Trinta anos sem Ayrton Senna: o olhar distante e a batida forte na curva Tamburello

02 maio 2024 às 10h34

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*Carlos César Higa
Quando lembro do acidente que matou Ayrton Senna, em 1º de maio de 1994, é claro que a imagem da batida do seu carro no muro da curva Tamburello vem em primeiro lugar. Pedaços do carro pelo chão e seu corpo imóvel. Galvão Bueno desesperado porque “Senna bateu forte” e a equipe médica demorava para chegar. Mas não é somente esta imagem que me vem à mente daquele dia tão triste.
Poucas horas antes de começar o GP de Ímola, uma cinegrafista registrou Senna olhando para o seu carro. Não era um olhar de quem se concentrava para a corrida, de quem imaginava cada curva, de quem ultrapassaria os adversários até atingir o primeiro lugar e vencer mais uma corrida ao som do tema da vitória da Globo com mais uma narração enlouquecida do Galvão Bueno. Era um olhar distante. Parecia que seu pensamento estava em outro lugar, em outra dimensão. O barulho do motor dos carros e a gritaria que envolve um Grande Prêmio de Fórmula 1 não o incomodavam. Até hoje quando vejo aquela cena eu fico triste. Não pelo que aconteceria horas depois, mas por não saber o que estava incomodando Senna a ponto de ele olhar para o carro daquela forma.
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Durante os treinos para o GP de Ímola, aconteceram dois graves acidentes: um envolvendo Rubens Barrichello e outro que matou o austríaco Rolland Ratzenberg. Senna ficou comovido com esses acidentes. Talvez, a imagem dele olhando para o carro mostrasse sua preocupação com a segurança do carro, da prova em geral. Talvez tivesse alguma coisa errada na sua Willians e ninguém fazia nada. Talvez o traçado da pista. Aquela cena voltou à tona depois da morte de Ayrton.
Em 1994, Senna já estava com o nome escrito na história da Fórmula 1. Tricampeão mundial, amado pelos brasileiros, admirado pela sua determinação e empenho. Era muito bom acordar cedo aos domingos para vê-lo conquistar mais uma vitória, com a narração berrada e emocionante do Galvão, o tema da vitória, a bandeira brasileira em suas mãos. Senna no pódio mais alto dava um grande orgulho na gente. O Hino Nacional sendo executado! Ele jogando champanhe na cabeça. Tudo isso faz parte da nossa memória afetiva, cada um sabe onde estava quando Senna conquistou tal título, tal vitória ou no acidente em Ímola. Se era alegria acordar cedo aos domingos para ver Senna disputar mais um Grande Prêmio, o que dizer acordar de madrugada para vê-lo ser tricampeão mundial no Japão.
Como a gente queria que Ayrton Senna se levantasse do cockpit da Willians e saísse andando para os boxes. Não ficaríamos tristes pela ausência do tema da vitória naquele 1º de maio de 1994. Deixaríamos as vitórias para as próximas corridas. Teria tanto GP pela frente para o Senna mais uma vez brilhar e trazer alegrias para os brasileiros. Quem sabe outra vez acordaríamos de madrugada no GP do Japão para comemorar o tetracampeonato dele. Igual o tetracampeonato que a seleção brasileira disputaria na Copa do Mundo dos Estados Unidos. Mas, infelizmente Senna permaneceu imóvel no cockpit. A equipe médica chegou, mas não se pode fazer muita coisa. Horas depois, no Plantão da Globo, o repórter Roberto Cabrini daria a notícia que ele jamais queria anunciar: Ayrton Senna da Silva estava morto.
Nestes trinta anos desde o acidente de Ímola, muitas coisas mudaram na Fórmula 1. A segurança das pistas e dos carros melhorou, os recordes de Senna foram quebrados, outros ídolos surgiram e desapareceram, mas um igual ele jamais existiu. E trinta anos depois aquele olhar distante dele ainda me deixa muito triste.