George Orwell denunciou tanto o fascismo quanto o stalinismo na Espanha
04 abril 2021 às 00h00
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Subtítulo de edição brasileira sugere que o jornalista britânico lutou apenas contra o fascismo no país de García Lorca; na verdade, alinhou-se também contra os comunistas
George Orwell é um latifúndio “invadido” pela direita e pela esquerda. A riqueza e a diversidade do que escreveu se prestam ao uso político pelos extremos.
A direita trata a obra de Orwell, sobretudo “1984” e “A Revolução dos Bichos”, como uma crítica corrosiva ao totalitarismo comunista — o de Stálin. A ressalva é que o jornalista e escritor não era “rival” tão-somente dos stalinistas. Seus livros também são libelos contra o capitalismo. “1984” é uma crítica ao totalitarismo, quer dizer, aos regimes nazista e comunista, espécies de religiões da direita e da esquerda.
A esquerda se apropria de Orwell e sugere que é notável crítico do capitalismo, e é de fato. O que a esquerda “esconde” é que o jornalista era também um crítico visceral do totalitarismo dos comunistas.
Recentemente, a Companhia das Letras, assim como outra editora, decidiu lançar “A Revolução dos Bichos” com outro título, “A Fazenda dos Animais” (tradução de Paulo Henriques Britto, um dos mais categorizados do país). Trata-se da tradução literal do título original, mas, como o livro reporta um fato histórico específico, a Revolução Russa — dos bolcheviques —, a tradução anterior é precisa ao sentido do que o autor diz.
A Companhia das Letras coloca nas livrarias mais uma obra importante de Orwell, “Homenagm à Catalunha — A Luta Antifascista na Guerra Civil Espanhola” (312 páginas, tradução de Claudio Alves Marcondes).
Trata-se de um clássico — e, como tal, incontornável — sobre a guerra que, entre 1936 e 1939, envolveu toda a Espanha e parte do mundo.
No livro “A Solidariedade Antifascista — Brasileiros na Guerra Civil Espanhola” (Edusp, 236 páginas), a historiadora Thaís Battibugli registra que um “grupo de comunistas brasileiros (dois civis e 14 militares) lutou” na batalha europeia. A lista: Alberto Bomílcar Besoucher, Apolonio de Carvalho, Carlos da Costa Leite, David Capistrano da Costa, Delcy Silveira, Dinardo Reis, Eneas Jorge de Andrade, Hermenegildo de Assis Brasil, Homero de Castro Jobim, Joaquim Silveira dos Santos, José Gay da Cunha (autor do livro “Um Brasileiro na Guerra Civil Espanhola”), José Corrêa de Sá, Nelson de Souza Alves, Nemo Canabarro — militares; e Roberto Morena e Eny Silveira — civis.
Brigadas de vários países — as brigadas internacionais, que incluíam americanos, ingleses, franceses, entre outros — trocaram tiros contra as tropas franquistas na Espanha.
O subtítulo da edição brasileira de “Homenagem à Catalunha” — “A Luta Antifascista na Guerra Civil Espanhola” — evidentemente não existe na edição inglesa.
O subtítulo, embora não seja criação de Orwell, não é incorreto, mas deve ser considerado incompleto.
De fato, Orwell foi para a Espanha — onde acabou ferido gravemente — com o objetivo de lutar contra os fascistas do generalíssimo Francisco Franco, que era bancado pelo nazista Adolf Hitler, da Alemanha, e pelo fascista Benito Mussolini, da Itália. Pode-se sugerir, até, que a Segunda Guerra Mundial não começou com a invasão da Polônia, em setembro de 1939, pelos alemães, e sim na Espanha, a partir de 1936. No país de Cervantes, os alemães, sobretudo, e os italianos testaram armas, aviões e homens. Talvez seja possível dizer que a luta na terra de García Lorca foi uma espécie de treino ou preliminar para os dois ditadores nazifascistas.
A União Soviética de Stálin enviou homens e armas para os republicanos. Seu objetivo era transformar a Espanha numa mini-União Soviética incrustada na Europa. Para tanto, as forças stalinistas fizeram tudo para controlar a revolução — matando franquistas, mas também trotskistas, anarquistas e socialistas. Os comunistas, dirigidos por Stálin, à distância, lutaram dura e cruelmente pela hegemonia no campo da esquerda.
Ao chegar para a luta, em 1936, Orwell, uma águia, percebeu logo que os stalinistas estavam seguindo os métodos soviéticos e liquidando inclusive aliados. Sua desilusão com os comunistas provavelmente decorre de sua vivência na Guerra Civil Espanhola. Percebeu, de cara, o autoritarismo da esquerda stalinista.
Portanto, o livro não relata apenas “a luta antifascista na Guerra Civil Espanhola”, como sugere a Companhia das Letras. Orwell faz uma crítica contundente da ação comunista no país de Andrés Nin — um líder da esquerda que as tropas de Stálin assassinaram.
É preciso retomar o verdadeiro Orwell: um crítico do capitalismo e, ao mesmo tempo, um crítico do comunismo de matiz stalinista. O Brasil, neste momento — talvez como uma resposta ao autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro —, tenta transformá-lo somente em crítico do capitalismo, um companheiro de jornada na luta contra o fascismo. Orwell era mais do que isto, ou seja, era um crítico mais amplo e não deve ser apropriado por uma única corrente. Na verdade, é um patrimônio dos que amam a liberdade e são críticos de quaisquer autoritarismos e totalitarismos.
Aos leitores de direita, é preciso esclarecer: não, Orwell não se tornou, ao criticar a esquerda totalitária, direitista. Morreu acreditando (iludido, quem sabe) no socialismo, mas não no socialismo da União Soviética.