TV Globo “camufla” caso de assédio sexual em afiliada de Roraima?

24 julho 2020 às 08h43

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O diretor de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, até agora não se manifestou. Em outros casos, foi mais rápido. O acusado trabalhou em Goiás
O diretor de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, tem um conduta exemplar e, portanto, não se pode dizer que a maior rede de televisão do país está “camuflando” uma história que está sendo denunciada pela jornalista Ellen Ferreira, que, inclusive, naquele sistema de rodízio, já apresentou o “Jornal Nacional”. O mais provável é que Ali Kamel e a assessoria jurídica da empresa da família Marinho estejam estudando o caso, de maneira detalhada, para tomar uma decisão. Se a denúncia for verdadeira, o diretor da Rede Amazônica, que controla a afiliada de Roraima, certamente não permanecerá no cargo. Não é praxe da Globo acobertar casos de assédio sexual.

Recuperada de Covid-19, Ellen Ferreira voltou ao trabalho, mas, chamada ao Departamento de Pessoal, foi demitida na quinta-feira, 23. Alegaram que a empresa está passando por uma fase de “reestruturação”. Mas a jornalista avalia que o motivo é outro: ela denunciou o diretor de Jornalismo local, Edison Castro, por suposto assédio sexual e moral. Chegou a enviar uma carta a Ali Kamel, que não tomou providências, ao menos até agora. Noutros casos, a Globo foi rápida.
Ellen Ferreira faz acusações graves: “Ele é um psicopata que já havia passado pelas redações de Goiás, Maranhão e Tocantins. Homofóbico, racista, gordofóbico. Praticava assédio moral e sexual, deixou toda a equipe doente. Uma moça da TV Anhanguera [Goiás] chegou a tentar se matar por causa dele. Ele dizia que eu era repugnante, gorda, que me vestia mal. Me ameaçava de demissão. A fama dele era de o João de Deus da redação. Havia gente que desejava bater nele. Debochava de um repórter que era gay. Chamou o cabelo de uma repórter negra de moita feia”.

Segundo Ellen Ferreira, outros funcionários, cujos nomes não citados nas reportagens que publicaram o assunto — do Portal Metrópoles e do jornal “O Dia”, do Rio de Janeiro —, também sofreram tipos de assédio. A apresentadora e um grupo de funcionários chegaram a fazer um dossiê e o encaminharam ao Sindicatos dos Jornalistas de Roraima (Sinjoper). Um jornalista chegou a ser demitido por causa disso.
O jornal “O Dia” e o Portal Metrópoles procuraram a Globo e Ali Kamel, que não se manifestaram. O diretor Edison Castro também não apresentou sua versão. O executivo é tido como “profissional”, “duro”, “exigente” e “inflexível”, admite quem já trabalhou com ele em Goiás. Na Globo, ele teria (ou já teve) a proteção de um diretor cujo apelido seria “Bodão”.

Relato enviado pela jornalista Ellen Ferreira à TV Globo
“Essa mensagem é um desabafo. Apenas um breve relato do que a praça de Roraima tem vivido. Eu ainda estou de luto em família. Estamos no limite com a situação de coronavírus e estamos trabalhando com muita garra diante de um fade grande, no meu caso de 1h20 minutos.
“Com tantas coisas acontecendo, o Edison, chefe de Roraima, ameaça, cria briga entre funcionários, deturpa as coisas e situações e estamos exaustos de tanta pressão psicológica. Ele repete que vai me demitir (também ameaça a outras pessoas) e, no meu plantão de sábado passado, repetiu todo tempo que ia me demitir e que minha situação ‘estava complicada ‘. Não sou de faltar, cumpro minhas obrigações, produzo, apresento, faço reportagens, e nunca me vi como agora com pavor e mandando mensagens de ajuda. E me sinto sozinha e oprimida.
“Se ouvissem os funcionários, mas não nos ouvem, estamos no limite. Reforço que estamos dando o nosso máximo na cobertura jornalística. Mas viver com medo e sensação de que vamos perder emprego é algo sufocante e ruim.
“Ele faz fofocas, intrigas, joga um contra o outro. Estou esgotada. Quando ele chegou a Roraima, pensávamos que seria uma nova era e estamos frustrados com tanta humilhação. Comigo fez uma fofoca e sou a bola da vez, onde me trata um dia bem, outro não, vira a cara e faz ameaças. Para os chefes maiores, é o cara, lúcido, visionário e persuasivo. Pra nós, meros funcionários, perseguidor e eu estou à base de remédios.
“De fato, ele entende de TV. Mas com as pessoas tem criado clima insustentável e não podemos falar, fazer nada, porque somos oprimidos. Ele afirma às pessoas: ‘A empresa tá do meu lado’, e a gente engole seco. Quando me deu aumento de 500 reais, fiquei feliz demais, mas repetidas vezes jogou na minha cara o aumento e pensei em ir no RH pra voltar meu salário antigo.
“Ele reverte tudo. Ele faz uma artimanha de humilhar, bater na pessoa e, no dia seguinte dá flores, elogiar. Isso é desgastante. Doentio. É acusado de assédio sexual também, a moça levou pro RH de Manaus, mas acabou desistindo por medo dele. E eu só quero trabalhar em paz, sem pressão e humilhação, assim como os funcionários desta emissora que vivem com medo.
“Na quinta-feira, durante uma entrevista pela internet, ele que cria situações pra me desestabilizar no JRR1, mandou eu repetir sobrenome do entrevistado que eu tinha dito certo. Pois ele atrapalhou duas vezes a minha entrevista indo ao estúdio dizer que quem manda é ele.
“Eu apresentei por 1h20 querendo chorar. Angustiada e pedindo força pra Deus. Quem vê, não mexe porque ele disse que a empresa está do lado dele. Por fim, pedi ajuda de Manaus, daqui de Roraima e só me sugeriram demissão. E segunda-feira eu terei a resposta. Jamais imaginei enfrentar tudo isso e me sentir só mesmo sabendo que não sou errada e estou sendo assediada mas não tenho voz. Estou em pânico. Não sei mais o que fazer. Obrigada.”