Johannes Brahms, em sua maturidade, deixou um legado pianístico que supera os aspectos técnicos ou formais de sua escrita. Os três Intermezzos do Opus 117, compostos no verão de 1892, são um exemplo eloquente desse legado. O próprio compositor se referiu a essas peças como “as canções de ninar da minha dor”, uma descrição que encapsula o caráter introspectivo, melancólico e profundamente humano dessas obras.

Cada um dos três intermezzos apresenta um universo emocional particular, embora compartilhem um clima de intimidade e contemplação. A primeira peça, em mi bemol maior, inicia-se com uma epígrafe retirada da balada escocesa Lady Anne Bothwell’s Lament, aludindo a uma mãe que embala seu filho em meio à dor e ao abandono. Essa melodia, suave e intimista, evoca uma atmosfera de resignação e ternura que perpassa toda a obra.

O segundo intermezzo, em si bemol menor, oferece um contraste mais agitado, com figuras rítmicas e harmônicas que sugerem angústia e inquietação. No entanto, a seção central, em tom maior, ilumina temporariamente o cenário com um sentimento de consolo, como uma trégua em meio à turbulência emocional.

Por fim, o terceiro intermezzo, em dó sustenido menor, encerra o ciclo com uma reflexão pensativa, quase como um murmúrio de aceitação diante das vicissitudes da vida.

Clara Schumann (1819 – 1896) e Johannes Brahms (1833 – 1897)

Clara Schumann (1819 – 1896), confidente e amiga íntima de Brahms, expressou sua profunda admiração por essas peças em uma carta ao compositor:

“Nessas peças, finalmente sinto a vida musical agitar-se novamente em minha alma”

 A resposta de Brahms, entretanto, foi tipicamente reservada, descartando qualquer interpretação exagerada de sua intenção ao compor as peças. Ele ironizou a ideia de “canções de ninar”, ao afirmar que, se fosse o caso, seriam as de

“uma mãe infeliz ou de um solteiro desconsolado”

Já o  crítico musical austríaco Eduard Hanslick (1825 – 1904) descreveu os intermezzos como “monólogos”, e o compositor, arranjador e crítico musical alemão Walter Niemann (1876 – 1953)  os caracterizou como “completamente pessoais e subjetivos”. Essa subjetividade é marcante na seção central do segundo intermezzo, no qual  Niemann compara a “um homem parado com o vento sombrio e tempestuoso do outono girando ao seu redor”.

Essa metáfora reflete a essência dos intermezzos: pequenos mundos introspectivos que, embora privados, dialogam com as experiências universais de perda, aceitação e esperança.

Ainda hoje, os Intermezzos Op. 117,  continuam a cativar intérpretes e ouvintes. Revisados recentemente na edição completa das obras de Brahms, eles representam um desafio técnico moderado, exigindo um interpretação  sensível, capaz de traduzir a complexidade emocional dessas miniaturas.

Ao revisitar essas obras, é impossível não se emocionar com o legado musical e humano de Brahms. Os intermezzos nos convidam a um mergulho na alma de um compositor que, com simplicidade e profundidade, capturou a essência do ser humano em sua música.

András Schiff (1953)

Ouviremos o pianista húngaro-britânico András Schiff (1953) interpretando os 3 Intermezzi Op. 117 de Brahms.

Observe nessa interpretação magistral, uma das obras mais introspectivas para piano solo compostas nos últimos anos de vida do compositor.