Há quem acredite que, quando se trata de Oswald de Andrade, o aplauso vem antes da piada. O que resta mostrar é a qualidade real de sua literatura

Oswald de Andrade: uma voz poderosa do modernismo brasileiro | Foto: Reprodução

A história do presidente Castello Branco, o general que nomeou dois ministros liberais, Roberto Campos e Otávio Gouveia Bulhões, para o comando da economia (Planejamento e Fazenda), é mais interessante do que parecia. O jornalista e pesquisador Lira Neto escreveu sua biografia com o distanciamento necessário. Conta tudo, mas sem excessos interpretativos e condenações ideológicas. “Castello — A Marcha Para a Ditadura” (Companhia das Letras, 464 páginas) é uma rica história de um militar e presidente. A rigor, uma história do Brasil.

Lira Neto escreveu “Maysa — Só Numa Multidão de Amores” (Companha das Letras, 296 páginas). Autores de vida densa, com tantas histórias, parecem mais biografáveis. Só parecem. Juntar as pontas, derivadas de ambiguidades — certezas sobre humanos são apenas aparentes —, não é nada fácil. Mas o biógrafo conseguiu manter a grandeza da artista, e sem deixar de contar todas as histórias, que, a rigor, são apenas humanas.

Mário de Andrade e Oswald de Andrade: sem eles, o país teria a Meia Semana de Arte Moderna de 1922 | Foto: Reprodução

Depois, ao enfrentar uma montanha, Getúlio Vargas, presidente do Brasil por quase 20 anos — uma década e meia como ditador (considerando que não se teve eleição verdadeira para presidente de 1930 a 1945) —, Lira Neto deu aos leitores uma notável história do Brasil, contada a partir das, digamos, peripécias de um indivíduo (e não só, é claro). Neste livro — em três volumes e 1760 páginas — o que se tem não é mais um repórter escrevendo sobre o país, e sim um historiador, altamente qualificado, esmiuçando, com o rigor dos scholars, a vida dos homens que construíram o século 20 patropi.

Outros livros importantes de Lira Neto são “Padre Cícero — Poder, Fé e Guerra no Sertão” (Companhia das Letras, 560 páginas), “Uma História do Samba — As Origens” (Companhia das Letras, 376 páginas. Oxalá outros projetos não impeçam a continuidade da pesquisa) e “Arrancados da Terra — Perseguidos pela Inquisição na Península Ibérica, refugiaram-se na Holanda, ocuparam o Brasil e fizeram Nova York” (Companhia das Letras, 424 páginas).

Lira Neto: jornalista, escritor e biógrafo | Foto: Reprodução

A boa notícia foi publicada pelo jornalista Lauro Jardim no domingo, 26, no jornal “O Globo”. Lira Neto vai publicar, em 2023, uma biografia de Oswald de Andrade, um dos cardeais da Semana de Arte Moderna de 1922, ao lado do papa Mário de Andrade e do arcebispo Graça Aranha. O livro sairá pela Companhia das Letras.

Maria Eugênia Boaventura escreveu “O Salão e a Selva — Uma biografia Ilustrada de Oswald de Andrade” (Ex-Libris e Unicamp, 286 páginas). Mas Oswald é uma figura sobre o qual sempre se pode acrescentar alguma coisa nova, tanto a respeito do indivíduo quanto do escritor. A figura múltipla, para além do rocambolesco, merece mesmo ser (re)contada. Os concretistas se apropriaram de um certo Oswald, o mais modernista dos modernistas (a rigor, os três mais modernistas do modernismo, Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, não participaram da Semana, mas são seus filhos, ainda que rebeldes), e agora talvez seja necessário “desapropriá-lo”, dando conta de conexões amplas, e não apenas revolucionárias em termos de linguagem. Jason Tércio escreveu “Em Busca da Alma Brasileira — Biografia de Mário de Andrade” (Estação Brasil, 543 páginas), uma valiosa pesquisa sobre um escritor decisivo para a formatação da geração modernista posterior à de 1922. O Mário de Andrade complexo e complicado é exibido à exaustão, sem perder, porém, sua grandeza.

Há quem acredite que, quando se trata de Oswald de Andrade, o aplauso vem antes da piada. O que resta mostrar é a qualidade real de sua literatura. A força de sua poesia é equivalente à da prosa? Qual sua importância na Semana de Arte Moderna: como líder e escritor? Quando realmente se tornou moderno? Sua vida parisiense influenciou sua obra de que maneira? Como era vida na cidade que, segundo Hemingway, era uma festa? Ganhou dinheiro com sua literatura ou vivia da renda da família? O que Oswald lia a sério?

É provável que, sem Oswald de Andrade e Mário de Andrade, a Semana de Arte Moderna, com Graça Aranha de Dom Quixote na comissão de frente, seria conhecida como Meia Semana de Arte Moderna. Os dois retiraram as teias do modernismo patrocinado pelos ricos em São Paulo. Graças ao dois, a nossa literatura não ficou parada em Canaã.

(Resta a pergunta: quando sai no Brasil uma biografia alentada de Guimarães Rosa, autor de “Sagarana” e “Grande Sertão: Veredas”? Os editores patropis vão esperar que saia primeiro no exterior? Sabe-se que um escritor e professor está escrevendo uma… felizmente,)