

Tudo começou em março, quando os palestinos de Gaza, orientados pelo Hamas, iniciaram protestos violentos na fronteira, bem perto da cerca que separa Israel do território palestino. A revolta semanal já deixou 130 pessoas mortas. Na semana passada, o Egito mediou uma trégua (mais uma), mas as pipas, que já incendiaram pastagens, plantações, casas e até uma universidade, continuam caindo do outro lado da cerca.

Já são mais de 600 focos de incêndio no sul de Israel, provocados pelas pipas. Mesmo com toda tecnologia do exército israelense, por enquanto não há solução para o que já é chamado de “terror agrícola”.

Mas as pipas, que estão dando uma grande dor de cabeça ao exército israelense, são apenas mais um round de luta de uma série de embates sem fim, assim como são infinitas as propostas de soluções para a Faixa de Gaza. As mais sérias sempre citam uma injeção de ânimo na economia local como a melhor forma de tirar o território palestino, controlado pelo Hamas, do segundo nível do volume morto. A partir daí, o grupo terrorista, que também é um partido palestino, assumiria um governo comprometido com o bem-estar da população.

É a forma como Ocidente, principalmente os países europeus, imagina que a engrenagem política palestina funciona. Para a Europa, a estabilização econômica da Faixa de Gaza passa pelo Hamas e os serviços que seu governo garante à po­pulação. Como essa possibilidade é praticamente nula, governos europeus imaginam que os palestinos vão se cansar e, por isso, vão se livrar do Hamas. Mas se esquecem que a lógica palestina não funciona dessa maneira. Os moradores de Gaza não são prisioneiros do grupo e apoiam suas ações. Em Gaza todos são pró-Hamas.

Muitos dizem que os palestinos de Gaza, se tiverem a chance de reconstruir o enclave — como resultado de uma economia mais vibrante —, certamente deixariam de lado sua devoção sagrada, o destino imutável de voltar para os seus vilarejos e cidades que um dia fizeram parte do cenário do que hoje é Israel, e já não existem mais. Mas eles sabem que, para isso, teriam de aceitar a existência e a soberania do Estado judeu, além de renunciar ao terror, possibilidade praticamente remota dada a realidade em campo.

E se os líderes do Hamas investissem os bilhões de dólares que entram em suas contas mundo afora em infraestrutura e não em mísseis e túneis, será que eles estariam traindo seu próprio destino? A resposta, infelizmente, é sim.

Enquanto as crianças da Faixa de Gaza estiverem revirando o lixo, enquanto o número de mártires aumentar cada vez mais e enquanto a vida for sofrida e lastimável nesse território — praticamente uma prisão a céu aberto —, o Hamas estará ganhando. É assim que eles conseguem “vencer” Israel, numa guerra desleal, mantida também pela mídia mundial, que, sabe-se, tem um viés histórico anti-Israel.

A miséria, a fome, o desespero, a guerra, enfim, as crises humanitárias são o combustível que mantêm viva a doutrina de sofrimento imposta pelo Hamas aos palestinos de Gaza.
Enquanto esta tocha estiver acesa, o mundo vai sempre apoiar o lado mais fraco, o que sofre. É da natureza humana. O Hamas sabe disso e usa essa ferramenta poderosa como ninguém. Esta sim, e não a pipa incendiária, é arma secreta do Hamas, e eles sabem usá-la como ninguém.