Março, o mês das mulheres, traz consigo a força de vozes femininas que, ao longo dos séculos, precisaram se impor para serem ouvidas. E, entre essas vozes, destaca-se agora a soprano capixaba Lorena Pires, que acaba de conquistar seu lugar na Academia da Ópera de Paris. 

Aos 25 anos, ela se torna a primeira mulher brasileira a integrar o programa da instituição, um feito notável que reflete anos de estudo, dedicação e superação em um cenário ainda dominado por dinâmicas excludentes.

Lorena começou sua trajetória musical na Faculdade de Música do Espírito Santo, onde estudou com o baixo-barítono Licio Bruno. Desde cedo, sobressaiu-se por sua técnica refinada e pela força interpretativa. Em 2023, foi vencedora do Concurso Joaquina Lapinha, onde conquistou o prêmio Maria D’Apparecida, homenageando outra grande cantora negra da ópera. No mesmo ano, ficou em segundo lugar no Concurso Natércia Lopes e se apresentou como solista com a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo. Em uma rápida escalada profissional, atuou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no papel de Lauretta, em “Gianni Schicchi”, de Puccini, e em 2025 será Clara na montagem de “Porgy and Bess”, de Gershwin, no Theatro Municipal de São Paulo.

 Joaquina Maria Conceição Lapa – Joaquina Lapinha (séc. XVIII-séc. XIX)

O ingresso na Ópera de Paris é um desdobramento natural de seu talento e trabalho árduo. Antes de ser selecionada para a Academia, Lorena já havia participado de um estágio na instituição, mediado pela Fábrica de Óperas da Unesp. Agora, ela se prepara para um período de intensa imersão, onde terá acesso a alguns dos maiores profissionais do mundo e poderá integrar elencos de montagens da companhia. 

Em abril, ela volta a Paris para apresentar o recital “Melodias Francesas e Melodias Brasileiras” no Amphithéâtre Olivier Messiaen, na Ópera Bastilha, e na Embaixada do Brasil.

O caminho até aqui não foi fácil. Mulheres no canto lírico ainda enfrentam desafios significativos, e quando se trata de mulheres pretas, as barreiras são ainda mais evidentes. A história da ópera, marcada por padrões estéticos rígidos e elitistas, nem sempre abriu espaço para vozes que fugiam ao eurocentrismo predominante. A própria trajetória de Maria D’Apparecida ilustra essa realidade: uma soprano brasileira de carreira internacional, mas que passou anos sem o devido reconhecimento em seu próprio país. 

Quando Lorena vence um concurso que leva o nome de Joaquina Lapinha, primeira cantora lírica negra do Brasil há um peso histórico nesse feito. Seu sucesso não é apenas pessoal; é parte de uma transformação maior e, ainda em curso.

Falar sobre mulheres na música não deve ser um exercício de exaltação vazia, mas sim de reconhecimento concreto. Lorena Pires não ocupa um espaço por acaso. Sua presença nos palcos mais importantes do Brasil e, agora, da França, é fruto de mérito e persistência. 

Ópera de Paris | Foto: Reprodução

Lorena Pires chega agora à Academia da Ópera de Paris, mas sua trajetória foi construída através da resiliência das muitas mulheres que vieram antes dela. A cada nota que canta, há vestígios de vozes que enfrentaram exclusões, de quem abriu portas sem saber se teriam passagem. O mês da Mulher não deve ser uma celebração isolada, mas um compromisso contínuo de luta contra o apagamento e o retrocesso. Porque ocupar espaços não é suficiente – é preciso garantir que eles não sejam tomados de volta. E que, como a voz de Lorena, as mulheres sigam cada vez mais alto.

Ouviremos a soprano Lorena Pires no Concerto dos vencedores do 2° Concurso de Canto Joaquina Lapinha interpretando de P. Tchaikovsky:  Letter Scene  – Eugene Onegin. Sob a regência da maestra Priscila Bonfim  com a Orquestra Experimental de Repertório. 

A Cena da Carta da ópera Eugene Onegin, de Tchaikovsky, que iremos ouvir,  é um dos momentos mais icônicos do repertório operístico para soprano. Tchaikovsky combina a tradição operística ocidental com um profundo senso de drama psicológico, algo típico do romantismo russo.

Observe a interpretação de Lorena ao transmitir a introspecção e a explosão emocional apenas com sua expressão corporal e facial, pois a cena se passa enquanto  a personagem escreve a carta.

Perceba também o papel fundamental da maestra ao dar suporte à solista e realçar as cores orquestrais que acompanham a transformação emocional  da personagem. A orquestra dialoga com a soprano, muitas vezes antecipando ou comentando suas emoções através de mudanças de timbre e dinâmica.