Nos seus diários, o ex-presidente da República faz críticas contundentes a Roberto Civita, da “Veja”, e a Otavio Frias Filho, da “Folha de S. Paulo”, e garante que os jornalistas Janio de Freitas e Carlos Heitor Cony são penas de aluguel

O livro “Diários da Presidência — 1995-1996” (Companhia das Letras, 929 páginas), de Fernando Henrique Cardoso, exibe uma relação turbulenta com a imprensa. Era intensa a relação de “amor” e “ódio” entre o presidente da República e proprietários, editores e repórteres de jornais, revistas e redes de televisão. O líder tucano não era tratado com luvas de pelica e, agora, se vinga, revelando alguns bastidores poucos lisonjeiros do chamado quarto poder. Fica-se com a impressão de que, quando se portava de maneira crítica, a imprensa não era “boa”, do ponto de vista de FHC. Quando apresentava suas ideias como queria, aí, sim, era “ótima”. Outra impressão que se tem é que o presidente monitorava proprietários e editores, convidando-os para almoços ou jantares de “convencimento”. Tudo indica que o tucano queria, como tantos outros, controlar a interpretação da imprensa. Jornalistas celebrados e ao menos dois proprietários de jornal — Otavinho Frias Filho — e revista — Roberto Civita — não ficam bem na fita.

A opinião de Fernando Henrique Cardoso sobre jornalistas e donos de jornais, revistas e tevê 

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Fotos: Divulgação

Otavio Frias Filho
O diretor de redação da “Folha de S. Paulo” faz um jornalismo do contra. Mas repórteres “engoliram” críticas a FHC

Roberto Civita
O publisher da Editora Abril, que só vivia pedindo canais de televisão, admitiu para FHC que editor mandava mais do que ele

Roberto Irineu Marinho
FHC diz que o filho de Roberto Marinho afirmava ter controle de suas redações, mas nem sempre era assim. E copia da “Folha”

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Fotos: Divulgação

Ruy Mesquita
Procurado por Jader Barbalho, para “segurar” reportagem, FHC afirma que vai falar com os Mesquita, que são “difíceis”

Janio de Freitas
O colunista da “Folha de S. Paulo”, de 83 anos, é visto por FHC como “pena de aluguel”. De quem? Não se fala

Carlos Heitor Cony
O colunista da “Folha de S. Paulo”, de 89 anos, é apontado como pena de aluguel. Mas FHC não revela de quem

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Fotos: Divulgação

Elio Gaspari
Fernando Henrique Cardoso diz que a especialidade do repórter e colunista era atacá-lo. Ele chegou a compará-lo a Richard Nixon.

Mario Sergio Conti
O ex-diretor de redação da “Veja” deu informação para FHC sobre jornalista da “IstoÉ” e se desculpava por críticas da revista

Clóvis Rossi
O experimentado repórter da “Folha de S. Paulo” teve de “engolir” críticas. Octavio Frias (pai) atendeu pedido de FHC

Jânio de Freitas e Cony

Não há a menor dúvida de que Fernando Henrique trata Janio de Freitas, colunista da “Folha de S. Paulo”, de maneira deselegante e, sobretudo, irracional. O jornalista pode ter suas simpatias políticas, mas não pode ser apontado como petista, como fazem pró-tucanos ou antipetistas nas redes sociais. Trata-se, isto sim, de um jornalista crítico, duro, até implacável. “O Janio ataca muito a mim e ao [José] Serra, mais a mim que ao Serra. De qualquer maneira, ele disse que me critica por uma razão simples: tem certeza que eu fico morrendo de raiva quando leio seus artigos. Mal sabe ele que eu não o leio. Engraçada essa mania das pessoas de terem um relacionamento pessoal provocativo. Eu também gosto, mas não assim, sem generosidade”. O curioso é que, ao falar de Janio de Freitas, Fernando Henrique parece que está falando de si, pois seu livro é de uma maledicência rara em diários e memórias presidenciais (José Serra, Pedro Malan e Luiz Carlos Bresser Pereira certamente não apreciaram determinadas futricas). Quanto a não ler o que escreve o articulista da “Folha”, um dos mais lidos do jornal, é uma bobagem primária. Os que dizem não ler são os que mais leem.

Não contente, páginas adiante, Fernando Henrique faz um ataque duplo. “Na ‘Folha’ há algumas penas de aluguel. Os mais frequentes, o Janio de Freitas e o [Carlos Heitor] Cony. Não fazem outra coisa a não ser me esculhambar”. O articulista, que não está entre as penas de aluguel do país, só criticava possíveis equívocos do governo do presidente. “A gente fica lendo esse besteirol, a ‘Folha’ com o Janio de Freitas, que eu não leio, o Cony, que eu não leio, mas é só ataque, ataque, ataque, o Clóvis Rossi, um negócio impressionante”. O termo “ataque” pode ser substituído, com precisão, por crítica.

Otavio Frias Filho

Otavio Frias Filho é visto como “adversário” de Lula da Silva e do PT. Mas é provável que Fernando Henrique tenha sido o primeiro presidente a criticá-lo e ao seu jornal, a “Folha de S. Paulo”, de maneira tão contundente. “Pessoalmente o Frias [FHC está falando de Octavio Frias de Oliveira, o pai de Otavinho] é sempre muito gentil e muito entusiasmado, na prática, a ‘Folha’ sempre fazendo as suas jogadas” (a crítica, evidentemente, é a Otavinho).

Ao receber uma avaliação positiva de sua imagem na mídia, FHC gravou (o diário é produto de gravações): “É a ‘Folha’ que puxa essas notícias favoráveis e também as desfavoráveis. É mais uma questão de estilo deles e não tem jeito, o barulho é que interessa, mas isso é um detalhe”. Antes, o diário registra: “Vinte dias depois de eu estar exercendo o governo, [a ‘Folha’] fez uma pesquisa para saber se eu ia bem ou mal. Metodologicamente, todo mundo sabe que isso não é correto, mas a ‘Folha’ quer vender jornal. Fez as manchetes, deu dor de cabeça”.

As estocadas não cessam: a “Folha” fez uma pesquisa para verificar se Fernando Henrique seria reeleito. O tucano obteve 48% e Lula, 21%. “A ‘Folha’ nem o publicou [o resultado] com destaque nem disse coisa alguma. O resultado apareceu no ‘Correio Braziliense’, o que indica que alguns jornais não estão querendo informar a opinião pública, e sim criar manchetes. Querem mostrar que todo mundo é igual, que tem desgaste”.

O ex-presidente Lula da Silva costuma sugerir que a imprensa faz oposição aos governos do PT. Fernando Henrique revela que não pensa muito diferente, apesar do refinamento habitual de suas críticas: “Assim vai a famosa oposição difusa capitaneada pela imprensa, esse espírito de destruição, uma espécie de fracassomania que, como disse o Walder de Góes, tenta alimentar um novo ciclo de pessimismo”. A referência é à “Folha”.

Na discussão da emenda constitucional do gás, Fernando Henrique qualifica uma reportagem da “Folha de S. Paulo” de “maldosa”, porque “considerou” que era favorável à Abegás e à OAS. O presidente assegura que não houve favorecimento algum.

Quando criticado pelos jornais, Fernando Henrique evitava conversar com jornalistas e, talvez pela chamada liturgia do poder, ligava direto para os proprietários. Tudo indica que eram dois os objetivos: intimidar o repórter e conquistar a simpatia do dono, dando a impressão de que estava prestigiando-o. Os repórteres Clóvis Rossi e Josias de Souza escreveram sobre a crise do Banco Nacional — que levou ao seu fechamento —, instituição financeira que era dirigida pela família de uma nora de Fernando Henrique, e provocaram outra crise. “Fiquei indignado com o artigo do Clóvis Rossi, e depois de outro, de Josias, sobre o Nacional, dizendo que eu tinha ajudado o banco, e o do Clóvis Rossi dava a impressão de que eu permitiria roubo no governo.

Fiquei muito irritado, telefonei de imediato para o Frias. Disse que eu não poderia mais ir à inauguração da ‘Folha’ [de seu novo parque gráfico]. Frias ficou desesperado, disse que ia fazer os dois engolirem, e fez. Hoje [dezembro de 1995], ambos escrevem no jornal desdizendo-se. Vou à ‘Folha’, mas, nesse caso, fico sempre com o pé atrás. Encontrei o Frias ontem na solenidade do Itaú, ele meio desenxabido. Houve muito desrespeito pessoal. Já estou cansado, é demais!, por mais que eu seja tolerante”. No caso, pode-se falar em tolerância? Fernando Henrique deve ter dado um sorrisinho irônico e maroto ao saber que os repórteres foram obrigados a “engolir” o que escreveram.

Depois de “atacar” os jornalistas Clóvis Rossi e Josias de Souza, deliciando-se com sua falta de independência — tiveram de recolher o rabo entre as pernas —, Fernando Henrique volta sua metralhadora giratória para o próprio Otavinho Frias. Ele comenta uma entrevista concedida pelo diretor de redação da “Folha de S. Paulo” ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura.

No registro de Fernando Henrique, Otavinho Frias disse que a imprensa “tem de achar uma maneira de ser contra”. “O papel da imprensa é ser contrário”, disse o diretor do jornal.

Secundando os críticos da “Folha”, FHC pontua: “É a teoria do deslize, em que você analisa o todo pelo erro, pelo engano. No fundo, Otavio faz a filosofia desse tipo de jornalismo que pega a parte e não o conjunto, não tem posição propriamente política, ele é contra em qualquer nível: estadual, municipal e federal, seja qual for o partido. A imprensa é autônoma, independente das forças sociais, é um poder em si e esse poder disputa, na verdade, com os outros poderes e, para poder disputar, ela é contra”.

Na opinião de Fernando Henrique, o ideário da “Folha” prevaleceu. “Todos os jornais são contra.” Do ponto de vista de Otavinho Frias, a crítica do tucano é, na verdade, um elogio. Quando a “Folha” o compara ao ditador peruano Alberto Fujimori — um exagero evidente —, Fernando Henrique afiança que o objetivo é desmoralizá-lo. Embora saiba de tudo que saiu no texto da “Folha”, FHC garante que não o leu. Logo ele — leitor obsessivo de tudo que lhe diz respeito.

Quando a “Folha” publicou uma pesquisa, sugerindo que a sucessão presidenciável estava embolada entre Fernando Henrique, Lula da Silva e Paulo Maluf, o tucano-chefe estrilou: “A ‘Folha’ quer sensacionalismo. A ‘Folha’ é tão manipulada que eles próprios, do Conselho Editorial, tiveram que dar uma nota dizendo que a pesquisa não vale, porque são só doze capitais, 19% do eleitorado, e porque o peso de três candidatos sobre seis é uma coisa louca — só mesmo um jornal que hoje está engajado não na política, mas na desorganização da vida política brasileira”. Trata-se, na visão do presidente, de “um jornal mesquinho, negativo”. “Nós mudamos a estrutura do Estado, a economia está prosperando, e tudo é apresentado de maneira distorcida na ‘Folha’”, acrescenta o tucano. Você leu bem: não é discurso de Lula da Silva.

Numa viagem para a França, Fernando Henrique diz que levou 12 pessoas na sua comitiva, mas a imprensa registrou que foram mais de 100. “O rapaz da ‘Folha’ chegou ao cúmulo de dizer que nos Estados Unidos o presidente viaja com 123 pessoas, o que é mentira. Agora, para Lyon, vão setecentas pessoas com o presidente dos Estados Unidos.”

Família Marinho e jornalismo

Fernando Henrique e Lula da Silva: ex-presidentes pensam parecido a respeito da imprensa patropi | Ricardo Stuckert / PR
Fernando Henrique e Lula da Silva: ex-presidentes pensam parecido a respeito da imprensa patropi | Ricardo Stuckert / PR

O Grupo Globo é dirigido por três filhos de Roberto Marinho — Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho. A relação de Fernando Henrique com o trio e com os editores do jornal “O Globo” e da TV Globo é cordial. Mas há percalços.

A Globo escolheu o ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique? O pessoal da Globo disse para o presidente: “Olha, o ministro é seu, quem disser que fala por nós está mentindo, nós não temos nenhuma reivindicação”.

Segundo Fernando Henrique, os dirigentes do Grupo Globo sugeriram apenas “uma limpeza na área”, pois havia roubo “de alto a baixo”. Ao buscar assessoramento para Sérgio Motta, o ministro das Comunicações, Fernando Henrique pediu informações a Roberto Irineu Marinho sobre três executivos. Mas ele “não” impôs nenhum nome.

Na página 470, há um trecho curioso, pois fica-se com a impressão de que Fernando Henrique queria que a tutela dos integrantes da família Marinho sobre o jornalismo fosse maior do que é. “O sistema Globo está muito difícil, porque tanto o Roberto Irineu quanto o João Roberto estão hoje mais voltados para o conjunto do grupo, são vice-presidentes executivos, estão fazendo os negócios necessários ao sistema, sem estarem à testa nem da televisão nem do jornal [“O Globo”]. E por mais que sejam nossos amigos os que estão lá hoje [a informação é de março de 1996], e são bastante amigos meus — o Merval [Pereira], o Ali Kamel, o Rodolfo Fernandes são pessoas que considero amigas —, não há quem controle essas coisas, porque eles estão naquela linha”, a do “jornalismo do contra”, supostamente inspirados na “Folha”.

Fernando Henrique disse para Antônio Carlos Magalhães: “O Roberto Marinho fez o oposto [dos filhos], ele era jornalista, os negócios vinham depois, como consequência”. O presidente, nas suas gravações, conclui: “Aqui está se invertendo e, ao se inverter, a longo prazo perdem”.

Noutra gravação, de março de 1996, Fernando Henrique fala de uma conversa que manteve com Marcelo Netto, então diretor da TV Globo em Brasília, sobre o Grupo Globo (na época, Organizações Globo). “Acho que houve um erro estratégico, porque o Roberto Marinho a vida inteira foi jornalista e ganhou muito dinheiro. Os filhos, agora, o João Roberto, que é bastante capacitado para as funções, o Roberto Irineu e o Zé Roberto, foram deslocados para a holding, para a vice-presidência das organizações, e deixaram o comando diretor da TV e do jornal. Acho que há um momento de incerteza e a TV resolveu também ser independente do governo.

Tudo bem. Da minha parte, nada a opor, mas eles estão um pouco perdidos nessa independência e assumindo a posição um pouco da ‘Folha’. O Frias, dono do jornal, me disse outro dia que ele achava que a ‘Folha’ não tinha alternativa a não ser radicalizar mais.”

O que se depreende do arrazoado de Fernando Henrique? Que, quando presidente, queria que os donos mantivessem um controle mais rígido do jornalismo, que manietassem os editores e repórteres. Tanto que mais independência, sobretudo quando radicalizada, é vista pelo tucano-chefe como se os donos estivessem “perdidos”.

Em julho de 1996, Fernando Henrique inaugurou um poliduto em Jequié, na Bahia, reunindo, segundo ele, cerca de 150 mil pessoas, que o aplaudiram. Mas um pequeno grupo socialista o criticou publicamente, sem maior repercussão local. Mas a TV Globo ressaltou o protesto dos jovens e “o caráter eleitoral da viagem”. Roberto Irineu Marinho, procurado pelo ministro Sérgio Motta, admitiu o suposto “erro da Globo”. “Eu disse que… haviam ido além dos limites, tinham inventado [a história de Jequié]. Ele se desculpou e disse que eles não são como na Abril, onde o Civita diz que não manda, que quem manda é a redação. No caso da Globo, disse, eles mandam, e que essa era a orientação, que foi um acidente de percurso”, assinala FHC.

Roberto Civita e a Veja

A relação do presidente Fernando Henrique com a revista “Veja” foi turbulenta. Se é relativamente respeitoso com Roberto Irineu Marinho, não o é com Roberto Civita. “No fundo, o que ele [Roberto Civita] quer é que se deem mais canais, não entendo muito bem que tipo de canal, é a cabo parece, para ele poder competir com o Roberto Marinho, que, segundo ele, está dominando tudo, e é preciso que haja aí maior competição.” Ao fazer o pedido, Roberto Civita sugeriu que era favorável à reeleição do presidente.

Numa gravação de março de 1995, Fernando Henrique critica a “Veja” de maneira virulenta, realçando o vínculo entre jornalismo e negócio: “Trata-se de um falso moralismo [Paulo Henrique, filho do presidente, o acompanhou ao Uruguai no avião presidencial] da ‘Veja’, que vive pedindo canais e mais canais de televisão ao governo, de alta frequência, e, ao mesmo tempo, espicaça sem parar para jogar todo mundo na vala comum. A gente tem que ter o pelo duro e ir em frente”. Lula da Silva seria, pois, uma espécie de herdeiro de Fernando Henrique?

Elio Gaspari é um incômodo

O jornalista Elio Gaspari, colunista da “Folha”, incomoda Fernando Henrique. Em março de 1995, depois de ler a coluna do repórter, gravou: “Sempre com aquela visão de jornalista, achando que o preço da soja equivalente ao produto dará um prejuízo de 700 milhões de dólares ao Banco do Brasil e que isso foi feito em época eleitoral para beneficiar a minha campanha. Todas as vezes que me manifestei, fui contra. É um absurdo, sobretudo preço mínimo para a soja, não tem nenhum sentido e não tem nada a ver com a campanha eleitoral”.

Fernando Henrique percebe um complô na “Folha” para derrubá-lo, uma possível orquestração de Clóvis Rossi, Josias de Sousa e Elio Gaspari. “Acham que estou pronto para ser abatido. É uma nostalgia de impeachment, como se houvesse uma imprensa capaz de derrubar pessoas. O Elio Gaspari não teve outra ideia a não ser a de me comparar com Nixon nas fotos, não li o texto”.

Reportagem de José Casado, na época no “Estadão”, é apontada como mentirosa.
Mario Sergio Conti aparece como uma espécie de fonte de Fernando Henrique, dando-lhe informação sobre jornalista da “IstoÉ” que havia escrito reportagem sobre a Pasta Rosa (o Banco Econômico, de Ângelo Calmon de Sá, financiava políticos e os documentos foram encontrados numa pasta rosa).

Quando a “Veja” publicou a informação de que o telefone do embaixador Júlio César Gomes dos Santos, auxiliar do presidente, havia sido grampeado — a pedido de Francisco Graziano, outro auxiliar, e com a sugestão de que o tucano havia sido gravado, Fernando Henrique estrilou. “Li a ‘Veja’ com muita indignação. É uma infâmia da mídia atrás da outra. A ‘Veja’ exagerou muito, foi além das medidas. Estou irritadíssimo. É uma canalhice mesmo.” Chegaram a sugerir que havia informações íntimas sobre as relações do presidente.

A reportagem da “Veja” sobre os grampos telefônicos atribuídos a Francisco Graziano prostrou o presidente. Mario Sergio Conti “pediu, à moda dele, uma certa desculpa”… por ter feito jornalismo. “A matéria que você fez não tem cabimento, não tem proporção”, disse-lhe FHC. “De alguma maneira Conti estava um tanto acanhado com o que fez. Não sei que grau de consciência ele tem, acha que me ajudou a me livrar de duas pessoas perigosas: o Xico [Graziano] e o Júlio [César, embaixador].

Mais tarde, durante um almoço, Roberto Civita reclamou da redação, insinuando que o diretor de redação da “Veja”, Mario Sergio Conti, era quase um novo Mino Carta — incontrolável. “Ele [Roberto Civita] falou do Mario Sergio, como é difícil lidar com jornalistas, como se ele não fosse realmente o dono da revista.” De novo, fica-se com a impressão de que Fernando Henrique queria que o dono de uma publicação controlasse a redação para que saíssem notícias favoráveis ao seu governo. Trata-se, claro, de uma impressão.

Estadão e os Mesquita

A família Mesquita não é mais decisiva no comando de “O Estado de S. Paulo”. Mas no primeiro governo de Fernando Henrique mandava e, segundo Mino Carta, é a família que mais sabe (ou sabia) “dirigir” jornal. Porque entende de fato de jornalismo, sabe pensar, escrever e tem autoridade. Em janeiro de 1996, o presidente não estava muito entusiasmado com o “Estadão”, que escreveu um “editorial preventivo” contra seu governo — “dizendo que eu na verdade não teria aderido propriamente aos ideais liberais, como se isso fosse necessário para fazer a modernização do Brasil. Eles [os Mesquita] se esquecem da Espanha, ou da Suécia. É só a visão ideológica. Na verdade eles têm medo de que a regulamentação dê mais força às estatais”.

Numa entrevista ao sociólogo francês Alain Touraine, para ser publicada no “Estadão”, Fernando Henrique disse: “Eu nunca entrei no neoliberalismo, a diferença do Brasil é que o governo nunca imaginou que devesse acabar com o Estado e dar vida ao mercado. Sempre me opus a essa concepção estreita de que em vez de Estado tem que haver mercado. Não é o que temos aqui. Deve haver uma participação maior da sociedade nas decisões. Não é [domínio exclusivo] nem do Estado nem do mercado”.

O senador Jader Barbalho procurou o presidente Fernando Henrique para que interferisse na linha editorial do “Estadão”. Contou que o jornal estava pegando no seu pé a respeito de “má utilização de fundos públicos quando era governador do Pará”. “Ele [Barbalho] me viu falando com Ruy Mesquita por telefone outro dia, percebeu que eu tinha liberdade com o Ruy. Eu disse que os Mesquita são difíceis e que eu não sabia se isso era coisa deles ou da redação, que era preciso saber disso primeiro. Mas, enfim, vamos ver. Não é o meu estilo estar amarrando reportagem, pedi à Ana [Tavares] que verificasse de onde vem a pressão por essas reportagens”, registra FHC.

Um balanço da relação da imprensa com o tucano-chefe: o presidente queria uma imprensa mais compreensiva dos assuntos do governo — mais profunda e menos futriqueira —, mas também mais dócil. Queria escolher os adjetivos e, também, os advérbios. Todos querem, afinal.