Índices de infecção sobem de modo preocupante na Europa e já se fala numa segunda onda

08 setembro 2020 às 10h59

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Europa está preocupada com o fato de que cerca de 80% dos antibióticos prescritos no mundo ocidental são produzidos na China e na Índia
O coronavírus, após o da Aids detectado nos anos 1980 do século passado, é o causador da segunda pandemia em nossa geração. Presente em quase todos os países do planeta, o vírus causa pavor e desgraça em escala universal.
Felizmente ainda não chegamos ao número de vítimas da gripe espanhola de há cem anos, com 70 milhões de vítimas, embora não haja vestígio de prognóstico até quando o coronavírus (com eventuais mutações) ainda continuará nos ameaçando e quantas vidas ainda custará. Virologistas criteriosos preveem uma pandemia de vários anos com consecutivas e repetidas ondas. Previsão preocupante ante às vítimas, danos e custos colaterais que se vislumbram no horizonte. No momento, três quartos do planeta são considerados área crítica. Uma pandemia de vários anos poderá, além das vítimas, estremecer a economia mundial — com consequências até agora não estimáveis.
Nenhuma geração teve conhecimentos científicos comparáveis aos de nossa época para enfrentar a gravidade da situação. Temos cientistas, médicos, e demais profissionais das áreas da saúde, hospitais com equipamentos técnicos sofisticados, avançada indústria farmacêutica. Enfim, um moderno, complexo e eficiente pacote de saúde do qual gerações passadas nem em sonho puderam imaginar.
Mesmo assim, a capacidade destruidora do coronavírus ainda não é conhecida em sua totalidade e nenhum pesquisador sério opina publicamente quando haverá uma vacina contra o mal que aflige a Humanidade. Sem vacina de eficácia algumas regiões do mundo poderiam confrontar-se com um armagedom virológico.
Pneumologistas e cardiologistas europeus alertam sobre múltiplos e graves problemas permanentes, há pouco observados e ainda não pesquisados, em pacientes submetidos a intubação numa UTI; cientistas de Hong Kong confirmam a possibilidade de reinfecções no mesmo paciente.
Em princípios de 2020, quando o coronavírus chegou à Europa, sabia-se que se tratava de um agente infeccioso mas sobre o qual pouco era conhecido. A população nada sabia sobre o mecanismo destruidor do diminuto vírus nem sobre os sintomas da enfermidade que, como hoje sabemos, podem manifestar-se de diferentes formas.
A Europa foi atingida praticamente despreparada. O vírus e o pânico assumiram o comando. As consequências são conhecidas: hospitais superlotados na Itália, na Alsácia (França), na Espanha; fechamento de escolas, uso de máscaras e demais restrições — além de milhares de mortos.
Apesar das medidas restritivas adotadas, com pequenas variações na maioria dos países da União Europeia, mesmo assim o desenvolvimento da primeira onda da pandemia desenvolveu-se de forma diferente nos diversos países.
Para o leigo o que mais interessa é o número de vítimas. De fato, a taxa de mortes é mais fácil de controlar e revela com mais exatidão o desenvolvimento da pandemia do que o número de infeccionados que depende, em regra, da quantidade de testes aplicados, além de vários outros fatores.
Na União Europeia há países que, em termos de economia e saúde pública (apesar das diferenças demográficas), são comparáveis. Por exemplo, a taxa de morte para cada 100.000 mil habitantes entre as duas maiores economias europeias, Alemanha e França, incita a interrogações. Enquanto na França o índice é de 45, na Alemanha é de 11. Entre países economicamente não comparáveis, mas em termos de saúde pública em pé de igualdade, a taxa de morte para cada 100 mil habitantes também difere em muito, como demonstram os dados: Bélgica 88; Espanha 62; Reino Unido 62; Itália 59; Suécia 57; Holanda 36; Suíça 23; Portugal 18; Dinamarca 11; Rússia 11; Áustria 8; Croácia 4.
Por enquanto não há explicação convincente por quais razões a Bélgica, país com alto padrão em saúde pública, registra 88 enquanto o Reino Unido, com a saúde pública muito a desejar, chega a 62 mortes por 100.000 mil habitantes. A Bélgica não só apresenta o pior índice europeu mas encontra-se em primeiro lugar entre os vinte países com mais mortes no mundo.
A Suécia, muito elogiada no início da pandemia, por seguir um método com menos restrições do que as adotadas pelos demais países europeus, registra 57 mortes por 100.000 mil habitantes, cifra que a coloca atrás da Holanda, Suíça, Portugal, Dinamarca, Rússia, Áustria e Croácia. A Suécia passará a valer como exemplo para uma discussão ética e moral entre o valor de vidas humanas e interesses econômicos. (Os dados até aqui citados são da Johns Hopkins University, com data de 24.08.2020).

Todas essas diferenças e discrepâncias, ainda não devidamente explicadas, serão objeto de estudos científicos. Um vasto campo de pesquisas, um céu aberto, à disposição dos cientistas ávidos para nos darem uma resposta.
Na luta contra a pandemia destaca-se o desempenho do governo em Berlim que vem despertando interesse em muitos países. Diante da gravidade dos acontecimentos no norte da Itália, o governo alemão reagiu rápido e, unanimemente, acima de qualquer credo político ou partidário com presteza, com alternância de decisões adequadas às alterações diárias que se apresentavam.
O governo em Berlim deixou-se orientar, primordialmente, pelos conselhos dos especialistas dos diversos institutos de pesquisa existentes no país. Merecem menção o Robert Koch-Institut e o Paul-Ehrlich-Institut, duas instituições de pesquisa de inegável renome, além de vários laboratórios de pesquisa em campus universitários bem como empreendimentos científicos particulares.
É inegável que, no início, faltaram materiais como máscaras, vestimenta de proteção médica e aparelhos respiratórios nas UTIs, um conjunto de necessidades vitais. Graças à participação de empresas privadas, o problema foi resolvido em curto prazo. Não houve, em hora alguma, falta de leito numa UTI.

Ao contrário, no auge da crise no norte da Itália e na Alsácia (França) o governo da Alemanha propiciou o tratamento de pacientes italianos e alsacianos em estado crítico em UTI’s da Alemanha. Cerca de 300 pacientes chegaram à Alemanha, em aeronaves especiais, aqui tratados e a maioria recuperada. “Nenhum governo (da França e da Itália) e nenhum paciente receberão uma fatura para o tratamento”, declarou o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas.
Segundo a Johns Hopkins University, a estatística da Alemanha, em 24.08.2020, indica 236.952 infeccionados e 9.282 mortos. Na estatística da universidade americana encontram-se países com menos infeccionados, mas com número de mortos até três vezes superior aos da Alemanha.
O trabalho convincente deste último governo da chanceler Angela Merkel, no que diz respeito à pandemia, trouxe enorme prestígio à coligação governamental. Se antes da pandemia a aceitação do governo de Merkel estava em torno de 22%, este porcentual, segundo as últimas enquetes, agora chega a 38%. Em um ano, outubro de 2021, haverá eleições para a sua sucessão. Se quisesse, Angela Merkel poderia tranquilamente vencer nova eleição e governar por um quarto período. Mas não quer. Desistiu. Só ela sabe por quê.
Não só a Alemanha, a Europa toda e sobretudo Bruxelas continuam preocupadas com a pandemia. Terminadas as férias na Europa novas infecções em muitos países põem as autoridades em alarme. Os índices de infecção sobem de forma preocupante e já se fala numa segunda onda. Nenhum governo quer um segundo lockdown, pois representaria a falência de muitas empresas. Ninguém quer responsabilizar-se por isso. Mas em caso de necessidade? Qual seria a solução?
“Ha males que vêm para o bem”, é o que diz o conhecido ditado que, nessa pandemia toda, alertou os responsáveis em muitos países europeus. Há vários anos farmacêuticos reclamam sobre a falta de determinados medicamentos. Entendidos do ramo dizem ser uma falta programada.
Antibióticos e a vacina
De fato, durante a pandemia, tornou-se público que cerca de 80% dos antibióticos prescritos no mundo ocidental são produzidos na China e na Índia. O mundo ocidental, incluída a Europa, tornou-se dependente do Oriente em matérias fundamentais. Jens Spahn, ministro da saúde da Alemanha, comentou: “Teremos que mudar isso, custe o que custar. A Europa não pode depender de outros no que diz respeito às necessidades fundamentais da saúde pública”. Bruxelas terá que corrigir esta distorção.
O coronavírus não só domina o mundo. Desde seu aparecimento, o mundo mudou. Mudou nosso ambiente, nosso comportamento, nossos costumes, inclusive a nossa maneira de ser. O coronavírus faz parte de nossa vida e a crise por ele provocada entrará na história do século 21.
Nenhuma geração antes da nossa teve à disposição um arsenal científico como o agora disponível para enfrentamento de uma pandemia. Mas persistem dúvidas quanto à capacidade destruidora do coronavírus em sua totalidade. No Brasil, onde a onda de contágio chegou após atingir a Europa, muitas perguntas persistem: se o vírus é tão contagioso como anunciado, como explicar os inúmeros casos de pessoas infectadas, que conviveram com parentes ou colegas de trabalho por vários dias (testes mostraram grande porcentagem de assintomáticos entre os positivados), sem que essas pessoas próximas contraíssem a enfermidade? O que explica a taxa de mortalidade nos casos de contágio comprovado ser tão baixa em alguns países, como no Brasil e Portugal, onde está em 3,2% (comparável à da Alemanha) e tão alta em outros, como na Bélgica, no Reino Unido, na França e no México, países onde está acima de 10%? Perguntas que certamente não serão respondidas tão cedo, a despeito do desenvolvimento científico alcançado pelo mundo neste século 21.
Ainda falando do Brasil, parece que, passados cerca de 180 dias do primeiro caso detectado de coronavírus, e após mais de 3,7 milhões de infecções e mais de 125 mil mortes, a curva epidemiológica parece ter entrado em seu ramo descendente. É a conclusão da Johns Hopkins University, bem como do conjunto formado pelo Institute of Global Health (da Universidade de Genebra) e o Swiss Data Science Center, dupla que acompanha de perto a pandemia, computa e analisa os dados globais. O período de permanência da doença no Brasil (cerca de seis meses) é, aliás, compatível com o ocorrido em outros países e continentes. Enquanto isso, o mundo mantém a expectativa de uma vacina eficiente e segura, o único caminho ora vislumbrado para uma volta à normalidade sanitária e econômica.
Colaborou Irapuan Costa Junior.