John Kennedy Toole escreveu obra-prima, não conseguiu editor e decidiu se matar

30 maio 2015 às 10h34

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Escritor se matou, em 1969, aos 31 anos. Seu romance “A Confederacy of Dunces” foi publicado postumamente graças aos esforços da mãe e do filósofo Walker Percy
O escritor John Kennedy Toole se matou, em 26 de março de 1969, aos 31 anos. Seu romance “A Confederacy of Dunces” foi publicado postumamente, na década de 1980, graças aos esforços da mãe, Thelma Toole — com o apoio do escritor e filósofo Walker Percy —, e vendeu mais de 1 milhão de exemplares. A obra ganhou o Prêmio Pulitzer e se tornou objeto de culto literário.

Deprimido e paranoico, John Kennedy Toole tentou publicar “A Confederacy of Dunces”, traduzido no Brasil como “Uma Confraria de Tolos” (Record e Best Bolso), mas não conseguiu. O editor Robert Gottlieb, apesar de avaliar que tinha valor, sugeriu, para publicá-lo, que fossem feitas algumas mudanças, com as quais, aparentemente, o escritor não concordou.
Na quarta-feira, 28, ao comentar o lançamento do livro “Una Mariposa en la Máquina de Escribir. La Vida Trágica de John Kennedy Toole y la Extraordinaria Historia de ‘La Conjura de los Necios’” (Anagrama, 368 páginas), do professor de literatura Cory MacLauchlin, citado como “um virginiano enamorado da terra [Nova Orleans] que Toole retratou como ninguém”, o jornal espanhol “El Mundo” dedicou um longo texto ao escritor.
“El Mundo” afirma que bastou um “não” de Robert Gottlieb, ainda que “respeitoso e nada categórico”, para John Kennedy Toole desmoronar. Num processo doloroso de “desespero e paranoia”, matou-se “inalando monóxido de carbono” (foi encontrado dentro de seu automóvel, um Chevy Chevelle). Saiu de Nova Orleans, sozinho, e foi encontrado, morto, dois meses depois, nas proximidades de Biloxi, no Mississippi.
O título do livro de Cory MacLauchlin alude a um poema de John Kennedy Toole, “El Árbitro”, que menciona “uma abelha enorme, abstrata, esmagando uma mariposa com uma tecla da máquina de escrever”. Para o intérprete da obra do escritor, isto representa o crítico que “mata violentamente o espírito belo e transformador do poeta”. O poema foi escrito depois que o escritor não ganhou um prêmio com sua novela da juventude, “A Bíblia de Néon”. Esta história foi escrita quando ele tinha 16 anos.
Espécie de menino prodígio, do qual a família exigia muito, e ele próprio se cobrava muito, John Kennedy Toole foi aluno brilhante de Columbia, onde fez mestrado em inglês. Cory MacLauchlin sublinha que escrevia com facilidade, sem grande esforço, tal seu talento com as letras. Já o romance resultou de “um desafio extraordinário”.
Candace de Russy assinala que John Kennedy Toole havia colocado “tanto de si no livro que sentia ‘um desejo devorador de que alcançaria reconhecimento”. A amiga e aluna do escritor frisa que “não era egocentrismo, e sim algo mais profundo. Tinha muito a ver com identidade e um sentido profundo do eu”.
Porém conseguir que se publicasse “Uma Confraria de Tolos” se revelou mais difícil do que escrevê-lo. “Para alguém que obtinha êxito com relativa facilidade” — como aluno, pesquisador e professor —, a quase rejeição do manuscrito pelo editor celebrado provocou um profundo baque “emocional e psicológico”, afirma Cory MacLauchlin.
Robert Gottlieb era o grande editor da década de 1960. Leu o manuscrito com interesse e sugeriu uma série de mudanças “antes de aceitar editá-lo”. Durante dois anos, John Kennedy Toole e Robert Gottlieb trocaram cartas. O editor da Simon and Schuster acreditava no talento do escritor, mas avaliava que o romance “não funcionava”.
Segundo Cory MacLauchlin, “Toole recebeu mais críticas e atenção de um editor de Nova York dos que muitos escritores receberam em sua vida”. Portanto, Robert Gottlieb não o estava descartando, e sim orientado-o a, aparentemente, reorganizar o romance.
Apesar do interesse do editor, John Kennedy Toole sente-se perdido ao revisar o livro, com receio de destroçá-lo. Era “incapaz de derramar o sangue de sua criatura”, avalia Cory MacLauchlin.
“Por razões que têm a ver com problemas psíquicos e com as circunstâncias particulares de cada um, o autor de ‘Uma Confraria de Tolos’ começou a entrar em colapso, apesar do tato de Robert Gottlieb, visto como prepotente”, inclusive pela mãe do escritor, anota, ponderado, Cory MacLauchlin. Thelma chegou a tachá-lo de “tirano” e “torturador”.
Com o livro, John Kennedy Toole pretendia se tornar independente financeiramente — parecia ter certeza de que faria sucesso, até estrondoso, como de fato fez, mais tarde — para melhorar a vida dos pais. Mas as ponderações de Robert Gottlieb deixaram-no ensimesmado ainda mais e, por isso, guardou o manuscrito de “Uma Confraria de Tolos” numa caixa.
Ao investigar os problemas de saúde do escritor, Cory MacLauchlin descobriu a história das “enfermidades mentais” de sua família, notadamente do pai. John Kennedy Toole, sentindo-se perseguido, temia que o governo americano implantasse um chip no seu cérebro.
Mas o escritor era um “melancólico atormentado”? Cory MacLauchlin conclui que não. John Kennedy Toole era, no geral, “uma pessoa divertida, que via o mundo como um desfile de personagens frequentemente hilariantes, que ele se dedicava a imitar para regozijo de seus amigos”.
O sofrimento e o suicídio não teriam como causa, sustenta Cory MacLauchlin, uma “suposta homossexualidade reprimida”. Hollywood se interessou por sua história, buscando informações sobre a “homossexualidade”, mas o produtor encarregado do projeto, ao conversar com um dos melhores amigos do escritor, concluiu que se tratava muito mais de um indivíduo “assexual”.
Thelma, com a intenção de proteger a memória do filho, destruiu sua carta de despedida. A polícia recolheu outros documentos, mas foram destruídos cinco meses depois de sua morte devido ao furacão Camille.