Na Casa Branca, nos Estados Unidos, os presidentes são obrigados a pagar por suas despesas pessoais
10 setembro 2016 às 09h42
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Despesas com alimentação e lavanderia são de responsabilidade da primeira-família. Laura Bush teve de pagar hora extra do próprio bolso para funcionários que organizaram aniversário para seu marido
A autora do livro “Por Dentro da Casa Branca — As Histórias Privadas da Residência Mais Famosa do Mundo” (Planeta, 335 páginas, tradução de Marcelo Levy), a jornalista Kate Andersen Brower, teve uma grande ideia: conversou com funcionários e ex-funcionários da residência habitada pelos presidentes dos Estados Unidos e, embora a discrição deles impeça a publicação de revelações bombásticas, há boas histórias. No geral, John Kennedy, Bill Clinton e Barack Obama são os presidentes preferidos da maioria dos servidores da mansão? Errado.
George H. Bush, pai de George W. Bush, sai da obra como o mais simpático dos líderes americanos que habitaram a casa branca. Os Bush (George e sua mulher, Barbara) são vistos como os mais empáticos e respeitosos. “O velho Bush… Eles eram mais amistosos. O outro, o filho, não parava para conversar, seguia caminhando. Não tinha papo, nada. Mas com o velho era diferente, ele era adorável — ele e sua esposa.”
Paciente, George H. Bush não se irritava com os erros dos servidores. Certa vez, quando se preparava para jogar malha, pediu a um funcionário que esborrifasse repelente no seu corpo. “O funcionário cobriu o presidente dos pés à cabeça com o produto e só depois descobriu que havia usado por engano um pesticida industrial ultrapotente. Minutos depois, quando percebeu o erro, o funcionário ‘literalmente correu’ até o médico”, relata Kate Brower. Quando o médico chegou, “o rosto do presidente já estava vermelho. Bem dentro de sua característica, o presidente disse: ‘Tudo certo, tudo certo, tudo certo. Vamos logo com isso porque precisamos voltar para o nosso campeonato de malha’”, relata, divertido, o assessor Worthington White. Ninguém foi demitido.
Lyndon Johnson, o sucessor de John Kennedy, contribuiu para a afirmação dos direitos civis dos negros, mas, pessoalmente, era grosseirão. “O repórter Frank Cormier revela que ficou chocado ao ver o sargento Paul Glynn, comissário e camareiro do Air Force One, em pleno voo, ajoelhado lavando os pés do presidente. Sua surpresa foi ainda maior porque Johnson nem mesmo agradeceu Glynn. ‘Conversando o tempo todo, Johnson ignorava o camareiro e só reagiu quando teve de cruzar a perna em outra direção, para que o empregado pudesse cuidar do outro pé’, observou Cormier. “Glynn também cortava as unhas dos pés do presidente.”
O presidente dos Estados Unidos é uma espécie de Deus da Terra, ao menos depois de 1945, com a derrota da Alemanha Nazista. Mas não necessariamente para suas mulheres. Nelson Pierce, assessor na Casa Branca por 26 anos, presenciou Nancy Reagan tratando o presidente Ronald Reagan — o político que se gabava de ter destruído a União Soviética e o comunismo — como se fosse uma criança. Ela falava aos gritos com o poderoso chefão. “Ela reclamava com ele por estar com a TV ligada. O presidente disse: ‘Querida, só estou assistindo ao jornal’”, relata Pierce. Nancy Reagan nem se importou com a presença do funcionário. Não estava muito tarde — 23 horas —, mas ela exigia que o marido estivesse na cama.
Os Clinton, Bill e Hillary, era festeiros, mas desconfiados. Barack Obama é reservado e adora maçãs galas. Michelle Obama é tão brava quanto Hillary.
Despesas pessoais
Um dos capítulos mais interessantes do livro versa sobre as despesas pessoais da primeira-família — presidente, mulher e filhos. “A primeira-família tem de pagar por todas as suas despesas de natureza pessoal”, afirma Kate Brower. “É a família quem paga as despesas de lavanderia. Cabe também à primeira-família pagar pelas despesas com alimentação e bebida pessoais — incluem-se aí não apenas suas próprias refeições como também as dos convidados particulares.”
Gary Walters, diretor da Casa Branca, revelou para a autora do livro “que ‘quase todas’ as primeiras-damas, exceto Barbara Bush, aparentaram surpresa e desagrado quando foram informadas disso. Muitas pediam que a carne servida nas refeições fosse de cortes mais baratos, a fim de reduzir as enormes despesas mensais; os Carter chegaram mesmo a pedir que, para suas refeições pessoais, os cozinheiros usassem restos de refeições anteriores”.
Segundo Kate Brower, “até Jackie Kennedy instruiu o diretor a ‘gerenciar’ a Casa Branca “‘como faria para o mais pão-duro de todos os presidentes da história deste país!’” Em seguida, em tom confidencial, acrescentou: “Nós não temos nem uma pequena parte do dinheiro que os jornais dizem que temos!” Talvez John Kennedy não tivesse, mas seu pai, Joseph Kennedy, um grande investidor — ganhou dinheiro inclusive em conluio com mafiosos, da estirpe de Sam Giancana, o amigo de Frank Sinatra —, era bilionário. O livro nada diz sobre isto, mas não é sua finalidade.
John Kennedy, sugere Kate Brower, era preocupado com o custo das despesas com alimentação. “Ele costumava conversar detalhadamente com os funcionários sobre como reduzir as despesas com leite em sua casa de Hyannis. A chefe de cerimonial dos Kennedy, Nancy Tuckerman, disse que nunca o viu sentado por tanto tempo ou tão interessado em qualquer outra coisa por mais de cinco minutos. As despesas com bebidas alcoólicas dispararam durantes os anos Kennedy; o motivo é que, antes dele, a Casa Branca, por mais incrível que possa parecer, discretamente recebia uísque contrabandeado pela Administração de Serviços Gerais. No entanto, segundo uma nova regulamentação, a Casa Branca só poderia continuar com essa prática se ela fosse tornada pública, o que levou o presidente a rapidamente suspendê-la; a partir desse momento, passou a mandar a governanta-chefe Anne Lincoln comprar bebidas baratas. Kennedy tinha seu estoque particular de bebidas alcoólicas, guardadas em um armário escondido no terceiro andar do qual só seu camareiro e Anne tinham a chave. Ainda que sempre atento ao custo de vida na Casa Branca, não cabia a ele pagar pelo grosso das bebidas alcoólicas, já que o volume maior era consumido em eventos oficiais da Presidência.”
Luci Baines Johnson, filha de Lyndon Johnson, conta que sua mãe reclamava, de maneira constante, dos “custos exorbitantes de viver na Casa Branca. “Já casada, Luci levou a nova família para passar um fim de semana em Camp David — e recebeu a conta das despesas com a alimentação durante sua estadia. Ficou chocada.” Lady Bird Johnson informou-a: “Ah, sim, sempre tivemos de pagar, mas quando você era menor e vivia em nossa casa, nós pagávamos para você”.
Susan Ford, filha do presidente Gerald Ford, o sucessor de Richard Nixon, lembra-se que seu pai “costumava brandir a conta diante dela e avisá-la: ‘Fique atenta: quando você traz seus amigos aqui, eu vejo isso aqui’”.
O presidente Jimmy Carter era visto como um homem pão-duro, apesar de ter posses. Sua mulher, Rosalynn Carter, ao verificar a primeira conta mensal de sua família na Casa Branca — 600 dólares — assustou-se: “Não parece muito agora, mas, em 1976, para mim era uma fortuna!”
A florista da Casa Branca, Ronn Payne, contou que Jimmy Carter “também queria gastar pouco com flores. Mesmo que habitualmente não seja responsabilidade da primeira-família pagar pelas flores, Carter achava que tampouco o Estado tinha de bancar arranjos muito sofisticados. ‘Nós tínhamos de sair e colher flores para os jantares. Costumávamos ir aos parques da cidade e colher flores’”. A polícia chegou a prender um funcionário da Casa Branca que estava colhendo flores no parque Rock Creek.
Barbara Bush, mulher do bilionário George H. Bush, disse a Kate Brower que as primeiras-damas não deveriam ficar chocadas com o fato de ter de pagar as contas. “Nós recebíamos muita gente. O George W. também. E nós pagávamos pelas despesas com nosso convidados. Quando a conta chegava, estava tudo lá, especificado: ‘um ovo: 18 centavos. Senhor Fulano comeu um ovo e uma torrada’. É mais barato comer na Casa Branca”, relata a ex-primeia dama.
A mulher de George H. Bush acrescentou que, “embora tenha de pagar pela alimentação e a conta de lavanderia, a primeira-família não tem despesas com eletricidade, ar-condicionado, flores, mordomos, encanadores ou ‘pessoal de jardinagem’, o que torna viver ali uma pechincha — especialmente para uma família como os Bush, que estavam acostumados a ter serviçais pagos trabalhando para eles. “Achava muito barato morar na Casa Branca”, arremata Barbara Bush.
Tão rica quanto Barbara Bush, Laura Bush, mulher do ex-presidente George W. Bush, surpreendeu-se com o custo de uma festa de aniversário que bancou para o marido. A primeira-família teve de “pagar adicional de hora extra de 50% aos funcionários que tiveram de trabalhar depois das cinco da tarde, horário em que normalmente terminam seus turnos”.
O chef de cozinha Walter Scheib revelou que às vezes recebia ligações do diretor-executivo sugerindo que as famílias pediam economia “nos gastos com ingredientes ou solicitando que fossem usados menos cozinheiros”.