Até quando Aleksandr Lukashenko poderá manter-se no poder? A amizade do dirigente bielorrusso com Vladimir Putin não se baseia em fortes elos

Edgar Welzel

De Stuttgart, Alemanha

Os acontecimentos políticos na Bielorrússia nos impressionam por mostrar o potencial energético humano de um povo cansado de vinte e seis anos de governo de Aleksandr Lukashenko, entranhado    de uma democratura que só se sustanta com o apoio de Moscou. A pergunta é: até quando?

Vladlimir Putin e Aleksandr Lukashenko | Foto: Reprodução

As demonstrações continuam com o mesmo entusiasmo e arrebatamento inicial, pacíficas e inquebrantáveis. O movimento liderado por mulheres bielorrussas, não  comparável com os  movimentos feministas de vários matizes ativos ao longo de algumas décadas no mundo ocidental, é algo de novo.  Não só na Bielorússia.

As líderes do movimento e o povo simplesmente exigem reformas o que inclui, em primeiro lugar, o afastamento do  autocrata e autoeleito Aleksandr Lukashenko, além da liberação de milhares de presos políticos e novas eleições.

Os líderes iniciais do movimento encontram-se presos ou no exterior. Suas esposas assumiram o comando das manifestações que já duram meses. Das três mulheres que assumiram a liderança, entrementes uma também já foi presa e duas encontram-se no exterior. Da Polônia, Ucrânia, Lituânia e outros países da UE, dirigem as  demonstrações internas, apoiadas por uma legião de outros ativistas, o que inquieta  Aleksandr Lukashenko aos extremos.

A professora Svetlana Tikhanovskaia, para muitos observadores e analistas políticos a real vencedora da eleição de 9 de agosto passado,  encontra-se em Vílnius, Lituânia, donde continua liderando o movimento e  procura apoio dos líderes da UE. Poucos dias após sua chegada àquele país teve um encontro com Heiko Maas, ministro do exterior da Alemanha. Em Bruxelas foi recebida em reunião de todos os ministros exteriores da UE. Ademais teve um encontro com Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia e com Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. Em Berlim foi recebida pela chanceler Ângela Merkel.

Após o encontro declarou: “Gostaríamos que a Alemanha, um dos países mais poderosos do mundo, pudesse ajudar-nos nas negociações. Cada país que queira agir como intermediário, poderá ajudar-nos”. Moscou interpreta esses contatos como intromissão da UE em assuntos internos da Bielorrússia.

Maria Kalesnikava, a musicóloga, continua presa em Minsk apesar das reiteradas petições da Alemanha e de outros países europeus para liberá-la.  Veronika Tsepkalo, a terceira participante do trio feminino, diante ameaças, juntou-se com o marido, também ativista, que com os dois filhos procurara abrigo em Moscou. Entrementes a família encontra-se em Kiew,  na Ucrânia.

Svetlana Aleksiévitch, jornalista, escritora premiada com o Nobel da Literatura em 2015, nunca ocultou seu apoio ao movimento reformista. Em um passo arrojado aliou-se à comissão organizadora do movimento o que não  deve ter agradado Aleksandr Lukashenko que costuma portar uma Kalashnikow até na residência presidencial como se já não mais confiasse nem em sua própria guarda pessoal.

Paralelamente às demonstrações, entrementes em quase todos os fins de semana, e das atividades das e dos líderes no exterior, surge mais um movimento de invulgar ingerência no governo e de seus diferentes órgãos públicos em Minsk. Notável é que este novo movimento é produto de uma das renomadas instituições do próprio governo da Bielorrússia: a Universidade Federal de Informática em Minsk, afamada por seu alto padrão técnico e profissional, instituição de elite, orgulho da “nomenclatura” dirigente do país.

Fato pouco conhecido mas incontestável, das salas de aula e dos laboratórios da citada Universidade saiu uma geração de especialistas em informática que em capacitação profissional concorre com especialistas do ramo dos EUA, da China, Índia e de países europeus. Para conhecedores do assunto a Bielorússia é uma espécie de laboratório informático para o resto do mundo. Programas digitais para firmas do mundo ocidental foram e continuam  sendo desenvolvidos nos laboratórios daquela instituição de ensino. Muitos callcenter de atuação internacional encontram-se em Minsk e arredores. Alguns aplicativos desenvolvidos nos laboratórios da citada universidade foram, durante algum tempo,  pioneiros no mundo ocidental. Aleksandr Lukashenko sempre viu a Bielorrússia como o centro de tecnologia do futuro.

A formação profissional, à qual já nos referimos em coluna anterior, não só nesta como em outros ramos profissionais, é vista como de alto nível. Além disso, muitos jovens estudam no exterior de preferência em universidades da UE, ou Cambridge, Edinburgh, Boston, Massachusetts, Berkeley e Moscou.

Stephan Wackwitz, escritor, essaísta e publicista alemão, durante muitos anos colaborador do Goethe-Institut, com atuação em vários países, entre outros como diretor em Minsk, na Bielorrússia, é perspicaz conhedor daquele país. Em recente artigo publicado no DIE ZEIT, Wackwitz comenta: “Com respeito à política interna o país pode ser descrito com muita acuidade com o conceito ‘Novo Despotismo’ criado pelo politólogo australiano John Keane. Os novos despotismos têm gerado – largamente ignorados e mal interpretados pelo Ocidente –  uma região de crescimento explosivo e dinâmico entre a China, Rússia, Azerbaijão, Arábia Saudita, Cazaquistão e Bielorrússia. A região é o centro de um milagre econômico não ocidental”. Mais adiante Stephan Wackwitz pergunta: “Quem já sabe que a Bielorússia é um dos mais sucedidos  centros mundiais no campo da informática?”

O que foi orgulho das elites dirigentes do país transformou-se em pesadelo. Bem-formados especialistas em informática, muitos dos quais deixaram o país e vivem no exterior, aderiram aos movimentos reformistas e encetaram uma guerra cibernética contra o governo autoestabelecido.

Juntou-se uma elite de profissionais da área informática, egressos da Universidade Federal de Informática em Minsk, formando um pequeno exército cibernético capaz de paralisar o país sem uso de arma de fogo, Kalashnikow , tanque de guerra ou qualquer outro armamento balístico mais sofisticado.  O pequeno exército informático causa mais dor de cabeça aos dirigentes em Minsk do que as demonstrações semanais nas ruas das cidades e aldeias do país.

Esses jovens guerreiros cibernéticos, a maioria entre vinte e trinta anos, encontram-se no exílio, principalmente na Polônia e na Lituânia, donde através de seus influentes blogs, travam acirrado ataque contra a interminável democratura de  Lukashenko que, por sua vez,  manisfesta profundo desprezo ante os governos desses dois países por darem abrigo a elementos, segundo seu ponto de vista, inimigos do Estado.

Nenhuma instituição oficial em Minsk pode estar segura de não ser vítima de ataque cibernético capaz de penetrar nas mais profundas entranhas de seus arquivos. Um quadro estarrecedor, ilimitadamente além daquele descrito por George Orwell em seu “1984”.

Um exemplo da capacidade cibernética desses guerreiros  é a Central de Polícia em Minsk que foi alvo de uma invasão hacker com acesso às listas dos nomes dos policiais escalados para o serviço nas demonstrações dos fins de semana onde vale, conforme vimos pelas imagens há meses repetidas, a lei do cassetete.  Para alguns esse acesso poderá parecer de menor importância; para outros é  fundamental para eventuais investigações judiciais contra agentes policiais no futuro.

Diante dos contatos de Svetlana Tikhanovskaia em Bruxelas e demais países da UE, das atividades dos demais ativistas (que não são poucos) no exterior e do exército cibernético, Roman Goloutschenko, chefe de governo bielorrússo, desabafa: “Nosso país está sob forte pressão do exterior”.

A situação na Bielorússia tende a tornar-se mais tensa. Permanece no ar a pergunta até quando Aleksandr Lukashenko poderá manter-se no poder. A amizade de Lukashenko com Vladimir Putin, desde  o ano 2000 presidente da Federação Russa, não se baseia em fortes elos. Lembremos: Lukashenko negou-se a aprovar a anexação da Crimeia por parte da Rússia em março de 2014 e a permanência de Aleksandr Lukashenko no poder provavelmente não será decidida em Minsk, mas em Moscou.