Livro de Palmério Dória diz que reeleição de FHC foi comprada com cheque pré-datado
26 abril 2020 às 00h21
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O jornalista conta que o operador da negociação da reeleição foi Serjão Motta e afirma que a privatização das estatais foi uma espécie de doação. FHC nega
(Texto publicado no Jornal Opção na edição de 8 a 14 de setembro de 2013)
Vários filósofos, como Isaiah Berlin, escreveram sobre a imprevisibilidade da vida. Planeja-se uma coisa, às vezes com rigor matemático, mas os resultados são, ao final, muito diferentes do que se esperava. O PSDB intentou ficar 20 anos no poder, segundo projeto traçado pelo ideólogo Fernando Henrique Cardoso e pelo pragmático Serjão Motta. (“Do que falo, 95% é Fernando Henrique. E 5% é o que ele pensa, mas ainda não disse”, filosofou o tucano boquirroto.) Ficou oito anos. Talvez dez anos, pois, aos oito anos de FHC como presidente, devem ser somados os dois anos nos quais atuou como uma espécie de primeiro-ministro da gestão do presidente Itamar Franco. O escritor V. S. Naipaul, no romance “Os Mímicos”, diz que “só o poder revela o político”. Pois, para garantir a reeleição, o príncipe dos sociólogos — ou ociólogos, segundo Millôr Fernandes —, segundo reportagens da “Folha de S. Paulo”, de autoria do jornalista Fernando Rodrigues, e o jornalista Palmério Dória, jogou pesado, esquecendo aquilo que havia escrito e aceitando que o italiano Nicolau Maquiavel e o inglês Thomas Hobbes, para a política do dia a dia, são mais, digamos, funcionais. A sociologia do “distanciamento crítico” deve, e foi, substituída pela “contaminação” necessária ao pragmatismo. Agora, chega às livrarias um livro que reconta várias histórias de FHC e sua turma: “O Príncipe da Privataria — A História Secreta de Como o Brasil Perdeu Seu Patrimônio e Fernando Henrique Cardoso Ganhou Sua Reeleição” (Geração, 399 páginas), de Palmério Dória. Na verdade, não há nada de muito secreto, tanto que o autor da obra se baseia no geral no que saiu na imprensa e livros, como um opúsculo do jornalista Aloysio Biondi. Mas as informações reunidas ganham novo sabor.
O livro de Palmério Dória tem sido apontado como “a serviço do PT” — dada a proximidade das eleições presidenciais — por tucanos do alto, do médio e do baixo clero. Como a maioria das informações saiu na imprensa, há algum tempo, depreende-se que é possível concluir que os jornais e as revistas estão a serviço do PT? Ora, se é lícito espicaçar o PT, com seu mensalão, por que não se pode averiguar e denunciar o PSDB devido à suposta de compra de votos para garantir a aprovação da reeleição e à privatização? Uma história “de todos”, incluindo as contradições dos vários grupos, exige que ninguém fique de “fora”. A história é inclusiva. Se o PSDB, assim como Fernando Henrique, não resiste à crítica de um livro, bem documentando ou não, resistirá, mais uma vez, ao PT do ex-presidente Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff?
Não há dúvida de que o livro de Palmério Dória integra aquilo que se pode chamar de “história combatente” — e até história “interessada”, eleitoralmente interessada —, mas a maioria de suas informações encontra-se dispersa em publicações, como a revista “Veja” e o jornal “Folha de S. Paulo”, tradicionalmente apontadas como “área de influência” do tucanato paulistocêntrico. Tucanos dizem, com certa razão, que alguns serviços, como a telefonia — apesar das reclamações dos usuários —, além de melhorar, foram democratizados. Têm razão. Mas, para o registro da história do país, é positivo que se investigue como se deu a venda das empresas estatais. Esconder os bastidores da história não é saudável nem para os tucanos. Quanto mais ela for explicitada, mais os tucanos poderão expor o contraditório.
Este texto vai centrar-se mais na questão da “compra” da reeleição — única “estatal” adquirida e incentivada pelos tucanos —, mas abre um espaço rápido para a questão da privatização. “No dia 6 de maio de 1997, sob a gestão do síndico Fernando Henrique Cardoso, o Condomínio Brasil vendeu o controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce por US$ 3,3 bilhões. Financiados. Em 2008, diz a consultoria Economática, o valor de mercado da empresa subira quase 60 vezes, ou seja, para US$ 196 bilhões. Valorização de 5.940%. (…) Por que nos anos imediatamente anteriores à Telebrás o governo federal despejou R$ 21 bilhões no sistema de que iria se desfazer?”, escreve o “templário” Palmério Dória. Recomenda-se, para que se possa nuançar as informações do livro-vingador do jornalista, a leitura do livro “Privatize Já” (Leya Brasil, 400 páginas), do economista Rodrigo Constantino. O confronto dos dois livros certamente possibilitará ao leitor uma visão mais ampla do “problema”.
O poderoso ministro Serjão Motta e os cheques pré-datados
Aquele que idealiza sempre precisa daquele que realiza. Os intelectuais são ótimos para propor cenários, mas nem sempre são eficientes para transformá-los em realidade. Apesar das espinafradas de Millôr Fernandes e de um scholar americano, Fernando Henrique, embora não esteja no mesmo nível de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda — não é dono de uma prosa literária como a do sociólogo pernambucano e a do historiador paulista —, é um intelectual notável. Porém, tendo sido eleito presidente da República duas vezes, aproveitando-se de circunstâncias “reais”, nunca foi um operador político eficiente. Tanto que, candidato a prefeito de São Paulo, perdeu para um alquebrado mas astuto Jânio Quadros. Faltou-lhe, então, um operador — sem contar que intelectuais não têm o hábito de ouvir de verdade, apenas fingem que escutem, porque, no fundo, se consideram deuses sem Olimpo.
Eleito presidente, Fernando Henrique cercou-se de operadores e negociadores políticos experimentados, como Luís Eduardo Magalhães e Serjão Motta. O presidente idealizou o projeto de 20 anos de poder para os tucanos e Serjão Motta tratou de torná-lo realidade. Jogando com a estrutura do governo federal — mesmo na democracia, e apesar de um federalismo que é fantasmal, o governo central no Brasil é quase uma ditadura político-econômica —, o Maquiavel socialdemocrata pôs-se a trabalhar.
Sedutor, com fama de tratorar qualquer um, Serjão Motta repassou o projeto de reeleição ao deputado federal José Mendonça Filho, que apresentou a emenda, na Câmara dos Deputados, em 1º de fevereiro de 1995, “apenas um mês após a posse de FHC”.
Com a emenda na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, o aliado Luís Eduardo Magalhães, Serjão Motta tornou-se missionário da ideia de uma reeleição “a qualquer custo”. Assim como o PT fez para eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo, em 2012, o articulador de Fernando Henrique procurou o então prefeito da capital paulista, Paulo Maluf. Depois de um trabalho árduo, supostamente com muito dinheiro transferido dos bancos para os bolsos e contas de deputados, a eleição foi aprovada, em 25 de fevereiro de 1997, por 369 votos a 111, com apenas cinco abstenções.
Governadores, prefeitos e, sobretudo, o presidente Fernando Henrique ficaram felizes com a aprovação da reeleição. Uma aprovação, em tese, republicana (palavra mais emporcalhada, na República, só mesmo ética). Palmério Dória resgata uma crítica da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, publicada em 14 de abril de 1997, ao modo pouco católico como a reeleição foi aprovada: “Há uma verdadeira compra de votos de parlamentares, por meio de oferta de cargos, de favores, de obras públicas, de isenções fiscais, anistias de dívida e socorro a instituições financeiras. Trata-se de uma prática evidente de corrupção ativa por parte do governo, que oferece bens em troca de votos. Os parlamentares que votam assim não votam com independência, nem pensando nos interesses do país: são corrompidos”.
Palmério Dória ironiza, com razão, ao sugerir que a mídia foi “furada” pela CNBB. A “Folha de S. Paulo” publica, em 13 de maio de 1997, a reportagem “Deputado diz que vendeu seu voto a favor da reeleição por R$ 200 mil”. O deputado acreano Ronivon Santiago, do PFL, foi gravado pelo ex-deputado federal Narciso Mendes, que a “Folha” apelidou de Senhor X.
No diálogo gravado, Ronivon Santiago confidencia “que negociou seu voto com dois intermediários: Amazonino Mendes [governador do Amazonas, do PFL] e Orleir Cameli” (governador do Acre, do PPB) e revela que outros parlamentares, João Maia, Zila Bezerra e Osmir Lima, “todos do Acre e do PFL”, foram “comprados”. Chicão Brígido, do PMDB, também recebeu grana para apoiar a reeleição. Dois oito deputados federais do Acre apenas dois não se venderam.
Numa das conversas, Ronivon Santiago esclarece que recebeu R$ 100 mil adiantados e que os R$ 100 mil restantes seriam repassados pela empreiteira CM, ligada ao governador do Acre, Orleir Cameli. O deputado relata que os comerciantes de votos ficaram desconfiados “quando receberam o pagamento, antecipado, em cheque pré-datado, a descontar apenas após a vitória da emenda”. Palmério Dória acha graça, e quem não acha?, de que estava se comprando políticos com cheques pré-datados. “Na manhã de 28 de fevereiro, terça-feira, dia da votação da emenda em primeiro turno, encontram-se discretamente em Brasília. Cada deputado chega com seu ‘cheque pré’, rasga na frente de Cameli e recebe os 200 mil em dinheiro dentro de uma sacola.”
Pelas gravações da fala de João Maia, fica-se sabendo que personagens como Amazonino e Orleir, se pareciam protagonistas, eram atores coadjuvantes. “Enrolou nós mesmos porque aquele dinheiro era o dinheiro do Amazonino. Que o Amazonino mandou trazer, por ordem do… do… menino aqui, do Serjão. Ele pegou emprestado do Amazonino e cobriu o cheque. (…) Pelo que eu sei bem é o seguinte: eram os 200 do Serjão, via Amazonino, que era a cota federal, aí do acordo. (…) Eu falei com o Luís Eduardo [Magalhães, filho de Antônio Carlos Magalhães, ACM]. O Luís Eduardo marcou uma audiência com o Serjão. Daí, o Serjão marcou com o Amazonino.” A corrupção era mezzo Rio Amazonas mezzo Rio Tietê. Este, claro, mais poluído do aquele.
Ronivon esclarece que não recebeu apenas as 200 mil pilas do esquema “reeleição a qualquer custo”. “Eu tive lá com o Sérgio Motta. Tu tá sabendo que eu tô com a… levando uma televisão, o canal 40, né?”, conta, deliciado, o então deputado. “A estação está, diz, em nome de um laranja”, relata Palmério Dória. “Eu fui lá com ele pra poder me dar uma rádio também, né, agora. Ele vai me dar”, insiste o gulosíssimo Ronivon.
Serjão Motta costumava dizer, na versão de Palmério Dória, “que, para negociar com a base aliada, só mesmo ‘na sauna e pelado’. Alguém acrescentou: ‘Na sauna, pelado e com a chave do armário’”. Como não havia sauna suficiente em Brasília, provavelmente, tiveram de negociar em qualquer lugar, tanto na Câmara dos Deputados enquanto em escritórios refinados.
Numa das sabatinas da “Folha de S. Paulo”, Fernando Henrique, sempre tão asséptico e irônico, disse que seu governo nem ele compraram votos. “O Senado votou em junho e oitenta por cento aprovou. Que compra de voto?” Depois, para aparar possível aresta, acrescentou: “Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB? Não foi. Por mim, muito menos”. Já o repórter Fernando Rodrigues, da mesma “Folha”, concluiu: “Pelas conversas gravadas, o esquema teria sido comandado pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, que era considerado o homem forte do governo de FHC”. Num relato ao Instituto Gutenberg, Fernando Rodrigues disse: “As citações a Sérgio Motta aparecem dezenas de vezes nas conversas de Ronivon e de João Maia, quando contam ter vendido seus votos por 200 mil reais”. Estaria a “Folha” a serviço do PT? Improvável. Pois é: a fonte principal de Palmério Dória são as gravações divulgadas por Fernando Rodrigues, repórter do jornal paulistano. O senador Pedro Simon, do PMDB, garante que pelo menos 150 parlamentares venderam seus votos. “O Senhor X acha que foram muitos mais”, anota Palmério Dória. Mas apenas cinco foram crucificados.
Lei Fernando Henrique Cardoso
Garganta Profunda diz que não foram “apenas” 150 deputados
que receberam 200 mil reais para aprovar emenda da reeleição
Não fosse o Senhor X, o ex-deputado federal Narciso Mendes, do Acre, a história da reeleição de Fernando Henrique Cardoso seria um passeio tucano na Avenida Paulista. O engenheiro civil e empresário, casado com uma deputada federal, decidiu gravar as histórias de compra de voto para o repórter Fernando Rodrigues, da “Folha de S. Paulo”. Palmério Dória, no livro “O Príncipe da Privataria” (Geração, 399 páginas), ressalva que o ricaço é aliado do governador do Acre, Tião Viana, e do irmão deste, o senador Jorge Viana. Ambos do PT. Porém, ao fazer a denúncia, mantinha-se a distância do PT. Chegou-se a dizer que planejou matar os irmãos Viana.
Entrevistado por Palmério Dória, Narciso Mendes diz que a compra de votos era escancarada. “Seria ‘muita ingenuidade’, disse ele, considerar inverossímil que, no episódio da troca de cheques pré-datados por dinheiro vivo, os deputados saíssem carregando R$ 200 mil em sacolas. Afinal, em notas de R$ 100,00 seriam duas mil notas, ou o dobro se fossem notas de R$ 50,00. Duzentos pacotes de mil reais: volume considerável. ‘Tinha de ser em sacolas!’, diverte-se ele.”
Talvez para provar que também não é flor que se cheire, Narciso Mendes admite que conseguiu sua “estaçãozinha de tevê” por ter votado cinco anos de mandato para o ex-presidente José Sarney.
Por que Narciso Mendes, que não era um puro no centro do bordel, decidiu denunciar a compra de votos? “Porque eu era intransigentemente contra a emenda da reeleição. (…) A emenda constitucional da reeleição não podia beneficiar Fernando Henrique Cardoso, e ela foi criada para beneficiá-lo diretamente!” A turma de Serjão Motta, com a participação dos governadores Amazonino Mendes, do Amazonas, e Orleir Cameli, do Acre, “comprou” a maioria da bancada do Acre. A mulher de Narciso Mendes, Célio Mendes, havia ficado de fora do esquema. Por isso, decidiram procurar o ex-parlamentar. “Essas jogadas sebosas, eles preferem não fazer com mulher, porque muitas vezes mulher não aceita, então fui eu o procurado para intermediar”, ensina o agora aliado do PT.
Adversários de Narciso Mendes dizem que ele denunciou o esquema de votos para vingar-se de FHC. “A União teria promovido” uma devassa fiscal “em suas empresas, constatando dívidas de R$ 25 milhões para com os cofres públicos”, registra Palmério Dória. “Nunca ninguém fez mal a mim sem receber o pagamento de volta, seja em qualquer moeda”, admite o ex-deputado. Ele diz que sua mulher denunciou o procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza — sim, o que depois se tornou célebre —, que teria participado de uma carreata, “com a bandeira do PT nas costas”. “Esse cara ficou tão pê da vida, que pediu à Receita Federal uma devassa em nossas empresas. Ele e o senhor Geraldo Brindeiro, de quem eu guardo profundas mágoas, procurador-geral, ou engavetador-geral da República. Mandam então onze auditores fiscais para cá [Acre]. Mas a devassa não potencializou minha fúria contra a reeleição. Eu não sou covarde”, diz Narciso Mendes.
Ao abordar Narciso Mendes, o repórter Fernando Rodrigues disse que tinha um “gravador moderníssimo”, adquirido em Tóquio. O ex-deputado perguntava aos parlamentares acreanos: “E aí? Como é que tá a bolsa de apostas? Como é que tá o preço do voto?” O Garganta Profunda brasileiro contou a Palmério Dória que os informes eram espontâneos. “Eu não perguntei se foi Sérgio Motta quem procurou, se Amazonino procurou, se Orleir procurou. Tudo que está dito foi por decisão pessoal deles. Aí, chamava Fernando Rodrigues, ‘leva essa porcaria pra lá e faça bom uso’.” As degravações foram feitas por Ricardo Molina, perito da Unicamp.
Palmério Dória surpreende-se que, dezesseis anos depois da compra de votos, “jornalista algum tenha jamais procurado o homem que interpretou o papel do Senhor X” para “ouvir sua história”. Até Fernando Rodrigues o esqueceu.
Quando a primeira denúncia da “Folha” foi publicada, em 13 de maio de 1997, o governo FHC entrou em polvorosa. Os operadores voltaram ao mercado persa da política — se é que tinham saído. Oito dias depois, João Maia e Ronivon Santiago renunciaram ao mandato. Narciso Mendes questiona, com sua implacável lógica cartesiana: “Eu quero que alguém me explique qual é o deputado que vai renunciar ao mandato só por causa de uma pressão jornalística de oito dias! (…) É porque pagaram! Eles receberam dinheiro pra votar! E receberam dinheiro pra renunciar!”
No livro “A Arte da Política”, Fernando Henrique sugere que, citado como rei da compra de votos, Sérgio Motta queria uma CPI. Narciso Mendes, que conhecia os bastidores do Congresso, contesta: “Nem Sérgio Motta queria CPI, nem Fernando Henrique queria CPI, nem Luís Eduardo Magalhães queria CPI, ninguém queria, porque sabiam que, estabelecida a CPI, o processo de impeachment ou no mínimo de anulação da emenda da reeleição teria vingado, pois seria comprovada a compra de votos”. Não deixa de ser curioso: o ex-deputado insinua que a luta de FHC pela reeleição pode ter incentivado Hugo Chávez, Rafael Correa e Cristina Kirchner e Evo Moraes a tentarem se manter no poder por mais tempo.
Sobre o número de votos comprados, Narciso Mendes afirma que não foram os 150 denunciados pelo senador Pedro Simon e pela imprensa. Ele garante que muitos mais deputados aprovaram o que chama de “Lei Fernando Henrique Cardoso”. Por dinheiro.
Ao contar a história do “filho” de FHC, Palmério Dória
atribui furo do Jornal Opção à revista “Caros Amigos”
O Jornal Opção publicou uma entrevista do jornalista e escritor Sebastião Nery na edição de 12 a 18 de dezembro de 1999 — há quase 14 anos. A primeira página, com a manchete “Jornalista revela a história secreta do filho do presidente Fernando Henrique com a jornalista Miriam Dutra, da TV Globo”, chamou a atenção do país. Jornalistas de várias redações ligaram e pediram cópia da polêmica entrevista. Um repórter da “Caros Amigos”, possivelmente Palmério Dória, também solicitou uma cópia. O texto foi enviado por fax. Em abril de 2000 — quatro meses depois —, a revista publicou uma reportagem, ampliando o que o jornal havia publicado, mas sem citar a fonte, para, é claro, seu leitor pensar que estava publicando um furo de reportagem. Aos entrevistadores Euler de França Belém, José Luiz Bittencourt Filho e Márcia Elizabeth, Nery pergunta: “Por que só o presidente Fernando Henrique Cardoso não faz exame de DNA? (…) Toda a imprensa brasileira sabe que o presidente Fernando Henrique tem um filho com a jornalista da TV Globo Miriam Dutra, que mora em Barcelona”. Segundo Nery, primeiro “o Alberico Souza Cruz [ex-diretor de Jornalismo da TV Globo] a enviou para Lisboa”.
Márcia Elizabeth pergunta: “Por que só você divulgou a história?” “Para que amanhã os leitores não digam: ‘Poxa, todos os jornalistas sabiam, mas ninguém divulgou’. É uma bobagem Fernando Henrique esconder o filho”, diz Nery. O jornalista acrescenta que o ex-presidente trouxe uma argentina, Alessandra Herrera, para o Brasil, mas disse não saber se eram amantes. “Fernando Henrique arranjou um emprego para Alessandra na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ele ganha mais de que o presidente — 12,7 mil reais por mês.”
Há pouco tempo, pressionado pelos três filhos do casamento com a antropóloga Ruth Cardoso, Fernando Henrique aceitou fazer exame de DNA. Ele e o “filho”, Tomás Dutra Schmidt, fizeram o exame e, para a surpresa do ex-presidente, o garoto de mais de 20 anos não é seu filho. Os herdeiros ficaram felizes, mas FHC, que gosta do garoto, decidiu não mantê-lo afastado. No livro “O Príncipe da Privataria — A História Secreta de Como o Brasil Perdeu Seu Patrimônio e Fernando Henrique Cardoso Ganhou Sua Reeleição” (Geração, 399 páginas), Palmério Dória conta mais detalhes sobre o relacionamento do ex-presidente com a jornalista da Globo. O caso do senador de 57 anos com a repórter de 28 anos era dos mais calientes e eles chegaram a frequentar juntos a noite de Brasília. A operação para esconder o relacionamento e, sobretudo, Miriam Dutra e o filho teve como “agentes” Sérgio Motta, José Serra e Alberico Souza Cruz.
Vera Fischer, Carlos Lacerda e os namoradores Tancredo Neves e Juscelino
José Luiz Bittencourt pergunta a Sebastião Nery o que ele sabia a respeito do namoro de Magalhães Pinto com uma ex-miss Brasil. “Quando saiu a história de que ele estava namorando a Vera Fischer, eu e o Tarcísio Holanda passamos em seu gabinete, e o Tarcísio disse: ‘Doutor Magalhães, o sr. sabe que tem um boato aí na cidade de que está namorando uma mulher muito bonita, uma miss’. Magalhães respondeu: ‘Tarcísio, o Medici [o presidente Emilio Garrastazú Medici. Nery diz que Magalhães não gostava de Medici] brigou com o Lacerda e inventou que o político-jornalista era namorado de seu motorista. Lacerda foi para os Estados Unidos, pegou a Shirley McLaine, arranjou uma correspondência do jornal ‘O Estado de S. Paulo’ e ficou meses viajando, na África. Ele provou que não tinha nada com o motorista. Ele gostava era da atriz Shirley McLaine. Agora, Tarcísio, estão dizendo que estou namorando essa miss. Você acha que vou chegar na Praça Mauá, dar o braço para um fuzileiro naval e desfilar na Avenida Rio Branco só para refutar o boato de que estou com a miss? Não vou fazer isso, não’. Pronto, matou”. Sebastião Nery acrescenta: “Não há evidências” de que Lacerda fosse homossexual. “Eu nunca soube que Lacerda era mulherengo. Mas tampouco que era ‘homarengo’.”
Nery diz que namorador mesmo era Tancredo Neves. “Muito, mas muito mesmo, namorador. Vou contar uma história engraçada, mas sem citar o nome da menina, porque ela é minha amiga. Seu nome termina em ‘ice’, mas não era Clarice. Tancredo Neves encontrou essa garota, num avião, e disse: ‘Clarice, vamos fazer uma tolice?’ Essa cantada rimada é medieval, mas é engraçada.” Tancredo e sua secretária, Antônia, foram amantes, segundo Nery. “Foi um longo e feliz amor. Os dois estavam sempre sorrindo, quando juntos.”
A campanha indireta de Tancredo Neves teve sobras de dinheiro. Nery relata que, “com sua morte, os pagamentos ficaram com a dona Antônia. Ela chamou Aureliano Chaves, José Aparecido de Oliveira e Tancredo Augusto, filho de Tancredo, e fez um cheque e entregou ao filho de seu amor: ‘Esse dinheiro não é meu. Esse dinheiro é de seu pai. Era da campanha dele’”.
Juscelino Kubitschek também era mulherengo. Além de Lúcia Pedroso, talvez sua grande paixão, teve caso com várias mulheres, inclusive com Clarice, mulher de um político mineiro. A língua de Nery não perdoa nem mesmo o general-presidente Castello Branco. Ele era “apaixonado pela Tônia Carrero”, mas não foi correspondido, e “gostava da viúva do senador Clat, do Piauí”.
Uma história é contestada por Sebastião Nery: a de que os integrantes do PSD ficavam ricos e os da UDN, pobres. “Durante toda a minha vida de jornalista, eu ouvi que o PSD era corrupto. Quem fizer um levantamento sobre o testamento dos políticos vai descobrir que os integrantes do PSD morriam pobres e os da UDN, ricos. Carlos Lacerda, por exemplo. Quase todos da UDN morriam ricos. Do PSD, morriam duros. Israel Pinheiro, José Maria Alkmin, Juscelino Kubitschek e Benedito Valadares morreram duros. Quem do PSD deixou fortuna? Lacerda deixou seis empresas, entre elas a Editora Nova Fronteira.”
Ao contrário do que se costuma pensar, Nery diz que Tancredo Neves “era um homem firme, o que nem sempre é perceptível por causa do estigma de conciliador”. O político mineiro era bem-humorado. “Tancredo estava fazendo muito discurso em velório e eu escrevi: ‘O Tancredo é como ciprestes: cresce à beira dos túmulos’. Ele me chamou e disse que não gostou. Mas teve bom humor suficiente para reconhecer: ‘A frase é belíssima e inteligente, mas é maldosa. Mas não vou brigar com você’.” O presidente que não assumiu o poder, segundo Nery, “não rompia” com jornalistas, mesmo quando criticado duramente. “Depois, esquecia, ou fingia esquecer. Ele dizia: ‘Deixa disso, Baiano’”. Como fonte, era complicado: “Tancredo era habilidoso. Ele fazia o jogo dele, não fazia o jogo do jornalista. Mas era super bem informado”.
Segundo Nery, fonte boa era Petrônio Portela, senador do Piauí. “A gente percebia que ele não enganava o interlocutor. A [história] do Rui Brasil Cavalcanti — que queria ser governador quando Irapuan Costa Junior já havia sido escolhido pelo presidente Ernesto Geisel — foi relatada por Petrônio. (…) Irapuan tinha o perfil da Sorbonne, grupo militar mais intelectualizado que dava sustentação a Geisel.”