O presidente blefa, para mostrar força nas redes sociais, mas é praticamente impossível que consiga retirar a concessão da rede dirigida pela família Marinho

Leitores que “vivem” nas redes sociais, notadamente em “ambientes” bolsonaristas, certamente acreditam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) vai retirar a concessão da TV Globo. Vai mesmo? É muito improvável.

Ao “pisar” na Globo, Bolsonaro opera, ante os olhos de seus eleitores-seguidores, para mostrar força. Porque sabe que, quando 5 de outubro chegar, se tiver perdido a eleição — ou se tiver ido para o segundo turno atrás de Lula da Silva (PT) —, não terá força alguma para retirar a concessão da maior rede de televisão do país.

João Roberto, Roberto Marinho (falecido), Roberto Irineu e José Roberto Marinho: o fundador e os filhos que deram seguimento ao projeto do Grupo Globo | Foto: Reprodução

Porém, mesmo se tiver “força”, a tendência é que não consiga “arrancar” a concessão da rede de televisão da família Marinho — por sinal, uma das maiores empregadoras do país. Pode-se não apreciar a Globo, mas não há a menor dúvida de que faz jornalismo e entretenimento de primeira linha. Certo, há uma obsessão com Bolsonaro, como se, para seus jornalistas, o presidente “habitasse” seu inconsciente (ressalte-se que, apesar da crítica constante e corrosiva, o presidente continua “vivo”). Na sexta-feira, 18, o Globo News criticou, de maneira acerba, o fato de o chefe do Executivo ter convidado o príncipe da Arábia Saudita para visitar o Brasil. Apontado como “ditador” e “esquartejador” de jornalista, o saudita deveria ser considerado persona non grata no país do notável Cândido Mendes. Pois, ao lado de Israel, a Arábia Saudita é o principal aliado dos Estados Unidos no Oriente Médio. Não deveria ser, claro, porque de lá saíram duas das maiores organizações terroristas da história — a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Mas os sauditas — que são sunitas, portanto adversários viscerais dos xiitas do Irã — têm o bem mais precioso do mundo (ao lado da tecnologia dos celulares e computadores), Petróleo.

Apesar da obsessão com Bolsonaro, a Globo faz jornalismo acima da média. Cobre quase tudo, e bem — com excelentes profissionais. Há outras redes de qualidade, como a Record e a Band, mas nenhuma com sua estrutura, com sua capilaridade nacional. Destruir a Globo é trabalhar, de maneira negativa, para retirar do mercado um empreendimento que deu certo e é respeitado nos países mais ricos do mundo. No Brasil, talvez devido ao dito complexo de vira-lata, há uma “perseguição” àquilo que obtém sucesso, que gera lucros e empregos de qualidade. O presidente certamente está preocupado com a geração de empregos — porque o desemprego é uma das causas da ruína de sua popularidade. Se a Globo ruir, sob perseguição, o que farão as centenas de funcionários da empresa? Parte ficará desempregada, alguns conquistarão bons empregos e a maioria, certamente, irá para o subemprego (comparado aos salários atuais da Globo).

Há algo que Bolsonaro não diz, e não se lê nas redes sociais, mas reportagem do “Estadão”, “Bolsonaro fala em ‘dificuldades’ para renovar concessão da TV Globo, mas decisão cabe ao Congresso”, põe os pingos em todos os “is”. O texto é assinado pelos repórteres Felipe Frazão e Eduardo Gayer.

Jair Bolsonaro: quando sugere que pode retirar a concessão da TV Globo, o presidente da República está meramente jogando para seus seguidores | Foto: Reprodução

“Apesar de sugerir a não renovação do canal aberto da Globo, Bolsonaro não tem o poder de decisão sobre essas e outras concessões. Pela lei em vigor, cabe ao presidente apenas indicar uma posição por meio de decreto, mas a palavra final é do Congresso Nacional”, assinala, corretamente, o “Estadão”. Frise-se que, este ano, também vencem as concessões da Band, da TV Cultura e Record TV. Bolsonaro diz que a Globo, para não perder a concessão, terá de se apresentar “arrumadinha” do ponto de vista tributário. As demais estão “arrumadonas” num país em que nada — nem o governo federal (basta olhar a dívida pública) — é “arrumadinho”?

“As concessões pela exploração dos canais abertos de TV duram quinze anos. A detentora da outorga pede a renovação ao Ministério das Comunicações, que encaminha parecer ao Palácio do Planalto. Fontes do setor afirmam ser improvável uma derrubada, se os requisitos documentais estiverem atendidos, e que a não renovação exigiria motivos graves, como dívidas junto à União”, ressalta o “Estadão”.

O jornal paulista acrescenta que “a Presidência envia sua posição ao Congresso, que delibera pela renovação ou não [da concessão]. O pedido passa por comissões temáticas e pelo plenário, na Câmara e no Senado. A não renovação exige votação nominal do Congresso. Já a cassação de uma outorga tem de ser feita por via judicial”. Em suma, é muito difícil, quase impossível, Bolsonaro retirar a concessão da Globo.

Se é adepto do “bobismo” — espécie de “socialismo” da direita patropi —, você certamente acredita que Bolsonaro vai retirar a concessão da Globo. Entretanto, se não for, e a maioria não é, mesmo entre bolsonaristas, certamente sabe que o presidente está blefando. Está, digamos, jogando para sua torcida de seguidores, que pegam “ideias feitas” e, sem refletir sobre sua veracidade, compartilham nas redes sociais ou enviam, de imediato, pelo WhatsApp.

O verdadeiro “adversário” da Vênus Platinada — muito mais perigoso do que Bolsonaro (afinal, no seu governo, a Globo continua faturando verbas federais) — é a mudança global da comunicação. Com o “excesso” de oferta de jornalismo e entretimento distribuídos nas dezenas de canais de televisão e na internet, além das mesmerizantes redes sociais, ninguém terá mais audiências absolutas. O resultado é que, apesar de um ou outro ter mais qualidade, todo mundo, ou quase todo mundo, vai ficar mais parecido, mais mediano (como diz o povão, “a cara de um, o focinho do outro”). O poder da Globo vai ficar menor, já é menor, e deve ficar ainda menor. O enxugamento brutal de sua equipe e estrutura tem a ver com o fato de que o faturamento, ainda que permaneça alto, tende a cair, ou estabilizar-se. A empresa não tem mais como bancar o custo de uma estrutura pesada. Nenhuma empresa de comunicação tem, tanto que várias foram ou estão sendo vendidas no Brasil e no exterior. Mas, ao contrário do que se pensa — daquilo que se diz nas redes sociais —, a Globo não está falindo. Está ficando menor, e exatamente para sobreviver, com uma margem de lucro que não sacrifique o patrimônio pessoal de seus dirigentes — os irmãos Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho.

Agora, num exercício de imaginação, feche os olhos e, pronto, ao abri-los, a Globo não existe mais. Acabou. O que sobra de alta qualidade, em termos de jornalismo e entretenimento no Brasil? Pense nisto se você acredita que Bolsonaro pode mesmo retirar a concessão da maior rede de televisão do país.

O curioso é que a direita, Bolsonaro, e a esquerda, Lula da Silva (fala em “regular” a imprensa), não têm apreço pela Globo.