Censura da “Piauí” a Toledo após demitir Bilenky é mancha que não sai mais
29 outubro 2023 às 00h01
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Um dos mais respeitados jornalistas investigativos do País, José Roberto Toledo tornou-se “pop” pelo sucesso, nos últimos anos, com o Foro de Teresina, o podcast da revista Piauí – ou. Ao lado de Fernando de Barros e Silva, ele compôs o trio original de apresentadores com Malu Gaspar, que saiu em 2021, sendo substituída por Thais Bilenky.
O verbo “compor” no passado se deve ao acontecido na última semana e que rendeu à Piauí uma incômoda posição nos assuntos mais badalados do X, ex-Twitter. Certamente um dos principais locais de debate político pelas redes sociais e com posições firmes contra o discurso bolsonarista, o Foro foiganhando notoriedade e audiência no decorrer dos anos. As mensagens (“cartas”, como costumavam dizer) dos ouvintes, lidas ao final de cada edição, demonstravam uma relação de simbiose com o trio de jornalistas.
Na quinta-feira, 26, sem explicar as razões, Thais fez um texto cheio de palavras carinhosas e gratas e anunciou nas redes sociais que deixaria o programa e que a edição que iria ao ar no dia seguinte seria a última com sua participação.
Uma perda considerável, ainda mais após ela, tão jovem quanto talentosa, ter alcançado seu grande destaque na carreira com o ótimo e muito bem-sucedido Alexandre, um podcast narrativo em formato de minissérie sobre a trajetória do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que foi ao ar em agosto.
O que não se esperava é que, por reação em cadeia, o Foro tivesse outra baixa: exatamente a de Toledo, que, inconformado com a demissão e solidário à colega e amiga, anunciou, na gravação que também estava deixando o programa.
Tudo piorou quando os editores do material levaram ao ar uma versão com o corte sumário da fala do jornalista sobre sua própria demissão. Um ato de censura inconcebível, motivado muito provavelmente pelo fato de Toledo ter pontuado que a saída de Thais havia sido contra o desejo de todos eles – inclusive dela mesma. E pior: quem concluiu a audição do episódio ficaria sem a informação de sua saída.
Revoltadíssimo, mas também assertivo, ele abriu o jogo no X:
Ninguém ouviu, mas gravei ontem minha despedida do Foro de Teresina. Não adianta procurá-la no episódio publicado esta sexta-feira. Sumiu. Para quem ouvir, parece que sigo no Foro como se nada tivesse acontecido. [abaixo a transcrição de sua fala cortada, por ele mesmo]
“Por isso (Thais), eu não consigo assimilar a sua saída e a dissolução deste trio, ou melhor, deste quarteto. É um divórcio estranho, pois nenhuma das quatro partes quer se separar. Mas não depende da gente. Se dependesse, não separaria. Estou muito triste porque além de ser o último “Salve” da Thais eu decidi que é também o meu último “Opa”. Quando terminar este episódio, terá sido o meu derradeiro aqui no Foro. Eu me despeço desde já: muito obrigado a você, Thais; muito obrigado a você, Fernando; e muito obrigado a você aí com o fone no ouvido. A gente pode não se conhecer, mas, incrivelmente, viramos amigos.”
O trecho censurado se refere à demissão inexplicável de Thais Bilenky do Foro de Teresina. Resolvi sair junto porque o Foro sem Thais não é o Foro; porque amizade vale mais que emprego; porque injustiça assim não pode se esconder atrás de meias palavras.
A censura projeta a vergonha de quem teme assumir seu erro. E omite o fato de que, por efeito desse erro, o programa perdeu dois dos seus três apresentadores de uma só vez.
De quebra, a manipulação revela o padrão jornalístico do censor envergonhado. Na primeira intervenção, o autor deu um aperitivo do que o ouvinte deve esperar dos próximos episódios.
Obrigado, Thais. Sua saída nos poupou de boa.
Na discussão pelo X, os rumores eram de que a saída de Thais Bilenky tinha se dado dentro do contexto de mudança do perfil editorial da Piauí – com a contratação de profissionais vindos da Editora Abril, mais especificamente da revista Veja. Um processo de “vejificação”, no caso, estaria em curso e então afetando também o podcast, nada moderado em relação a críticas a posições conservadoras.
A repercussão foi péssima para a Piauí. Mais do que deixar de assistir ao Foro, internautas postavam seu protesto juntando com a declaração de que estavam também cancelando a assinatura da revista. Era o caso de muitos influenciadores, como a colunista da Folha de S.Paulo Rosana Hermann e o editor Romulo Dias.
Já teria sido um “erro executivo, financeiro e editorial” (palavras do internauta Wolney Batista em resposta a um post no perfil da revista no X) demitir Thais Bilenky sem qualquer justificativa razoável, para ter em seguida como efeito não desejado a saída de José Roberto Toledo. O desastre virou catástrofe quando alguém na edição do episódio fatídico achou que seria uma boa ideia cortar fora o desagravo. A censura contradiz toda a história do Foro e da própria Piauí, que tem como idealizador o magnata e mecenas João Moreira Salles e como administrador um instituto fundado por ele que se chama Artigo 220 – exatamente o trecho da Constituição que exalta a liberdade de expressão.
Dois personagens do imbróglio permanecem em silencio nas redes, após a tempestade: Fernando de Barros e Silva, o “último dos moicanos”; e a própria Piauí. Ambos devem estar atônitos, ainda que por motivos bem diversos.
Thais, Toledo e Fernando poderia tentar continuar seu trabalho como trio criando um podcast próprio, versão independente do Foro de Teresina? Sim, apesar de que são jornalistas e não executivos. Mas tendo eles a sinergia necessária e com uma equipe competente para os bastidores do formato, seria uma ótima resposta ao desmando editorial que sofreram.
E como fica a Piauí? Fica mal, no mínimo. Sabotou incrivelmente o melhor de seus produtos e ganhou uma nódoa sobre si que não será mais esquecida. Uma veículo de imprensa que censura seus próprios jornalistas não merece sobrevida.