O terrorista franco-argelino Adlène Hicheur vive no Brasil e recebe dinheiro da UFRJ e do CNPq

10 janeiro 2016 às 22h19

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Condenado na França por terrorismo, o físico, com ligações com a al-Qaeda, chegou ao Brasil em 2013, recebeu 56 mil reais do CNPq e recebe 11 mil por mês da UFRJ
Filipe Coutinho, Ana Clara Costa e Hudson Corrêa, da revista “Época”, publicaram uma reportagem — “Um terrorista no Brasil”— que deve alcançar repercussão internacional. Os três repórteres mostram, com base em investigação da Polícia Federal, que o físico franco-argelino Adlène Hicheur, de 39 anos, que manteve ligações com a al-Qaeda, por intermédio de Mustapha Debchi, mora no Brasil, dá aulas no Departamento de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde recebe 11 mil reais por mês como professor-visitante, e recebe dinheiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Do CNPq, que é rigoroso no corte de recursos para pesquisadores brasileiros dos mais qualificados, já recebeu 56 mil reais.
Adlène Hicheur nasceu na Argélia, mas naturalizou-se francês. “Em 2009, ele foi preso e condenado na França a cinco anos de detenção pela acusação de planejar atentados terroristas”, reporta “Época”. Tido como cientista brilhante, especializado em física das partículas elementares, chegou a integrar a equipe da Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, na Suíça.
Em 2009, com problemas de saúde, Adlène Hicheur voltou para a França, onde começou a participar de um fórum, na internet, articulado por jihadistas. Seu principal interlocutor, Phenix Shadow (Fênix da Sombra), é, na verdade, o terrorista Mustapha Debchi, da al-Qaeda na Argélia. A revista brasileira teve acesso aos 35 e-mails trocados entre o físico e o representante da organização terrorista criada pelo saudita Osama bin Laden.
Mustapha Debchi pergunta: “Caro irmão, vamos direto ao ponto: você está disposto a trabalhar em uma unidade de ativação na França? Que tipo de ajuda poderíamos te dar para que isso seja feito? Quais são suas sugestões?” Adlène Hicheur respondeu: “Sim, claro”. E acrescentou que pretendia “trabalhar no seio da casa do inimigo central e esvaziar o sangue de suas forças”.
Aceitando o incentivo de Mustapha Debchi, Adlène Hicheur explicita sua sugestão terrorista: “Precisamos trabalhar para acelerar a recessão econômica, ou seja, atingir as indústrias vitais do inimigo e as grandes empresas, como Total, British Petroleum, Suez”. Sugeriu também ataques a embaixadas, sobretudo de governos apontados por ele como “incrédulos”. “Executar assassinatos com objetivos bem estudados: personalidades europeias ou personalidades bem definidas que pertençam aos regimes incrédulos (em embaixadas e consulados, por exemplo)”, escreveu para o representante da al-Qaeda. Um dos documentos encontrados pela polícia francesa indica que o físico enviou ou iria enviar 8 mil euros para al-Qaeda.
Como as mensagens eram sérias, apontando caminhos objetivos, a polícia da França prendeu Adlène Hicheur. Ouvido pela polícia e pela Justiça, o físico não desmentiu o conteúdo dos e-mails que propunham ataques e assassinatos. Como não apresentou uma defesa consistente, limitando-se a dizer que era um “bode expiatório”, a Justiça francesa o condenou como terrorista. Em 2012, em liberdade condicional, tentou voltar para a Suíça. Imediatamente, o governo vetou sua entrada. Na sua decisão, a Justiça suíça fala em “gravidade dos fatos” — quer dizer, a proposta terrorista de Adlène Hicheur de destruir empresas, provocar crise econômica e matar pessoas.
Se não pôde entrar na Suíça, Adlène Hicheur fez como alguns bandidos de filmes de Hollywood: veio para o Brasil, em 2013. Não se sabe como, conseguiu uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e já recebeu 56 mil reais do governo brasileiro. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora de pesquisas importantes, praticamente não consegue recursos do CNPq — chegou a usar dinheiro do próprio bolso para financiar pesquisas —, mas o terrorista franco-argelino, protegido não se sabe por quem, obteve recursos com facilidade. Se dificulta verbas para Suzana Herculano-Houzel, a direção do órgão, defendendo-se de estar financiando um terrorista, disse à revista “que, ao contratar, faz ‘análise baseada no mérito científico da proposta e no currículo do candidato’”. Quer dizer, um órgão de financiamento científico atua de maneira alienada quando se trata de financiar determinados pesquisadores — quem sabe, de esquerda. Ao não liberar — ou ao retardar — os recursos para a neurocientista brasileira, com pós-doutorado na Alemanha, o que tem a dizer o CNPq? Nada. Karl Marx certamente resumiria o caso numa palavra: “alienação” (e não, por certo, engajamento).
A “proteção” ao terrorista franco-argelino — que os repórteres de “Época” não conseguiram rastrear (é impossível que tenha entrado no Brasil sem alguma proteção política e acadêmica para conseguir recursos do governo federal com tanta facilidade) — levou-o a conseguir o cargo de professor-visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com salário de 11 mil reais. Denotando a mesma alienação — ou seria desfaçatez? — do CNPq, a UFRJ, financiada com recursos públicos, da sociedade brasileira, informou aos repórteres que “a contratação de Adlène Hicheur seguiu as normas usuais para professores visitantes estrangeiros, de quem é exigido passaporte com visto”. Se o franco-argelino fosse um professor de direita, ainda que com pós-doutorado, dificilmente seria contratado, sobretudo se seu histórico incluísse uma prisão sob acusação de terrorismo.
Além de pesquisas — não se sabe quais, pois a revista não investigou os resultados de sua atuação acadêmica —, Adlène Hicheur frequenta a Mesquita da Luz, no Rio de Janeiro. A CNN entrevistou frequentadores da mesquita a respeito do atentado ao semanário francês “Charlie Hedbo”, em 2015. Um dos entrevistados estampou uma camisa com o símbolo do Estado Islâmico, que estava por baixo de outra camisa, e defendeu o ato terrorista. A Polícia Federal decidiu investigar o caso e, na mesquita, acabou por descobrir o franco-argelino.
Descoberto pela “Época”, no bairro da Tijuca, Adléne Hicheur “começou a tremer”. Aparentemente, fez uma ameaça: “Não posso falar e gostaria de ser deixado em paz. Se você escrever ou falar qualquer coisa, você não imagina as consequências para você e para mim. É só isso. Eu decidi não falar nada só para reconstruir minha vida. Não é porque eu não tenha razão. Eu tenho razão”. Poucos terroristas se arrependem do que pensam e fazem. O trecho da fala de Adlène Hicheur é preciso: “Eu tenho razão”. Não se trata, pois, de um terrorista arrependido.
Resta saber como Adlène Hicheur chegou ao Brasil, quem o convidou a morar no país, como obteve financiamento do CNPq — que não é fácil de obter — e como conseguiu se tornar professor da UFRJ. A história do terrorista franco-argentino começa a ser contada, mas ainda não está devidamente contada, e não por falta de mérito dos repórteres da “Época” — autores de uma reportagem impecável —, e sim, possivelmente, porque algumas pessoas querem manter a história, ou parte dela, na sombra.
Confira o caso da dificuldade de Suzana Herculano para conseguir recursos do governo federal. A entrevista à revista “Época” é de 19 de agosto de 2015.
Suzana Herculano-Houzel: “Fazemos ciência no Brasil em condições miseráveis”
Com artigo recém-publicado na ‘Science’, neurocientista da UFRJ paralisou as atividades de seu laboratório por falta de recursos — R$ 15 mil foram tirados do próprio bolso
Érika Kokay
Neurocientista brasileira de grande reconhecimento internacional, Suzana Herculano-Houzel chefia um grupo de pesquisa composto por 15 cientistas, no chamado Laboratório de Neuroanatomia Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nos últimos 11 anos, assinou 45 artigos científicos, todos muito bem prestigiados. O mais recente, publicado no mês passado na Science, uma das mais importantes revistas científicas do mundo, promete mudar os livros de ciência ao sugerir uma nova explicação para as famosas e intrigantes “dobras” do cérebro.
Todo o glamour, porém, cai por terra quando Suzana explica as “condições miseráveis” com que tem feito ciência no Brasil. “Trabalho na Science? Bacana. Mas deixa eu contar como a gente fez isso. Só fazendo mágica”, disse ela, ao iniciar sua entrevista a ÉPOCA.
O laboratório chefiado por Suzana paralisou suas atividades recentemente, quando os recursos financeiros chegaram ao fim. Segundo ela, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou, em novembro passado, uma verba de R$ 50 mil para financiar três anos de pesquisa. Desse valor, apenas R$ 6 mil foram liberados ao grupo, e não há previsão para o repasse do restante. A justificativa do órgão, segundo a pesquisadora, é que “o valor que o CNPq passou foi o que eles tinham, o resto depende de Fundos Setoriais, e os Fundos Setoriais foram cortados”.
Ela tem ainda dois projetos aprovados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), ainda sem valor ou data definidos para a liberação. “Não temos condições de trabalhar. O investimento e o apoio que recebemos no Brasil é medíocre”, afirma. Desde que os repasses foram cortados, a cientista tem mantido o laboratório às custas do próprio dinheiro. “Já gastei mais de R$ 15 mil reais. Mas chegou num ponto que… acabou. Meu salário é de professora universitária. Eu não tenho mais dinheiro.”
Suzana voltou ao Brasil em 1999 após mestrado nos Estados Unidos, doutorado na França e pós-doutorado na Alemanha — tudo num período de dez anos, incluindo a graduação em Biologia pela UFRJ. “Voltei porque tinha um idealismo. Achava que seria capaz de fazer as coisas melhorarem. Mas hoje a vontade é de chorar e ir embora”, diz ela, que já se vê forçada a deixar o país.
ÉPOCA – Você tem pelo menos três projetos aprovados, sem previsão de liberação dos recursos. Com esse corte nas verbas, como estão as atividades em seu laboratório?
Suzana Herculano-Houzel – Nossos trabalhos já estão paralisados. Eu mantive meu laboratório funcionando nos últimos oito meses às custas de tirar dinheiro do próprio bolso. Já foram mais de R$ 15 mil reais, com a perspectiva de, quando o CNPq finalmente pagar os R$ 50 mil que têm aprovados para a gente, eu conseguir me reembolsar. Mas chegou num ponto que… acabou. Meu salário é de professora universitária. Eu não tenho mais dinheiro. Ah, trabalho na Science? Bacana. Mas deixa eu contar como a gente fez isso. Só fazendo mágica.
ÉPOCA – Sobre os R$ 50 mil. Mesmo se vocês tivessem recebido a verba, o valor não é muito baixo para financiar três anos de pesquisa?
Suzana – O valor é ridiculamente baixo. Eu acabei de fazer as contas de quanto a gente recebeu do governo brasileiro, tanto federal quanto estadual, nos últimos 11 anos: quase R$ 800 mil. Parece um valor decente e razoável. Mas isso foi ao longo de 11 anos, o que não dá uma média de nem mesmo R$ 6 mil por mês. Eu tenho colegas que trabalham com cultura de células, por exemplo, e um litro de meio de cultura, que é feito fora do Brasil, custa exatamente isso: R$ 6 mil. Então é um valor absolutamente esdrúxulo. É impossível. Fazemos ciência no Brasil em condições miseráveis.
ÉPOCA – Mas sempre foi assim? Os valores sempre foram irrisórios?
Suzana – Se os valores dos últimos 11 anos são irrisórios, antes eles eram realmente miseráveis. Meus colegas mais velhos do que eu estavam felizes com o que tínhamos na última década, porque era bem mais do que antes, nos anos 1980 e 1990. Mas ainda assim é uma miséria. E agora, nem a miséria a gente recebe mais do governo.
ÉPOCA – E os problemas com repasse? São mais recentes?
Suzana – São dos últimos meses. Até o final do ano passado, a gente recebia. Os valores eram aprovados, e a gente os recebia integralmente e imediatamente. Era pouco dinheiro, mas chegava no mesmo dia. Agora até o pagamento das bolsas foi atrasado. Eles deixaram de pagar no dia 10 de cada mês, e estão pagando no dia 20. Mas as contas vencem do dia 10. O que a gente diz para a empresa de luz, de telefone?
ÉPOCA – Mesmo com atraso, as bolsas caem?
Suzana – Sim, mas aqui outra coisa que o governo não se toca: não adianta nada a gente ter bolsa para os jovens cientistas, se a gente não tiver condições de fazer o trabalho. Eu acabei de recusar dois estrangeiros que queriam trabalhar no laboratório. Mesmo eles tendo possibilidade de bolsa do governo brasileiro, eu não posso bancar o trabalho em si. Seria irresponsabilidade minha dizer “vem, tem bolsa”, se não tem dinheiro para fazer a pesquisa. O país deveria se orgulhar de a gente estar atraindo os estrangeiros. Eles querem trabalhar com a gente, mas infelizmente eu não posso aceitar.
ÉPOCA – Além de recursos brasileiros, você conta com apoio estrangeiro, certo?
Suzana – Sim, eu recebi um prêmio de US$ 300 mil da Fundação James McDonnell, mas perdi quase metade por conta da diferença de câmbio. Por questões contratuais, o dinheiro não vem para o meu bolso, e sim para a universidade gerenciar, desde que seja usado para a minha pesquisa. O problema é: uma vez que o dinheiro cai na conta da união, ele tem que seguir as regras da união. Embora o prêmio tenha sido pago em dólares, a UFRJ não guarda esse valor em dólares. Quando ele entra, é convertido para reais. Mas eu preciso usar esse recurso em dólares, porque tudo que compramos é estrangeiro — os reagentes e equipamentos brasileiros são caríssimos e ruins. Então o dinheiro é convertido novamente para dólares quando sai. Nessa conversão, eu não tenho mais US$ 300 mil, eu tenho US$ 160 mil. O resto foi perdido no câmbio.
ÉPOCA – Então há muitas burocracias para usufruir desse apoio internacional?
Suzana – Muitas. Eu gostaria, por exemplo, de usar parte desse recurso para contratar um especialista em metabolismo, mas eu não posso porque a UFRJ não contrata ninguém, só por concurso. Toda vez que eu quero comprar um reagente, sou obrigada a comprar o mais barato. Ou seja, o pior. E não se faz pesquisa de ponta comprando o reagente mais barato. Mas essa é a lei federal: tudo que é comprado com dinheiro público tem de ter licitação e, obrigatoriamente, o menos valor possível. Ainda assim são meses de burocracias, trâmites e pedidos internos para que a universidade libere o dinheiro.
ÉPOCA – Além do recurso público e do estrangeiro, há outra alternativa para o financiamento de pesquisas?
Suzana – Não, a gente não conta com outras alternativas. Queremos fazer ciência no país, mas contamos apenas com o CNPq, que é auxílio federal, e com as Fundações de Amparo a Pesquisa de cada estado. Não existem fundações particulares, por exemplo. Não há financiamento direto com instituições privadas. O meu caso é bastante excepcional por ter dinheiro estrangeiro. É raro ver pesquisador no Brasil que recebe auxílio de fora. Mas eu gostaria de frisar que a culpa dessa história não é do CNPq, nem das Fapes. O intuito desses órgãos é fazer o que podem para financiar a pesquisa brasileira. São eles que permitem que a gente faça pesquisa. Mas realmente, com o valor que eles recebem do governo, não dá. Mágica tem limite.
ÉPOCA – E como é a realidade dos cientistas fora do país?
Suzana – Os valores de financiamento, no geral, são dez vezes maiores pelo menos. Tem uma diferença, é claro, que são verbas que têm de pagar também os salários dos pesquisadores. Mesmo assim, falamos de uma média de US$ 1 milhão por ano. Lá fora, os recursos também são mais acessíveis. Eles custam, em média, um terço do preço que custam aqui e chegam no dia seguinte. No Brasil, levam meses para chegar e passam por todos os trâmites de importação. Você tem de pedir “pelo amor de Deus” e rezar para a alfandêga liberar os produtos sem criar caso.
ÉPOCA – Fora o problema com os repasses, faltam condições de infraestrutura para a prática científica no Brasil?
Suzana – Com certeza. As pesquisas são feitas em universidades públicas, que em grande parte sofrem com falta de orçamento para estrutura. É um negócio chocante. Eu tenho dois pós-doutorandos estrangeiras no meu laboratório, uma francesa e uma alemã, e é vexaminoso quando eu tenho de dizer que a água do banheiro acabou, ou que a energia caiu, ou que a internet está piscando. “Lamento, mas essa é a nossa realidade”, eu digo para elas. O máximo que posso fazer é tentar ver pelo lado positivo: “É ruim, mas se vocês forem capazes de trabalhar nessas condições, vai ser maravilhoso quando voltarem para o país natal. Vocês vão dar um show”. Porque aprenderam a trabalhar da pior maneira possível. É vexaminoso.
ÉPOCA – Você pensa em sair do Brasil para continuar as pesquisas?
Suzana – Eu me vejo forçada a considerar isso. Eu voltei ao Brasil depois de fazer pós-graduação em outros países. Voltei porque eu queria trabalhar aqui, ficar perto da minha família… Eu tinha aquele idealismo. Achava que seria capaz de dar um jeito, de fazer as coisas melhorarem. Mas faz 16 anos que eu voltei, e não tem a menor condição de continuar trabalhando aqui. Ou eu mudo de profissão, ou eu saio daqui. É danado. A vontade é mesmo de chorar e ir embora.
ÉPOCA – E qual é o segredo para tantas pesquisas bem reconhecidas, mesmo com esses problemas de falta de recursos e infraestrutura?
Suzana – Tudo depende do tipo de pesquisa que você consegue fazer, do tipo de questão que você coloca e da abordagem que você usa. Estudar genética molecular nesse país, por exemplo, é impensável. No meu laboratório, a gente tem sido tão bem sucedido nos últimos anos porque descobriu um nicho de perguntas e respostas superbásicas da neurociência — que por isso são impactantes e interessam a um grande número de pessoas —, que podem ser abordadas com um método barato, inventado por mim em meu laboratório. Só por causa disso. Se eu precisasse de qualquer coisa a mais, a nossa produção seria muito menor do que é hoje.
ÉPOCA – Podemos dizer que a ciência é subestimada no Brasil?
Suzana – Subestimada, não. Ela é abafada mesmo. Tolhida, cerceada, pisada em cima. A gente não tem a menor condição de trabalho. O investimento e o tipo de apoio que a gente recebe do governo é medíocre. É apenas suficiente para eles encherem a boca dizendo que a ciência brasileira existe e que a gente forma não sei quantos milhares de doutores por ano. Porque, de fato, são esses os números que o governo gosta de usar para dizer que estamos indo muito bem, que estamos crescendo muito. Sim, formamos os doutores, mas fazendo ciência absolutamente medíocre. E não poderia ser diferente, porque os valores investidos são medíocres.
ÉPOCA – Mas e o Ciência sem Fronteiras? Não é um bom programa de incentivo à ciência no Brasil?
Suzana – É um tiro no pé de várias maneiras. Começando por um engano sobre o que a gente precisa no país. Quando o programa foi anunciado, eu e meus colegas ficamos animadíssimos com a perspectiva de poder contratar jovens pesquisadores estrangeiros. Assim poderíamos internacionalizar a ciência brasileira. Mas rapidamente ficou claro que não se tratava de nada disso. A ênfase não era em pós-graduação, e sim em financiar um ano de graduação no estrangeiro para jovenzinhos recém-saídos da escola. O governo não honra seus pós-graduandos. Em vez disso, envia alunos de graduação para passear lá fora. A gente sabe, a partir de relatos dos próprios alunos, que a maioria vai para fazer turismo. É claro que há aqueles responsáveis e sensatos, que notam que têm uma oportunidade de ouro nas mãos e aproveitam, mas eles são raros. De qualquer forma, eu acho que é um tiro no pé. Coloca em risco o pouco que a gente tem para fazer ciência no Brasil.