Ontem, dia 02 de abril, fiquei sabendo do falecimento de Maryse Condé. Escritora guadalupense, ativista, feminista e difusora da história e cultura africana no Caraíbas, Condé escreveu mais de 20 livros. Com um excelente domínio da escrita, ela permeia suas narrativas com uma fina ironia política em cada linha de seus livros.

Maryse é uma escritora que abordou de forma inventiva, criativa e arrebatadora questões raciais, de gênero e classe. A considero uma das grandes vozes da literatura do Caribe.

Boa parte de seus livros retratam as relações entre os povos africanos e a diáspora, escreve livros questionadores, que através da memória nos concebe conhecer outras possibilidades de mundo. Abordou também o colonialismo, a sexualidade e  diáspora negra, mas sempre mantendo o seu Caribe natal como o centro de suas narrativas e sempre escrevendo com forte viés feminista.

Seus livros lançados no Brasil são: “Eu, Tituba – bruxa negra de Salem”, “O evangelho do novo mundo”, “O coração que chora e que ri” e “O fabuloso e triste destino de Ivan e Ivana”. Com o livro “O evangelho do novo mundo”, Maryse Condé ganhou o The International Booker Prize, um prêmio alternativo ao Nobel. Esse que também é um livro extremamente interessante, é um romance sobre a tradição do evangelho cristão pela lente do realismo mágico. “O coração que chora e que ri” é uma coleção das memórias de Condé crescendo em Guadalupe. Segundo ela, é “dotada de uma cultura maravilhosa, fabricada de várias influências.”

Mas o meu livro preferido da autora é o “Eu, Tituba”, onde ela nos conta uma história ficcional de uma personagem real, mas que foi “esquecida” por historiadores. Aqui, cabe fazer um parêntese, que esse é um dos livros que mais “grita” a identidade afro-caribenha de Condé. Tituba foi uma das primeiras mulheres a serem julgadas no famoso caso sobre as bruxas de Salem, e que nos mostra que a trajetória da protagonista é marcada pela violência desde a concepção.

Ela era filha de uma mulher negra escravizada, que desde muito jovem viveu uma série de tragédias familiares. Ao também ser feita de escrava, foi levada de Barbados para a Nova Inglaterra pelo pastor Samuel Parris, o mesmo que acaba por denunciá-la. Criada por uma mulher que tinha o poder da cura e que a iniciou nos mistérios, mesmo protegida pelos espíritos em que acreditava, ainda assim não pôde escapar da teia de mentiras e acusações da histeria puritana da época.

A sensação de encantamento ao ler pela primeira vez “Eu, Tituba”, me remeteu ao mesmo encanto de “Cem anos de solidão”, com o realismo mágico tão característico dos latino-americanos e caribenhos, em cada linha subentendida, acho bonito de ler. O que mais gosto desse livro, é como pela primeira vez pude ver a história das bruxas de Salem pela perspectiva feminina. Negra, escrava em um mundo de perseguições, tornou-se um alvo fácil para as acusações de “bruxaria”. Em uma época de puritanismo, preconceito e racismo, o conhecimento de ervas, da natureza e energias, eram consideradas comportamentos de bruxas (não que ainda não o sejam).

Seus livros podem ser lidos como uma resposta ao colonialismo, aqueles que não se dobraram diante das imposições de fé e da verdade de si. Assim, ela nos coloca diante dos horrores da colonização, do machismo, racismo e outras violências.

Em uma entrevista, Maryse Condé disse que a força de suas personagens era graças às mulheres que a criou. Não só por isso, mas assim, esse se torna um livro imperdível, pois é um lembrete para permanecermos juntas, fortes e atentas.

*Natália é sócia, curadora e livreira na Livraria Palavrear. Jornalista, crítica literária e pós graduanda em escrita criativa e teoria literária.