Errar é humano. O drama é errar o erro errado

25 julho 2015 às 11h32
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Saída de repórter do Pop por confusão na identificação de seu entrevistado causou discussão. E o Grupo Jaime Câmara mostrou de novo que prefere perder talentos a passar por cima de vacilos que considere imperdoáveis

Quando meu chefe me ligou avisando para chegar à redação de “O Popular” um pouco antes do horário normal (às 18 horas) naquela sexta-feira de abril de 2008, eu já sabia que algo fora da rotina aconteceria. Afinal, no início do dia tinha ficado sabendo por ele, via SMS (cada época tem o WhatsApp que merece), de um erro cometido na capa do “Pop” daquele dia: havíamos trocado um nome na capa.
“Havíamos” é modo de dizer. Mesmo em um trabalho coletivo, sempre tem alguém que comete o erro de modo crucial, que o “assina” — ainda que outros façam uma espécie de coparticipação. E esse alguém, no caso, tinha sido este colunista. Não era a primeira vez que me ocorria esse tipo de erro. Nem seria a última. Afinal, eram quase sete anos fazendo a capa, dos mais de 11 anos no jornal. Jogando por baixo, folgas e férias à parte, mais de 1,8 mil primeiras páginas. Uma das pisadas na bola memoráveis para mim foi quando troquei o nome da ministra do Meio Ambiente escolhida pelo então presidente eleito Lula: Marina Silva virou Sant’Anna na legenda da foto. Uma entre tantas outras.
Durante meu tempo de “Pop”, vi o jornal e outros veículos, da Organização Jaime Câmara (OJC) ou não, serem assunto várias vezes desta coluna “Imprensa” do Jornal Opção. Por erros como o acima, cometidos no dia a dia, e por erros de condução da política de comunicação. Os primeiros são rotineiros e podem ser minimizados; já os segundos são estruturais e exigem uma mudança de rota. Pena que a OJC, hoje Grupo Jaime Câmara (GJC), tenha sempre se preocupado mais com os aqueles do que com estes.
A “Imprensa” funciona — e muitos colegas admitem isso — como um tipo de ombudsman da área no meio local. Claro que ninguém gosta de ter seus erros apontados. Mas, se apontados, há alguns caminhos a escolher: ficar enraivecido com o autor da crítica; aceitar a observação, refletindo e agindo sobre ela; ou jogar o erro para debaixo do tapete.
Na manhã da sexta-feira, 17, o Pop publicou, em sua versão online, que Rubens Otoni (PT) teria dito, em meio à cisão definitiva de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com o Planalto, que o governo Dilma Rousseff tinha acabado. Uma declaração bombástica demais para um petista. Que foi negada pelo próprio deputado: ele, efusiva e peremptoriamente, disse nunca ter falado sobre isso. E não tinha mesmo. Em vez de furo, “O Popular” deu uma furada. Mas, conforme deveria fazer, corrigiu a informação e publicou a errata. Mas o modo como se deu a fala de Otoni sem que ele nada tivesse falado ficou em suspense.
Na quarta-feira, 22, tudo ficou mais claro. No Facebook, de forma corajosa, o repórter Luís Gustavo Rocha, com seis meses de casa, anunciou sua demissão, motivada pelo erro. Mais do que isso: teve a hombridade de contar o que aconteceu e como. Em um ato corajoso, ele relatou que pensou ter discado para um deputado, mas acionou o número de outro (um jornalista diz que este teria sido o tucano João Campos, por infeliz coincidência um dos mais anti-PT da bancada goiana). Cumprimentou-o com um “oi, deputado” e seguiram-se perguntas e respostas. Talvez por inexperiência, talvez pela volúpia de postar a novidade, ele não tenha feito a leitura da gravidade que seria uma declaração daquelas sobre o governo saindo da boca de um deputado do PT. E assim foi concluído o diálogo e publicada a polêmica.
Diz um provérbio árabe que é necessário não acreditar em tudo que se vê. Isso vale também para a audição. Mas essa perícia só os anos dão — quando dão. Luís Gustavo Rocha errou? Sim. A situação mereceria algum tipo de providência além das ordinárias (errata e replicação da informação correta, por exemplo)? Também. Essa providência poderia ter sido mais branda do que a demissão? Obviamente.
Mas o “Pop” resolveu, após cinco dias do ocorrido, que o melhor seria descartar de sua redação um jovem promissor com um prêmio nacional nas costas — o Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, obtido com a equipe da TV Record quando ainda trabalhava na emissora. Em tempo: quando do anúncio da premiação, em março deste ano, quando o repórter já estava em seus quadros, o jornal procurou capitalizá-la, com um texto noticioso aberto da seguinte forma: “O jornalista Luís Gustavo Rocha, da editoria de política de O POPULAR, é um dos vencedores do Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo 2015 (…)”.
O responsável pela decisão (é bom lembrar que a editora-chefe, Cileide Alves, está em férias) poderia ter optado por uma advertência, ou mesmo uma suspensão. Mas “ordens de cima” determinaram que fosse feito o corte seco. Quiseram passar um “recado” à redação sobre o tamanho da tolerância com certos erros. E a lição provavelmente só servirá para piorar o clima no Pop, que vem destruindo a espinha dorsal de sua equipe desde o ano passado.
Em suas palavras na postagem do Facebook — a qual depois retirou do ar —, Luís Gustavo lembrou um caso interessante e pertinente a seu caso: em junho, em meio à Copa do Mundo, Mario Sergio Conti, jornalista consagrado, publicou na “Folha de S. Paulo” o que achava ser uma entrevista exclusiva com o então técnico da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari, colhida durante um voo. Na verdade, Conti obteve o “furo” entrevistando o ator Vladimir Palomo, sósia do treinador em programas humorísticos. Um engano bem mais grave, de repercussão nacional e, pior: em 3D, cara a cara.
João Campos — ou quem quer que tenha sido o deputado — foi o “Palomo” de Luís Gustavo Rocha. A diferença foi que a “Folha” não demitiu Mario Sergio Conti. Talvez tenha faltado “grife” ao repórter do Pop. A certeza, mesmo, é de que faltou tato ao GJC.
O caso daquele começo de noite de abril de 2008 me volta à cabeça, então. Na ocasião recebi a informação de que o “Pop” resolveu abrir mão de meus serviços porque a direção da empresa considerou que aquele tipo de erro não poderia ser cometido, porque denotava desconhecimento do profissional em relação à própria organização em que trabalhava. Qual o erro?
O jornal noticiava a entrada de um piloto da família Câmara na Indy Lights, categoria de acesso à Fórmula Indy, principal competição de protótipos dos Estados Unidos. O editor de Esporte, amigo e colega com quem havia trabalhado quatro anos, pediu para eu dar uma olhada no texto da matéria com carinho. Fiz assim e apontei observações a corrigir. Depois de editada, li novamente, e novamente relatei alguns poucos detalhes. Tudo para a notícia interna sair perfeita. Na hora de fazer a chamada na capa, a opção editorial foi por um destaque discreto, na forma de uma “sequinha” (apenas título e indicação da página). Escrevi “Jaiminho vai correr na Indy Lights”. E notei que caberia, no espaço, o nome completo. Troquei o texto para “Jaime Câmara Jr. vai correr na Indy Lights”. Então, fizemos o “crivo” da capa em três — eu, subeditor; meu chefe, o editor; e o diagramador. Terminado o serviço, fomos embora para casa. Enquanto estava sendo impresso, na capa, o “Jr.” no lugar de “Neto”. Aprendi, naquele dia, que o problema não é errar. É errar o erro errado. Não seria a última vez que erraria. Não na vida. Mas no Pop, sim.