Na política, isolar-se é mais impróprio que um incesto
07 novembro 2015 às 14h23
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Caso do deputado Waldir Soares, que ameaça um voo solo e independente rumo ao Paço Municipal, é recorrente e o fim é sempre o mesmo: ser engolido pelo violento sistema político
Parafraseando Buarque, que tão bem falou de saudade de “Pedaço de Mim”, na política a solidão é o revés de um parto, é entrar no quarto do filho que já morreu. A política, se encarada como a redução comportamental de todas as possibilidades de comportamento e sentimentos do humano, tem apenas uma restrição: não admite o sucesso daqueles que andam solitários. Na natureza selvagem, um ser vivo pode até ter as suas chances de viver doente, sob o risco de inúmeros ataques em nome da sobrevivência e até mesmo caminhar só, destacado de seu bando. Será difícil, mas ele conseguirá obter pelo menos uma mínima a chance de se manter vivo.
Foi Kurt Vonnegut quem disse que “aquele que pensa que Natureza é sua amiga certamente não precisa de inimigos”. A política, no entanto, se mostra ainda mais selvagem e cruel que a violenta e impávida natureza bruta. Estar só num processo político, lançar-se a uma disputa sem aliados ou sem manter o diálogo aberto com outras forças, é ligar um cronômetro de contagem regressiva que, ao zerar, tocará a trombeta do fim. É a morte eminente.
Pode até funcionar por algum tempo, afinal, alguém isolado é mais facilmente capaz de se esconder. Qualquer sombra vira bunker. Mas é tudo uma questão de tempo. Diante da primeira necessidade de deixar aquele suspeito conforto do esconderijo, tudo pode dar errado. E, segundo o tal Murphy, se tem uma chance de dar errado é porque vai dar errado.
Na história política recente, quem andou sozinho, dançou. Cedo ou tarde, todos tiveram o mesmo caminho. Alguns obtiveram até sucesso nas empreitadas, mas ao se manterem isolados ou – como é comum se ouvir – aliados ao povo, ah, alardearam uma silenciosa e amargurada queda. O povo é este ente imaginário. É como apelar para Deus diante da fúria da mãe natureza. É como tentar ensinar a um chimpanzé a rezar um Pai Nosso e esperar que ele faça disso uma arma quando se deparar com um leão faminto. Ou vários deles. Antes de qualquer reza, ele vai se apressar a correr e a trepar na primeira árvore alta que encontrar. “Pai nosso, que estais no céu”, mas quem está diante das feras sou eu.
A política está cheia de chimpanzés, mas mais ainda lotada de leões famintos. Todos habitam uma árida superfície onde sobra gula e faltam árvores de copa alta. Fugir é uma tarefa quase impossível.
Na política, os animais comem para engordar e não somente para se saciar.
Os exemplos são recorrentes, históricos. Fernando Collor venceu com o povo e pisou nos inimigos. Foi engolido em dois anos. Ernani de Paula, em Anápolis, foi outro. Marconi Perillo nunca andou sozinho, mas, depois de eleito e diante do encontro com as feras, soube seduzi-las uma a uma. E mesmo hoje, sendo ele próprio a fera predadora, ainda cuida de seduzir as presas que tenham dentes afiados. Afinal, não custa ser precavido.
Enfim, quem anda só e permanece só, tem um encontro marcado com finais tristes.
Agora quem ameaça lançar-se a si mesmo a uma missão solitária é o deputado federal Waldir Soares. O delegado bom de tiro já se cansou de ter lado. Enfezou-se até mesmo com Marconi Perillo e agora em tom de ameaça quer ser o candidato do Nem. Nem PT, nem PSDB. Não é aliado de Dilma, tampouco de Marconi. Em recorrentes conversas com amigos, tem repetido a tese de que vai caminhar nos braços do povo que o elegeu o deputado mais bem votado das últimas eleições. Foi o povo e, há quem diga, foi o Facebook que o elegeu. Portanto, quem precisa de políticos malvados quando se tem as massas para lhe apoiar?
Waldir Soares comete mais um erro em sua trajetória fugaz rumo ao estrelato que tem ganhado e fagocitado quase que na mesma velocidade. Ao fazer isso, apenas assina embaixo das suspeitas que o PSDB tem acerca dele: como político não é um quadro confiável. Não é alguém que o PSDB pode bancar e, se vencer, poderá dizer “vencemos”. Soares é o que sempre foi: o exército de um homem só. Dentro do PSDB é um dândi. Anda como um tucano, fala como um tucano, mas dentro do ninho todos o enxergam como alguém que não pertence à espécie.
A estratégia de Soares em disputar a Prefeitura de Goiânia como sendo uma alternativa civil ao viciado e corrompido meio político é marota, é esperta e não é um delírio. É, do contrário, bastante antenada com o sentimento de decepção da população. De fato, as pessoas enxergam em Soares muito mais o delegado polêmico do Facebook do que propriamente um deputado, um agente político. Votar em “um dos nossos”, ou seja, alguém que não seja um político de carreira, pode ser uma saída. No entanto, o povo não faz parte da política. A política é feita por animais políticos e não por cidadãos. Compreender esta diferença é fundamental para garantir a sobrevivência.
O povo é patrocinador, expectador e refém do processo político. Jamais parte integrante.
Ainda que consiga encontrar alguma habilidade para conseguir negociar e disputar uma eleição de forma competitiva sob estes termos de isolamento, no mais que provável segundo turno, o delegado terá de dar as mãos aos desafetos que anda construindo hoje. E terá de andar por pontes que tem ameaçado dinamitar cotidianamente.
Mais ainda neste exercício de futurologia política: sagrando-se vencedor, o futuro prefeito não irá dialogar ou contar com o voto de seus projetos com o Facebook, mas com outros animais ferozes – estes com fome e sanha de qualquer coisa – os vereadores. Sei de políticos que, como humanos, prefeririam enfrentar os leões famintos que debater e negociar o apoio de um grupo de parlamentares municipais.
Portanto, isolar-se é apertar o botão daquele cronômetro de contagem regressiva. Cedo ou tarde, ele vai zerar.
Quem acha que tem amigos na Política, certamente não precisa de inimigos. Esta Vonnegut não previu, mas a gente, aqui, sim.
A saída para Waldir Soares é uma improvável mudança de rumo pessoal. Dar continuidade ao personagem afiado que conseguiu construir e ser idolatrado pelas donas de casa e pelos cidadãos de bem, mas pessoalmente, como político, deixar de ostentar o dedo em riste imitando uma pistola contra o rosto das feras de seu partido ou dos adversários de momento.
Apontar o dedo contra políticos como se fosse uma arma é a representação literal do que se queria ter, mas não se tem: enquanto ele acha que tem uma arma nas mãos, todos os outros veem apenas o seu dedo, inofensivo, como instrumento de ataque e defesa.
O dedo é primeiro a porta de entrada para se abocanhar o resto.
Há casos semelhantes para Soares refletir. Vanderlan Cardoso caminhou sozinho e tudo o que colecionou ao seu currículo foram expectativas criadas e… frustradas. Não conseguiu ir muito longe diante do longo caminho que esperava percorrer. Ronaldo Caiado é um agente político com um calibre incomparavelmente maior e mais letal que Soares e, mesmo assim, tem tentado sempre se manter à sombra. Rosna, esbraveja, mas sabe a hora de calar e procurar o grupo. E só sai das sombras para entrar na boa. Passou a vida desejando cargos executivos, mas se mantém vivo em disputas parlamentares nas quais pode se misturar, se diluir, se fazer esquecido em meio aos pares. Curiosa e paradoxalmente, ao obter um mandato de disputa absoluta e não proporcional, Caiado vive seu momento de maior isolamento: está brigando com todos os possíveis aliados e vê seu partido dissolver-se a ponto de ele própria ser a sombra do que deveria protegê-lo do sol.
Se continuar assim, Waldir não conseguirá ser engolido pela fúria da natureza do processo eleitoral. Antes disso acontecer, ele não chegará a ver a luz deste dia chegar e poderá ser tragado internamente no ninho tucano. Lá, as aves são mais astutas e de bico mais afiado que o dedo em riste que ele usa para ameaçar. Por lá os bicos tucanos metafóricos são mais reais que o eufemismo do seu triste dedo de arma de fogo…