A doutora em História Contemporânea garante que não é a autora de “A Amiga Genial”, mas mostra-se enigmática: “Todos sempre temos mais de uma identidade”

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Um espectro ronda a Itália. Trata-se da escritora Elena Ferrante, que ninguém, exceto os dirigentes da editora Edizioni E/O, sabe quem é. O mistério é imenso e os jornais italianos, seguidos pelo “New York Times”, agem como verdadeiros detetives em busca da identidade da autora dos romances “Um Estranho Amor”, “A Amiga Genial”, “História do Novo Nome”, “História de Quem Vai e de Quem Fica” e “História da Menina Perdida” — todos muito bem avaliados pela crítica literária internacional. No domingo, 13, o “Corriere della Sera”, revelou que Elena Ferrante “é” Marcella Marmo (foto ao lado), professora de História Contemporânea na Universidade Federico II, em Nápoles.

Sandra Ozzola Ferri, editora da Edizioni, contesta a informação: “Não faz sentido”. Entrevistada pelo “New York Times”, Marcela Marmo foi enfática: “Eu não sou Elena Ferrante”.

O professor universitário Marco Santagata (foto abaixo) publicou um artigo, no “Corriere della Sera”, no qual diz que os perfis de Elena Ferrante e Marcella Marmo são semelhantes. O filólogo e especialista em Petrarca e Dante afirma que passagens de um romance de Elena Ferrante, “ambientado em Pisa, nos anos 1960, têm a ver com o período em que ele e Marcella Marmo estudaram na Scuola Normale. Uma personagem do livro, Elena Greco, estudou na prestigiosa escola.

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Ao “Times”, agora mais discreto, Marco Santagata ponderou: “Eu criei um perfil, não disse que era ela”.

Marco Santagata relatou ao “Times” (“O Globo” traduziu a reportagem) “que alguns nomes de ruas dos livros mudaram em Pisa depois de 1968, sugerindo que o autor deixou a cidade antes” disso “acontecer. Investigando os anuários da Scuola Normale, ele descobriu que ela [Marcella Marmo] era uma das poucas napolitanas em Pisa em meados daquela década que se tornaram especialistas na história contemporânea da Itália que forma o pano de fundo dos livros de Ferrante”.

O pesquisador disse ao jornal americano que fez “um trabalho filológico, como se estivesse estudando os atributos de um texto antigo, apesar de ele ser moderno”.

Os livros de Elena Ferrante chamam a atenção tanto pelas histórias quanto pela arquitetura. São obras construídas por uma autora madura, com pleno domínio da forma. Não se trata de uma aprendiz. Uma historiadora teria tais qualidades literárias? Não se sabe. Pode ser que sim, pode ser que não. Mas hoje as casas editoriais mantêm especialistas em costurar histórias de autores promissores, o que tem possibilitado a publicação de best-sellers internacionais. Seria o caso? Não se sabe. O “Times” frisa que “os livros [de Elena Ferrante] acompanham a amizade entre duas mulheres, Elena e Lila, a partir de sua infância em meio à pobreza da Nápoles pós-guerra e através de mudanças políticas e sociais que varreram a Itália nos anos 1960 e 1970 até os dias atuais. Em ‘A História de um Novo Nome’, Elena, que é narradora dos livros e se torna uma escritora, estuda em Pisa de 1963 a 1967. Em uma cena dramática, ela lança alguns escritos de Lila pela ponte de Solferino, no mês de novembro”.

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O obsessivo Marco Santagata observa “que a ponte Solferino, em Pisa, foi destruída no dia 23 de novembro de 1966, quando o Rio Arno transbordou. O desastre natural não é mencionado no romance, que costuma se manter próximo de eventos reais”. Seria algum disfarce da autora, que não quis ser tão precisa? Só seria possível saber se Elena Ferrante decidisse falar abertamente sobre a história. A interpretação do pesquisador: “O silêncio sobre algo de tanta importância sugere que se a memória da narradora Elena Grego pula para 1967, a da escritora Elena Ferrante parou antes do outono de 1966”.

Aos 69 anos, Marcella Marmo afirma que só leu um livro de Elena Ferrante, “A Amiga Genial”. Ela disse ao “Times” que a obra tem qualidades.

O “Times” sublinha que “a vida e os interesses políticos e intelectuais de Marcella — crime organizado de Nápoles, história do capitalismo, classes sociais italianas e industrialização do Sul da Itália — também são temas que estão no centro dos romances” de Elena Ferrante. Entrevistada pelo jornal, a professora “falou muito rápida e energicamente sobre uma vasta gama de tópicos, e parecia gostar de responder às perguntas”.

Com humor, mas falando sério, Marcella Marmo disse ao “Times” que não é “Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. Porém, de maneira enigmática, acrescentou: “Todos sempre temos mais de uma identidade”.