Povo da Bielorrússia exige mudança mas o grupo no poder representa “uma minoria armada até os dentes”

25 outubro 2020 às 00h00

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Mulheres estão liderando a oposição, com linguagem e gesticulação especiais, algo inteiramente novo no país, e apostam na vitória
Edgar Welzel
De Stuttgart, Alemanha
Vários focos de instabilidade em diversas partes do mundo são motivo de sérias preocupações. Acrescido aos inúmeros já conhecidos, alguns há anos sem solução, eclode mais um que atinge em primeiro lugar a Europa, com provável repercussão transatlântica. Referimo-nos a Bielorrússia onde, num movimento ímpar, o povo em massa clama por reformas.
Em regra a insatisfação popular é causada por carestia de vida, falta de alimentos, melhores salários, falta de segurança pública ou social e demais itens do gênero. Na Bielorrússia nenhuma dessas reclamações é motivo da insatisfação popular que, como avalanche, tomou conta do país. O povo simplesmente exige reformas. Reformas substanciais: entre outras, menos intromissão do Estado e mais iniciativa particular, respeito aos direitos humanos, liberdade de expressão e nova eleição sem fraudes.

A organização Repórteres sem Fronteiras em fins de 2019 já constatou ser “complicada” a liberdade de imprensa na Bielorrússia. Segundo um estudo global da citada organização, entre 180 países, a Bielorrússia ocupa o 153° lugar; na Europa o país encontra-se em penúltimo lugar seguido apenas da Turquia onde a situação ainda é pior.
Uma análise sobre as origens das demonstrações na Bielorrússia incita a comparações com os acontecimentos na Praça Maidan, em Kiev, capital da Ucrânia, em dezembro de 2013, onde Viktor Yanukovych venceu a eleição para presidente em fins de 2009 e empossado em 25 de fevereiro de 2010. Durante a campanha eleitoral Yanukovych defendera uma aproximação com a União Europeia (UE) — o que deixou claro em suas reiteradas visitas em Moscou.
Quando Viktor Yanukovych assumiu o governo, já tramitavam gestões, há duas décadas, entre a Ucrânia e a UE para um acordo de associação econômica cuja assinatura deveria efetuar-se em 28 de novembro de 2013 em reunião de cúpula da UE em Vilnius, capital da Lituânia. Um dia antes Viktor Yanukovych negou-se a assinar o acordo o que detonou como bomba naquela reunião.

Pressionado por Moscou, Yanukovych não teve alternativa e o Kremlin, com flagrante intromissão no governo em Kiev, obstruiu a aproximação da Ucrânia com a União Europeia. As consequências dessa decisão são conhecidas. Protestos e passeatas em Kiev de grupos ucranianos pró-europeus e confrontos com grupos contrários à aproximação europeia. A situação recrudesceu quando grupos radicais da direita se infiltraram nos distúrbios e a Praça Maidan, no centro de Kiev, transformou-se, por alguns dias, em praça mundial.
As imagens televisivas que na época correram mundo, mostravam influentes políticos do mundo ocidental marchando pelas ruas de Kiev em companhia de ucranianos pró-europeus. John Kerry, na época ministro do exterior dos EUA; John McCain (1936-2018), influente senador republicano dos EUA; Guido Westerwelle (1961-2016), na época ministro do exterior da Alemanha e outros expoentes da UE, das Nações Unidas bem com de ONGs de vários países ocidentais desfraldaram bandeiras pró-europeias em poses televisivas causadoras de alarme no Kremlin.
Os incidentes na Praça Maidan culminaram em tiroteio com a morte de algumas dezenas de civis ucranianos. Na época foi registrado que, durante aquelas ocorrências, milícias especiais dos EUA e da Rússia encontravam-se nas imediações da Praça Maidan [sic] e não se sabe quem é que pressionou o gatilho (!).
A Ucrânia, em suas tentativas de aproximação à UE pagou um alto preço. Depôs seu presidente Viktor Yanukovitsch que, curiosamente, obteve asilo político na Rússia, país que, aparentemente, contrariara. Além disso, a Ucrânia acabou perdendo um terço de seu território, o leste industrializado, hoje ocupado por forças russas que não demonstram nenhum interesse em retirar-se daquela região, um filé para a geopolítica dos senhores do Kremlin.

O movimento na Bielorrússia tem outra conotação, não comparável com as ocorrências na Ucrânia que tiveram como único foco a Praça Maidan no centro de Kiev. Na Bielorrússia, já há quatro meses, maciças demonstrações espontâneas tomaram conta não só da capital Minsk. O movimento propagou-se como fogo inapagável e impressionantes massas saíram, e continuam saindo, às ruas em todas as direções, em todas as cidades e até nas mais distantes pequenas aldeias do país.
O povo, cansado com Alexandre Lukaschenko, presidente autocrático há 26 anos no poder, não só pede reformas; pede a substituição de Lukaschenko, o último ditador da Europa, novamente auto-eleito com 80% dos votos, numa eleição extremamente duvidosa cujo resultado contribuiu para alentar as demonstrações das massas frustradas.
Em nenhum momento do movimento o povo exigiu uma aproximação com a UE, nem com a OTAN e tampouco com a Rússia; nenhum político da UE foi flagrado marchando com as massas numa das ruas de Minsk ou outra cidade. Não se viu nenhum bielorrusso desfraldando a bandeira da UE ou da OTAN. No entanto, é fato irrefutável que, logo no início das demonstrações, especialistas russos em comunicação televisiva apossaram-se de confortáveis poltronas nos estúdios da TV da Bielorrússia controlada pelo Estado. O problema na Bielorrússia (como o foi o da Ucrânia) originou-se por aspirações legítimas estritamente internas. Entrementes a Bielorrússia transformou-se em presa de apetites exteriores.

Com o desmembramento da União Soviética em 1991 a Bielorrússia adquiriu a independência formando a República Bielorrussa com um sistema presidencial em base autocrática. Com uma superfície de 207.595 km², um pouco menor do que o Estado de São Paulo, e 9.504.000 milhões de habitantes, a Bielorrússia situa-se encravada entre a Rússia ao leste; a Ucrânia ao sul; a Polônia ao oeste e ao norte a Lituânia e a Letônia.
Para Moscou a Bielorrússia é outro filé mignon geopolítico de suma importância, pois a Bielorrússia é o principal país de trânsito (ao lado da Lituânia) para Kaliningrado, enclave que Moscou mantêm como resquício da Segunda Guerra Mundial no Mar Báltico entre a Lituânia e a Polônia. (Antes da Segunda Guerra Mundial, Kaliningrado era Königsberg, cidade na qual nasceu, atuou e viveu durante toda sua vida o filósofo alemão Immanuel Kant.) Com uma população de 500 mil habitantes — dos quais 80% russos ortodoxos —, Kaliningrado é, junto com São Petersburgo, o segundo acesso da Rússia ao Mar Báltico. Nesta última década, países limítrofes do Mar Báltico, em especial a Finlândia, a Suécia, a Estônia, a Letônia e a Lituânia emitiram reiterados sinais de alarme sobre movimentos de embarcações clandestinas subaquáticas naquelas águas.
Em 1991, ao tornar-se independente, a Bielorrússia orientou-se totalmente à Europa. Neste mesmo ano a UE reconheceu-a como país soberano e as relações recíprocas tiveram acentuado estreitamento. O relacionamento entre a Alemanha e a Bielorrússia foi marcante tanto que especialistas da polícia alemã treinaram forças policiais de batalhões especializados da Bielorrússia.

A situação mudou em 1994 quando Alexander Lukaschenko assumiu o poder. Em 1995, apesar do déficit democrático, a UE e a Bielorrússia assinaram um acordo de Estabilização e Associação e em 2009 a UE incluiu a Bielorrússia na Parceria Oriental. Nesses anos todos a Bielorrússia nunca deixou de ser alvo de crítica por suas deficiências democráticas.
A população desse pequeno país é caleidoscópica. Ao lado da maioria bielorrussa encontram-se russos, poloneses, ucranianos, judeus, armênios, tártaros, azerbaijanos, lituanos e outros. Cerca de 80% da população pertence à igreja ortodoxa da Bielorrússia que continua subordinada ao patriarca de Moscou. Cerca de 10% são católicos da minoria polonesa.
No campo educacional, a Bielorrússia apresenta boa estrutura de ensino em todos os níveis. Na capital Minsk, com cerca de 1,9 milhões de habitantes, encontram-se 11 universidades públicas e nove estabelecimentos particulares de ensino superior dos mais diferentes ramos. Fora da capital encontram-se mais 15 universidades, quatro escolas de medicina, sete academias de nível superior, dois institutos superiores e mais três estabelecimentos de ensino superior particulares. O corpo docente é de nível, com muitos professores formados na Rússia e em outros países. Atualmente cerca de dois mil estudantes da Bielorrússia encontram-se matriculados em universidades da UE e outros tantos na Rússia. Um quadro impressionante para um país de 9,5 milhões de habitantes.
Do ponto de vista linguístico o país é bilíngue. Fala-se tanto o bielorrusso como o russo, ambas línguas oficiais. Na prática e na vida pública e social predomina o russo. No interior fala-se um dialeto, uma mistura de ambas as línguas. No campo energético e financeiro o país é dependente da Rússia. No mais, o comércio entre as duas nações chega perto do equilíbrio com pequena vantagem russa. Demais parceiros comerciais são a Ucrânia, o Reino Unido, a China, a Alemanha, Holanda, Polônia, Turquia, Itália e outros. (Fonte GTAI e WIKO).

Em 2006 Hugo Chávez (1954-2013), na época presidente da Venezuela, esteve em visita de Estado em Minsk. Desde então existem estreitos contatos na área política, comercial, agrícola, educacional e militar entre os dois países.
Entre os países da extinta União Soviética a Bielorrússia talvez seja hoje o país que oferece a mais confortável segurança social à população. Por esta razão este item não é tema nas demonstrações ainda em andamento e Alexander Lukaschenko bem sabe que este é o seu melhor (e único) argumento para convencer a população da “eficiência” de seu governo.
A paisagem da Bielorrússia é dominada por extensas planícies, aqui e ali algumas colinas, nenhuma montanha, densas florestas entre as quais uma região chamada “última floresta virgem da Europa”, alguns castelos bem conservados, quatro patrimônios da Humanidade reconhecidos pela Unesco e comprovadamente 10 mil lagos com águas cristalinas. A capital Minsk oferece bom número de instituições culturais — com 18 museus, 12 teatros, lugares históricos e monumentos. Notável também é que o país tem uma laureada com o Nobel de Literatura — Svetlana Aleksiévitch, autora de “O Fim do Homem Soviético” (Companhia das Letras, 594 páginas, tradução de Lucas Simone).
Fraude eleitoral sem precedentes
Mesmo assim na área turística internacional, a Bielorrússia continua sendo “terra incógnita”. Apesar da proximidade com países da UE, apenas 11 mil turistas visitaram o país em 2018. A razão disso reside em parte na burocracia: dificuldade na obtenção de vistos, limitação de dias para visita a determinadas regiões e falta de infraestrutura turística hoteleira e de transporte.
A catástrofe nuclear de Chernobyl no país vizinho ao sul, a Ucrânia, em 26 de abril de 1986, contaminou um quarto da superfície da Bielorrússia. Aproximadamente um quarto da população sofre ainda hoje das múltiplas consequências da emanação radioativa emitida na época numa das maiores catástrofes nucleares do século 20.
Em 9 de agosto de 2020 realizou-se a eleição presidencial na Bielorrússia. Protestos e demonstrações já tiveram início meses antes da eleição. A pandemia da Covid-19 que o presidente Alexander Lukaschenko, como alguns presidentes de outros países, viu como um mal menor, atrapalhou a campanha eleitoral da oposição. Vários candidatos e ativistas oposicionistas foram presos. Alguns forçados a deixar o país com destino à Ucrânia. Manipulações nas urnas, com 80% dos votos a favor de Alexander Lukaschenko, puderam ser comprovadas e a eleição está sendo vista como farsa.
A UE e vários países do Ocidente como os EUA, o Canadá, a Suíça, a Grã-Bretanha, Luxemburgo e outros declararam não reconhecer os resultados divulgados pelo governo, neste caso, pelo próprio Lukaschenko. Em contraposição, Vladimir Putin, presidente da Rússia; Xi Jinping, da China; Baschar Hafiz al-Assad, da Síria; Tayyip Erdogan, da Turquia, e Nicolás Maduro, da Venezuela, felicitaram Lukaschenko pela vitória.
Acompanhei com singular interesse toda a campanha eleitoral na Bielorrússia e constatei que realmente os bielorrussos, principalmente os candidatos oposicionistas e demais ativistas, passaram por uma campanha inusitada, sem paralelos na Bielorrússia e talvez em nenhum outro país. Fato é que desde 1994, ano em que Alexander Lukaschenko assumiu o poder, nunca houve eleições sem fraude naquele país. É exatamente isto que a nova geração de oposicionistas quer evitar.
Convém explicar alguns detalhes da inusitada campanha. Para iniciar citaremos Sjarhej Zichanouski (a grafia dos nomes próprios eslavos que seguem difere em muito na imprensa internacional), cidadão de prestígio, em alto grau conhecido na Bielorrússia, que anunciara sua candidatura à Presidência, mas refutada pela Comissão Eleitoral por motivos pífios. Sjarhej Zichanouski era o rosto da oposição, com evidente chance de vencer a eleição contra o candidato do governo Alexander Lukaschenko.
Sjarhej Zichanouski não foi o único candidato que teve sua candidatura à Presidência refutada. O mesmo infortúnio tiveram Waleryj Zapkala, Wiktar Babaryka e outros. Todos encontram-se em prisão.
Sjarhej Zichanouski, ao ter cancelada sua candidatura, tornou-se presidente da Comissão Eleitoral Oposicionista, composta de sete membros, responsável também pela organização e controle dos protestos. Em 29 de maio passado, dos sete membros desta comissão, cinco foram presos, entre os quais o próprio Sjarhej Zichanouski, que continua minguando numa das terríveis celas da prisão no centro de Minsk. A oposição perdeu seus líderes e os movimentos de protesto pareciam ter chegado ao fim.
Não foi isso que aconteceu. Inesperadamente entra em cena uma figura menos conhecida: Swjatlana Zichanouskaja, mulher de Sjarhej Zichanouski, professora formada em pedagogia pela Universidade de Masyr com especialização em alemão e inglês. Trabalhou como tradutora entre outras para a organização Chernobil Life Line com sede na Irlanda. Com dois filhos, um menino de 10 e uma menina de 5 anos, Swjatlana resolveu ser dona de casa.
Com o marido preso, o movimento acéfalo, Swjatlana Zichanouskaja assumiu o comando do movimento. Fluente em quatro línguas, eloquente, em lugar do marido candidatou-se à presidência e em curto prazo tornou-se o segundo rosto da oposição na Bielorrússia. Com seu slogan “Nós somos a maioria”, pesquisas nacionais e internacionais davam-lhe segura margem para suceder Alexander Lukaschenko.
Divulgados os resultados, 80% a favor de Lukaschenko, a oposição simplesmente não aceitou o desfecho. Swjatlana sob ameaçada de ser presa, inclusive rapto de seus filhos com internação num asilo de órfãos, transferiu os filhos a um país seguro da UE. Ela própria, dois dias após a eleição, foi levada por amigos à Lituânia onde se encontra até hoje. Mais uma vez, o movimento encontra-se sem líder, novamente acéfalo.
Da Lituânia, Swjatlana, que angariara certa experiência política ao lado do marido, deu várias entrevistas. Numa delas, ela diz: “Não tenho forças suficientes para levar adiante o movimento em meu país”. Em outra, apenas três dias depois, ela se contradiz: “Estou pronta para assumir responsabilidade em meu país”. Os depoimentos contraditórios deixaram fissuras em sua imagem e, fato curioso, milagrosamente aparece o terceiro rosto da oposição na Bielorrússia. E este veio de um lado totalmente inesperado.
FOTO DE E LEGENDA: Maria Kalesnikava: a musicista que se tornou líder política
Maryja Aljaksandrauna Kalesnikawa, bielorrussa, nasceu em Minsk em 1982. Ela própria alterou seu nome para Maria Kalesnikava. Na Europa tornou-se conhecida por Maria Kolesnikowa nome que passaremos a usar ao longo destes comentários.
Maria Kolesnikowa estudou música na Academia de Música em Minsk onde formou-se como solista em flauta transversa. Deixou o país há 13 anos quando decidiu estudar música antiga e contemporânea na Escola Superior de Música de Stuttgart, no sul da Alemanha. Ampliados seus conhecimentos musicais Maria Kolesnikowa criou raízes em Stuttgart, onde formou um vasto círculo de amigos e admiradores. Tornou-se conhecida por sua participação em festivais nacionais e internacionais com atuação em várias afamadas orquestras. A partir de 2016 leciona música clássica e a partir de 2016 é diretora do Artemp Festival. Projetou e realizou vários eventos musicais entre a Alemanha e a Bielorrússia. Nos círculos artísticos de Stuttgart, uma figura conhecida. Com tal biografia a musicóloga no campo político tinha experiência zero.
Em maio de 2020 Maria Kolesnikowa toma uma decisão que muda completamente o rumo de sua vida. Informa seu ambiente de trabalho e seu círculo de amigos que deixará Stuttgart e retornará à sua pátria. Grande foi a estupefação dos amigos e do ambiente cultural em Stuttgart. Maria não dá grandes esclarecimentos e tampouco informa sobre os motivos de sua abrupta decisão e seu súbito retorno. E a mídia incrédula pergunta: “O quê aconteceu?”
Maior foi a estupefação quando, poucos dias após o seu regresso à Minsk, Maria Kolesnikowa aparece nas primeiras páginas dos jornais da Alemanha, da Europa e do mundo. Em tempo recorde tornou-se personagem midiática. Os noticiários da TV mostram-na, em infindáveis repetições, em sua nova atividade nas ruas de Minsk. Maria dá entrevistas em bielorrusso, em russo, alemão e inglês e torna-se, em poucos dias, o terceiro rosto da oposição. Um feito inigualável para uma mulher, uma musicóloga com amplos conhecimentos no ramo, mas nenhum em política. Muitos perguntam: “Como é que isso aconteceu?”
Durante seu longo período de permanência no exterior, Maria Kolesnikowa nunca deixou de manter contato com seus amigos, colegas de estudo e demais pessoas de seu relacionamento em sua cidade natal, Minsk. É amiga de Swjatlana Zichanouskaja e do marido preso, Sjarhej. Conhecia e manteve contatos com Waleryj Zapkala e Wiktar Babaryka (ambos presos) desde seus tempos em Minsk.
A reviravolta em sua vida deu-se em maio de 2020 quando Wiktar Babaryka teve refutada a sua candidatura à eleição presidencial e foi preso. Foi por estes dias que Maria Kolesnikowa retornou à Minsk e ao lado de Swjatlana Zichanouskaja, Weranika Zapkala, mulher de Waleryj Zapkala, formou um trio de mulheres que, antes da eleição presidencial, liderou a campanha contra Alexander Lukaschenko de forma tão eficiente que a situação se tornou crítica para a reeleição do próprio Lukaschenko.
Uma campanha liderada por três mulheres, sua linguagem e sua gesticulação, foi algo de completamente novo na Bielorrússia. Nas demonstrações uma das três ostensivamente mostrava o “V” de vitória; outra mostrava o punho com o braço direito ao alto e a terceira, Maria Kolesnikowa, formava um coração com os dedos das mãos. Uma foto que viralizou.
Maria sabia que estava em perigo. Ao lado de ameaças de morte e sequestro foi intimidada a deixar o país. Num telefonema com o pai deixou claro: “De nenhum modo deixarei o país”.
Em 7 de setembro passado, Maria Kolesnikowa foi sequestrada no centro de Minsk. Vários homens em vestimenta preta jogaram-na numa viatura sem identificação. No início pensou-se que o sequestro fora organizado por amigos a fim de protegê-la em lugar seguro. Dois de seus colaboradores, Anton Rodnenkow e Iwan Krawzow, também desapareceram.
No dia seguinte, a mídia informa que Maria foi vista na divisa da Ucrânia e lá foi presa por policiais da Bielorrússia por ter rasgado seu passaporte e com isso não ter sido possível sua expulsão do país. Uma história mirabolante mas não longe da verdade.
Fato é que Maria Kolesnikowa encontra-se presa no presídio em Minsk. Uma advogada que a visitou forneceu detalhes do encontro no qual Maria disse: “Policiais aqui do presídio me disseram que tenho duas possibilidades: deixar o país ou ser esquartejada”. Maria declarou saber os nomes e reconhecer os algozes que a interrogaram. Frase perigosa; melhor se não tivesse sido dita.
Com tais desenvolvimentos, o destino da Bielorrússia me parece decidido. Os apelos da UE, do Conselho Europeu, da Otan, da OCDE, dos Estados Unidos, da ONU no que concerne à liberdade de imprensa, aos direitos humanos e mais democracia na Bielorrússia parecem ter sido sufocados pelos ventos que sopram das planícies siberianas.
Nem mesmo os apelos de Svetlana Aleksiévitch, bielorrussa agraciada com o Nobel em Literatura em 2015, que apoia o movimento contra Alexander Lukaschenko, têm sido ouvidos. Ao contrário, a laureada está em perigo e diplomatas da UE a procuram em sua casa em Minsk a fim de convencê-la a deixar o país e assim protegê-la contra um sequestro com o qual já foi ameaçada reiteradas vezes.
Os ventos que sopram daqueles lados não deixam dúvidas quanto ao conteúdo de suas mensagens. Vladimir Putin, presidente da Rússia, do qual Lukaschenko diz ser seu irmão mais velho, deixou claro: “Estamos preparados para uma invasão. A pedido de Alexander Lukaschenko, a Rússia já destacou um exército especializado para ajudá-lo em caso de necessidade”. O script é o mesmo do leste da Ucrânia, da Criméia e da Síria — onde a Rússia também interveio “a pedido” de Bashar al-Assad. E isso o que se chama de geopolítica.
Nunca, em momento algum, a Rússia deixará de proteger a Bielorrússia pelas razões expostas nesta análise. Acrescentemos mais uma: caso os movimentos na Bielorrússia tiverem sucesso, poderiam ser modelo para movimentos semelhantes na própria Rússia. Eis a razão por que Vladimir Putin não mostra nenhum interesse em mudar a situação no país vizinho.
E a Europa e o Ocidente o que farão? Nada. A UE não encontra consenso sobre o modo de agir ou reagir. Terão que engolir o sapo que criaram com o alastramento da UE e da Otan ao Leste Europeu. A mensagem do Kremlin é clara: até aqui e nenhum passo a mais. Realmente, não é difícil entender o que se passa na cabeça de Vladimir Putin.
Alexander Lukaschenko culpa a Polônia, a Ucrânia e a Lituânia de apoiarem politicamente as demonstrações em seu país — enquanto a UE, em sua opinião, apoia financeiramente os movimentos. “As demonstrações cessarão tão logo terminarem os euros que recebem da UE”, disse em entrevista ao se referir aos manifestantes.
Mais enfático foi Sergej Lawrow, ministro do exterior da Rússia. Em forma veemente advertiu a UE e os EUA de interferir nos acontecimentos internos da Bielorrússia. Segundo Lawrow a “UE quer impor seus interesses num país soberano”.
Quanto aos movimentos na Bielorrússia, seria aconselhável se a oposição se conscientizasse de suas ilusões por mais nobres que sejam. Explicação convincente para tais ilusões nos deu Ulrich Krökel, comentarista do “Stuttgarter Zeitung” que, na edição de 28 de agosto de 2020, escreve: “O slogan criado e usado por Swjatlana Zichanouskaja e seus seguidores (“Nós somos a maioria”) com grande margem de probabilidade até corresponda à realidade. Acontece que a minoria está armada até os dentes e dispõem de tanques”.