Harold Bloom diz que Lawrence: “Continuará enterrando seus coveiros, como Whitman enterrou sucessivas gerações de papa-defuntos que o descartaram”
No livro “O Cânone Ocidental — Os Livros e a Escola do Tempo”, Harold Bloom diz que D. H. Lawrence “continuará enterrando seus coveiros, como Whitman enterrou sucessivas gerações de papa-defuntos que o descartaram”. A escritora Doris Lessing, num ensaio perceptivo, escreve: “Lawrence pregava o sexo como uma espécie de sacramento e, mais ainda, um sacramento capaz de nos salvar dos efeitos da guerra e dos males de nossa civilização. ‘Denegrir o sexo’, anatematizou ele, ‘é o crime do nosso tempo, porque precisamos é de ternura pelo corpo, pelo sexo’”. Se W. H. Auden (“A Mão do Artista – Ensaios Sobre Teatro, Literatura, Música”), Richard Ellmann (“Ao Longo do Riocorrente – Ensaios Literários e Biográficos”), J. B. Priestley, Frank Kermode (“D. H. Lawrence – Biografia Literária”), F. R. Leavis (“D. H. Lawrence, Novelista”), Peter Gay, Jeffrey Meyers (“D. H. Lawrence – A Biography”) e Bloom percebem Lawrence como gênio literário, o psiquiatra e filósofo Theodore Dalrymple, no ótimo livro “Nossa Cultura… Ou o Que Restou Dela” (É Realizações, 397 páginas; os textos sobre Shakespeare são magníficos), mostra como um crítico extremamente perceptivo pode analisar, por má vontade ou moralismo, de maneira equivocada uma obra de qualidade, como o romance “O Amante de Lady Chatterley”. Trata o livro como “safadeza” e “obsceno”.
Não dá para reduzir e submeter a literatura à moral, pois, se o fizermos, raramente grandes escritores, como Petrônio, Boccaccio, Flaubert, Marcel Proust e James Joyce (como Lawrence, teve “Ulysses” censurado como “obra pornográfica”), escaparão aos censores de plantão. Theodore Dalrymple pega um trecho do livro de Lawrence e diz que a história é improvável e pornográfia e, por isso, a condena ao Inferno. “Seria difícil encontrar uma passagem mais horrorosa, tosca e insensível em toda a literatura inglesa.” Isto é crítica literária ou filosófica? Ou mera má leitura não-estética? Outra coisa: aquilo que não se aprova, que se condena, não existe na realidade? Auden assinala que aprendeu a admirar no poeta Lawrence aquilo que, de algum modo, ia contra seus princípios poéticos (“O que me fascina em certos poemas de Lawrence é que sou obrigado a reconhecer que ele jamais poderia tê-los escrito se tivesse ideias sobre poesia coincidentes com as minhas”). Admirar e respeitar a diferença — o que se não aprova — é ter senso estético e, também, um ato civilizado. Auden: “No caso de Lawrence, um inimigo era a reação convencional, a indolência ou medo que fazem as pessoas preferirem experiências de ‘segunda mão’ ao invés do choque de verem e ouvirem por si mesmas”. Acrescente-se que a crítica de Auden, no geral, não é condescendente, mas não é uma abordagem moralista, condenatória.
“Lawrence era um escritor honesto, mas nunca foi um escritor sério — se por sério considerarmos alguém cuja perspectiva sobre a vida tem um real valor moral ou intelectual”, afirma Theodore Dalrymple. Com uma frase peremptória, por discordância mais “moral” do que estética, o psiquiatra, que se apresenta como filósofo, decreta a “morte” do autor de “Mulheres Apaixonadas” e de uma poesia que os críticos avaliam cada vez mais positivamente. No livro “Gênio — Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura” (Objetiva, 828 páginas), Bloom diz que a força estética e espiritual de seus contos é incontestável. “Com o passar do tempo, Lawrence será visto como figura comparável a William Blake.”
Ao contrário da percepção do psiquiatra, que sugere que Lawrence “foi um pornógrafo” — porque expôs o sexo sem pudor —, Bloom (e Kermode) vai por outro caminho: “O que Lawrence expressa, com eloquente desespero, é a necessidade de um renascimento espiritual em nossa sociedade mercantil e uma ressurreição sexual no corpo do indivíduo”. O crítico americano frisa que “O Arco-Íris” e “Mulheres Apaixonadas” são romances “que ficarão para a eternidade”.
Segundo Bloom, “visionário demoníaco, Lawrence é o gênio mais autêntico que a literatura do século 20 pode ensejar. Sete décadas após sua morte [o livro de Bloom é de 2002], as páginas mais marcantes da sua obra continuam a transmitir energias ferozes de espírito, determinação e mente”. Ele dizia que “o romance é o livro da vida”.
Curiosamente, e ao contrário do que sugere Theodore Dalrymple, novo xamã da direita patropi, Bloom diz que “a escrita tornou-se a religião de Lawrence, e a ‘vida moral’ era o objetivo de tudo o que ele compôs”. Há em Lawrence — o que uma mente excessivamente moralista e não necessariamente moral não percebe —, na sugestão de Bloom, “uma moralidade implícita, apaixonada, não didática. Uma moralidade que altera o sangue, em vez da mente. Altera primeiro o sangue. A mente segue depois, como se fora na esteira”.
Como poeta, Lawrence é filho, admitido, de Walt Whitman (“à frente de Whitman, nada”). A opinião de Bloom: “Lawrence escreveu um número razoável de poemas que ficarão para sempre, com efeito, mais do que o fez Eliot”. Uma leitura eminentemente herética, considerando que T. S. Eliot é apontado como o maior poeta do século 20.
Theodore Dalrymple chega a dizer que Lawrence influenciou autores de baixa qualidade artística — sem força estética alguma —, mas sem apresentar nenhuma evidência da influência. É o mesmo que responsabilizar o compositor Wagner e o filósofo Nietzsche pela existência de Adolf Hitler.
Os arcontes, ironiza Bloom, não aceitam Lawrence. Porque não o compreendem, ou melhor, não querem compreendê-lo. Querem combatê-lo por aquilo que não é, nem quis ser: pornógrafo (Kermode cita Lawrence: “Nada me provoca mais asco que o sexo promíscuo”. Mais Lawrence: “O resultado do tabu é a insânia. E a insânia, em especial a insânia das massas, é um perigo temível que ameaça nossa civilização”.). É o caso do ensaísta Theodore Dalrymple. A chancela de filósofo não lhe cai bem, porque lhe falta a profundidade de Isaiah Berlin, John Gray e Roger Scruton.
Ainda bem que Isaiah Berlin voltou a ser editado no Brasil.
O que T. S. Eliot disse de D. H. Lawrence
Em dezembro de 1922, numa carta para o irmão, Henry Eliot, o poeta e crítico T. S. Eliot escreveu: “O que quero particularmente é tempo para preencher as inúmeras fissuras na minha educação em literatura e história do passado. Há muita pouca escrita contemporânea que me fornece qualquer satisfação; certamente não há romancista contemporâneo, exceto D. H. Lawrence, e James Joyce a seu jeito, é claro, que me importo em ler“. (Página 475 do livro “Constelação de Gênios – Uma Biografia do Ano de 1922”, de Kevin Jackson, Editora Objetiva.)
Opinião de E. M. Forster sobre D. H. Lawrence
“O maior romancista imaginativo da nossa geração.” (Página 504 do livro “Constelação de Gênios – Uma Biografia do Ano de 1922, de Kevin Jackson.)
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