“Pedaladas” trazem risco de impeachment
18 abril 2015 às 11h44
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Além de manobras fiscais, propina a funcionários da Petrobrás e posição do TCU apontando uso irregular dos Correios na campanha eleitoral complicam Dilma Rousseff
A oposição ao governo petista começa a ver perspectivas reais de apear do poder a presidente Dilma Rousseff. Até agora, as claras evidências de financiamento de campanha da petista com dinheiro roubado da Petrobrás, e a prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, diretamente ligado ao staff de campanha da presidente, não tinham animado os opositores nesse sentido.
Mas as coisas começaram a mudar de figura na quarta-feira, 15, com a declaração, por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), de que não há dúvida de que o governo Dilma incorreu em crime de responsabilidade fiscal, ao utilizar recursos de bancos públicos para inflar artificialmente seus resultados e melhorar as contas da União.
Esse tipo de manobra, que vem sendo cometido à larga desde o início do primeiro mandato de Dilma, contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal, e passou a ser conhecida como “pedaladas fiscais”. Uma “pedalada fiscal”, ou “contabilidade criativa”, é algo assim como consertar o delicado mecanismo de um relógio usando marreta.
Por coincidência ou não, na mesma quarta-feira, à noite, quatro partidos de oposição — PSDB, DEM, PPS e Solidariedade — se reuniram para estudar o caso e deliberar uma estratégia para, se for o caso, encaminhar um eventual pedido de afastamento de Dilma Rousseff. Reuniram-se os presidentes do PSDB, senador Aécio Neves (MG); do DEM, senador José Agripino (RN); do SD, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SP); e do PPS, deputado Roberto Freire (SP).
A reunião se deu após conversa com representantes da aliança que reúne 20 movimentos populares que organizaram os levantes de rua contra o governo, nos dias 15 de março e no domingo passado. O encontro teria sido o primeiro passo em busca de apoio popular para um possível pedido de afastamento contra a presidente.
O encontro foi decidido após a notícia da prisão do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Segundo Agripino Maia, a avaliação dos oposicionistas é que o quadro se deteriora todos os dias e o tema impeachment, que não estava na pauta dos partidos, passou a estar. O assunto era evitado e agora é considerado e o pedido do processo vai depender da consistência jurídica para tanto e da evolução dos fatos.
Os líderes partidários deliberaram em pedir pareceres de juristas sobre a existência ou não de elementos que caracterizem crime de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff nas recentes denúncias de mais corrupção envolvendo governo e PT, para decidirem se entrarão com pedido de abertura de processo de impeachment contra ela. Com a revelação das “pedaladas”, a situação de Dilma se complica mais.
Mas já tem oposicionista certo de que a declaração do TCU sobre as manobras fiscais do governo já é fato suficiente para embasar o pedido de abertura do processo de impeachment. É o caso dos senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).
O goiano subiu na tribuna do Senado e mandou ver, como registrado no jornal “Valor Econômico”: “Está claro que o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei Orçamentária incide sobre a presidente da República a condição de prática de crime de responsabilidade. E o que a Lei nº 1.079 prevê? Que os crimes [de responsabilidade], ainda quando simplesmente tentados, são passíveis […] de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o presidente da República, ministros de Estado e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Não é uma decisão dos partidos de oposição, não é aqui apenas o sentimento das ruas. Trago neste momento uma decisão do Tribunal de Contas da União”.
Cássio Cunha Lima aparteou Caiado, endossando a tese: “Sempre se diz que para o impeachment tem de haver um elemento jurídico — chegou o elemento jurídico! A decisão do TCU fecha o elo da corrente: o impeachment é um processo político e também jurídico. Politicamente, as condições já estão postas há algum tempo. Dizia-se: não há argumento jurídico. Agora há” Inegavelmente, de maneira inequívoca, a presidente da República comete crime de responsabilidade.”
E há mais dois fatores considerados com potencial para enrolar a presidente: a denúncia de que a Controladoria-Geral da União (CGU) sabia do pagamento de propina pela empresa holandesa SBM Offshore a funcionários da Petrobrás mas esperou terminar a eleição presidencial para investigar os contratos sob suspeita; e a posição do TCU apontando uso irregular dos Correios na campanha eleitoral, distribuindo panfletos de propaganda da petista. Aliás, as imagens dessas irregularidades ainda estão na internet para quem quiser ver.
Os tucanos, que até então pareciam fazer uma oposição “doce”, como se fazendo questão de esquecer a oposição que o PT lhe fez nos dois governos FHC, pelo jeito resolveu endurecer o jogo. O partido encomendou ao jurista Miguel Reale Júnior parecer sobre a consistência das denúncias que podem complicar Dilma. Os tucanos solicitaram ao TCU acesso à documentação que comprovaria a ilegalidade no caso das “pedaladas fiscais”. Eles estão cuidadosos em evitar açodamento e dar robustez ao pedido de impeachment, sem risco de fazer uma peça falha.
Os tucanos, anota o “Valor Econômico”, estão divididos. A bancada na Câmara é praticamente unânime no apoio ao impeachment. Mas os senadores tucanos não estão totalmente fechados nessa posição. Também o ex-presidente Fernando Henrique tem dúvida — como teve no caso do mensalão, quando praticamente enterrou a possibilidade de a oposição pedir o impedimento de Lula. Aécio Neves tenta equilibrar as posições, mas admite que o impeachment está no radar das oposições.
Ali Babá não…
Com a prisão do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o partido ficou batendo-cabeça sobre quem escolher para a função. O posto tem se revelado de alto risco, lembrando que, antes, foi parar na cadeia o goiano Delúbio Soares, condenado no mensalão.
O que fazia doer a cabeça dos dirigentes petistas era como encontrar alguém que não estivesse também sob alguma suspeita. Reino da maledicência contra e a favor, na internet houve quem sugerisse que o nome mais indicado seria… Ali Babá.
O personagem fictício dos contos do livro “Mil e uma noites”, descrito nas aventuras de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”, não é filiado ao partido. Mas não é verdade, como dizem as más línguas, que foi por isso que o PT escolheu, na sexta-feira, 17, o ex-deputado federal por Sergipe Márcio Macedo (nascido na Bahia) para o cargo de tesoureiro.