Meio século de história, mais de 40 coreografias criadas, e uma identidade que transforma música em movimento com precisão e poesia. Assim pode ser resumida a trajetória do Grupo Corpo, um dos maiores patrimônios artísticos do Brasil, que comemorou recentemente seus 50 anos de existência. Fundado em Belo Horizonte pelos irmãos Pederneiras, o Corpo se tornou um nome de peso no cenário internacional da dança contemporânea.

“Quando transformamos a casa dos nossos pais na sede do Grupo Corpo, lá em 1975, acreditávamos cegamente que ia dar certo”, Relembra Paulo Pederneiras, diretor artístico da companhia.

E deu. A estreia com o balé “Maria Maria”, em 1976, já veio com música de Milton Nascimento e letras de Fernando Brant, marcando o início de uma tradição  que seria fundamental para o DNA do grupo: a parceria com grandes nomes da música brasileira e internacional.

Balé Maria Maria, Grupo Corpo | Foto: Reprodução

Ao longo das décadas, trilhas sonoras foram especialmente encomendadas a compositores como Philip Glass, Lenine, Caetano Veloso e Uakti. Cada criação musical, muitas vezes experimental e fora do convencional, ganhou corpo através dos movimentos fluidos e precisos dos usuais, resultando em espetáculos que transcendem a dança. O trivial

Segundo Rodrigo Pederneiras, coreógrafo residente: “A música é o ponto de partida. Sem ela, não existe balé no Grupo Corpo”.

Foi assim com “Vinte Um”, em que a sonoridade inventiva do Uakti  se respalda em coreografias que parecem desafiar a gravidade, e também com “Parabelo”, onde as músicas de Tom Zé e José Miguel Wisnik traduziram o sertão em movimento.

Vinte e um, Grupo Corpo | Foto: Reprodução

O Grupo corpo também realizou a criação de um espetáculo que surgiu a partir de leitura cênica da interpretação do pianista Nelson Freire para os 24 prelúdios de Chopin.

A partir de repertórios eruditos com obras de Richard Strauss, Heitor Villa-Lobos e Edward Elgar, entre outros, novos espetáculos foram desenvolvidos combinando técnicas clássicas e releituras contemporâneas transformando a identidade do grupo.

No final da década de 1980 o grupo apresenta “ Missa do Orfanato” uma tradução cênica da Missa Solemnis k.139, de Mozart, mesclando ópera, dança e interpretação num espetáculo  grandiosos que mesmo vinte anos após a estreia permaneceu  no repertório do Grupo Corpo.

Na celebração dos 50 anos, o Grupo Corpo se reinventa mais uma vez. Uma nova montagem está sendo preparada para estrear em agosto, desta feita com uma trilha composta por Clarice Assad. É a primeira vez que uma mulher assina a trilha de um espetáculo do Corpo, o que confere à obra um simbolismo ímpar.

Clarice Assad | Foto: Reprodução

Para Clarice Assad: “(…) essa responsabilidade é enorme, mas também muito gratificante. É uma homenagem às compositoras brasileiras que vieram antes de mim”

Essa nova fase também marca a chegada de Cassi Abranches como coreógrafa residente, dividindo a criação com Rodrigo Pederneiras. A dinâmica de trabalho promete produzir uma terceira “linguagem” ao processo criativo, com cada coreógrafo trabalhando separadamente antes de unir as peças em uma só obra.

Para Paulo Pederneiras: “A beleza da arte está exatamente na imprevisibilidade, a gente não sabe o que vai sair, mas é sempre emocionante descobrir. E, com certeza, o que virá para marcar este cinquentenário será memorável.”

Ao celebrar 50 anos de história, o Grupo Corpo,  também celebra a interação de uma relação íntima e visceral com a música — uma parceria que transforma som em poesia cênica e mantém a arte brasileira em evidência no cenário global.

Enquanto aguardamos o novo espetáculo do  Grupo Corpo, vale revisitar uma de suas apresentações memoráveis: “Paralelo”

Com coreografia de Rodrigo Pederneiras;  música de  Tom Zé e Zé Miguel Wisnik;  cenografia de Fernando Velloso e Paulo Pederneiras;  figurino de Freusa Zechmeister e iluminação de Paulo Pederneiras.

Em “Paralelo’, apresentado ao público no ano de 1997, a cenografia utiliza elementos que remetem à paisagem do interior brasileiro, com sua aridez, simplicidade e riqueza de detalhes.  No figurino, os trajes são como a extensão da narrativa regional. As cores, texturas e formas sugerem tradições e aspectos da cultura brasileira, conectando visualmente os bailarinos ao tema. A cenografia recorre à  luz para criar atmosferas que evocam o calor, a terra e os contrastes entre sombra e brilho típicos das paisagens brasileiras, destacando movimentos-chave que contribuem para a poesia  da performance.

Observe que esse espetáculo do Grupo Corpo é uma celebração  da cultura brasileira, um convite para perceber como cada elemento artístico dialoga para apresentar um Brasil plural, dinâmico e profundamente ligado à suas raízes culturais. Com uma sincronia perfeita os ritmos regionais propostos por Tom Zé  e Wisnik guiam os movimentos dos bailarinos nos quais a música constrói ou complementa a narrativa apresentada no palco.